Brasil e Colômbia, a promessa de um alinhamento que não houve

Por Ingrid Meirelles, João Victor Pennacchio, Talita de Paula Duarte e Thauany Nazarethe Cirino

A expectativa era de que a guinada à direita de vários governos sulamericanos eleitos a partir de 2015 – em especial no Chile, no Peru e na Colômbia -, resultaria em uma articulação conservadora entre eles. Apesar da aproximação comum com o Departamento de Estado dos EUA, tal convergência não se concretizou. Um dos possíveis motivos é o extremismo autoritário da gestão Bolsonaro

No contexto da pandemia de coronavírus em 2020, os seis municípios brasileiros que possuem fronteira com a Colômbia – todos no estado do Amazonas – (Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Japurá, Santo Antônio de Içá, São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga), apresentaram casos de covid-19. Dentre estes, um dos mais afetados é Tabatinga, que faz divisa com a cidade colombiana de Letícia e é um dos principais pontos de comunicação entre os dois países. O município possui 1375 casos de covid-19 e 72 mortes (dados de 25/06), em uma população de 66 mil habitantes. Já a cidade de Letícia, com 48 mil habitantes detém 2121 casos positivos do vírus e 84 mortes, segundo o Instituto Nacional de Saúde da Colômbia (dados de 25/06). Esse é um dos principais corredores de transmissão da doença para o território colombiano.

Enquanto a Colômbia decretou isolamento preventivo e obrigatório em todo país desde março deste ano, fechando todas as fronteiras terrestres, marítimas e fluviais, o governo brasileiro pandemia minimizou sua gravidade e não decretou quarentena, adotada apenas por iniciativa dos governos estaduais. Atualmente, a Colômbia registrou mais de 60 mil casos da doença e 2 mil mortes, em contraste com o Brasil, que tornou-se o segundo país no mundo em número de infecções, atrás apenas dos EUA, ultrapassando 1 milhão de casos e mais de 50 mil mortes em 22 de junho, além de contar com uma grande subnotificação nos casos da doença.

Crítica à ação sanitária brasileira

O presidente colombiano, Ivan Duque, tem sido crítico à gestão brasileira na pandemia. No último encontro bilateral, no dia 15 de maio, foram acordados o reforço do policiamento nas fronteiras e a criação de um protocolo de troca de informações semanais entre autoridades dos dois países sobre a propagação do covid-19.

O Ministro da Saúde colombiano, Fernando Ruiz, afirmou que a ausência de uma estratégia conjunta entre Brasil e Colômbia é um dos fatores responsáveis pelo aumento na quantidade de casos do vírus na cidade. A dificuldade de articulação entre os governos também preocupa comunidades indígenas presentes na região.

Para além do contexto pandêmico, a escassa articulação entre Iván Duque e Bolsonaro contraria a expectativa de um novo alinhamento com a clara guinada à direita na América Latina, que envolve Pedro Pablo Kuczynski/Martin Vizcaia no Peru (2016-18), Sebastián Piñera no Chile (2017) e por fim, Iván Duque na Colômbia e Jair Bolsonaro no Brasil em 2018.

Assim, era esperada uma articulação entre esses presidentes, principalmente Duque e Bolsonaro, pelas semelhanças e opiniões convergentes apresentadas por ambos, como o alinhamento automático à Casa Branca. Entretanto, essa articulação mostrou-se frágil. Em 2019, o grande incêndio que ocorreu na Amazônia gerou discussões internacionais e mostrou que as agendas dos dois presidentes não estavam tão alinhadas. Isso se tornou evidente quando o governo colombiano ofereceu ajuda no combate às queimadas, propondo uma agenda de proteção ambiental global, que contrariava fundamentalmente a agenda anti-globalista de Bolsonaro. Posteriormente, essas divergências ficariam ainda mais claras nas políticas adotadas por estes governos no combate ao covid-19 e que geraram inseguranças para o país vizinho.

Rumos incertos no comércio

Também no comércio bilateral entre o Brasil e a Colômbia, os rumos são incertos. Além de ser observado um aumento de somente 0,6% no fluxo comercial entre esses países em 2019, são questionáveis os rumos do intercâmbio comercial entre o Brasil e a Colômbia no governo Bolsonaro se levarmos em conta seu descaso pelas pautas sul-americanas e os dados do período de janeiro a maio de 2020, que apresentam uma queda de 26,2% nas exportações com relação ao mesmo período do ano anterior. Elas são agravadas pelas questões fronteiriças no contexto pandêmico. Atualmente, a pauta de exportações brasileiras para a Colômbia é composta principalmente por manufaturados, como automóveis, produtos laminados e de aço e ferro. Já entre as mercadorias colombianas importadas destacam-se coques e semicoques, polímeros de cloreto de vinila e outras matérias plásticas em formas semiindustrializadas.

O comércio bilateral foi historicamente afetado pelas inseguranças que permeiam as relações entre estes países, intensificadas no século XX pelo narcotráfico, a escalada do conflito armado na Colômbia e pelo temor deste país com relação ao “subimperialismo brasileiro” diante de sua magnitude geográfica e populacional, assim como, seu poder militar quando comparado ao dos países vizinhos. A percepção da importância da Colômbia – assim como de outros países andinos – para a política externa brasileira surge nos anos 1990 com as aspirações brasileiras tanto comerciais quanto relacionadas à sua inserção internacional, a partir de uma base regional. Ela deve-se também à preocupação do governo brasileiro com a possibilidade de internacionalização da Amazônia com o lançamento do Plano Colômbia (1999), um acordo bilateral entre os Estados Unidos e a Colômbia no combate ao narcotráfico. Há quase três décadas, os dois países não tinham administrações em tese tão alinhadas politicamente.

Governança regional

Entre o fim dos anos 1990 e a década seguinte, com a presença de iniciativas de integração regional articuladas pelo Brasil e outros importantes atores no cenário latino-americano, a Colômbia passou a manifestar interesse na cooperação pela construção de uma governança regional. Nos últimos três anos de seu governo (2000-2003), Fernando Henrique Cardoso empreende certa aproximação comercial e política com países sul-americanos, com o relançamento do Mercosul (2000), do qual a Colômbia tornou-se membro associado nas duas primeiras cúpulas sul-americanas (2000 e 2002) e com a Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).

O governo Lula (2003-2011) foi também responsável por consolidar as relações comerciais com os países do continente, que até aquele momento não ocupavam posições de destaque em nossa balança comercial. A partir dali, foram acertadas condições especiais para o acesso de produtores vizinhos ao mercado brasileiro, promovendo o programa de substituição competitiva de importações. Começam a ocorrer então iniciativas entre os governos brasileiro e colombiano de complementaridade de seus potenciais e incentivo à empresas binacionais, em especial no setor siderúrgico.

Entre 2004 e 2008, o êxito das políticas comerciais resultou em um aumento de 200% nas exportações brasileiras para o país, duplicando o superávit comercial a favor do Brasil que era contrabalanceado com investimentos brasileiros na Colômbia. Em 2008, o governo de Bogotá aceitou integrar a Unasul, um instrumento de governança regional e consolidação de uma zona de paz sul-americana, bem como, o Conselho Sul-Americano de Defesa (CSD), proposto pelo Brasil, com a assinatura de convênios sobre ciência e tecnologia, e acordos sobre troca de informação e inteligência e combate à fabricação e ao tráfico ilícito de armas de fogo, munições, acessórios, explosivos e outros materiais correlatos.

Em 2012, iniciam-se as negociações de paz entre as FARCs e o governo da Colômbia, presidido, naquele momento, por Juan Manuel dos Santos. O episódio contou com a participação ativa dos governos da Venezuela, do Chile e de Cuba. No entanto, apesar de ser uma questão relevante para a segurança nacional brasileira – dado o papel das FARCs no narcotráfico – o primeiro governo de Dilma Rousseff, caracterizado por uma política externa menos pró-ativa que a de seu antecessor, não foi convidado ou teve qualquer participação significativa nos tratados. Durante seus mandatos (2011-2016), também se intensificou o protecionismo vizinho e ocorreram quedas consecutivas nas exportações brasileiras para a Colômbia entre 2012 e 2016.

O dinamismo no comércio bilateral entre esses países aumenta consideravelmente de 2016 para 2017 e é favorecido, nos anos seguintes, pelo Acordo de Complementação Econômica Colômbia-Mercosul (ACE 72) que representa um importante avanço no intercâmbio comercial entre a Colômbia e o Brasil ao ampliar a liberalização do comércio com a Colômbia para 97% da pauta tarifária.

Apenas alinhamentos ideológicos não bastam

A despeito desses avanços anteriores no intercâmbio comercial e em políticas de integração regional, a ascensão de governos de direita implicou a quebra da articulação entre os povos da região baseada em iniciativas autônomas de governança regional, de forma que ambos os países decidiram pela saída da Unasul, para integrar o Fórum para o Progresso da América do Sul (Prosul), em 2019, com o objetivo de trabalhar ações conjuntas para o desenvolvimento da região, além de uma coordenação de políticas acerca da crise na Venezuela, na qual ambos os países tentaram viabilizar a entrada de ajuda humanitária em território venezuelano e declararam apoio à Juan Guaidó. Até agora não se sabe de iniciativas do novo organismo.

Esses cenários apresentam, no entanto, apenas alinhamentos ideológicos, cuja fragilidade é revelada pela ausência de estratégias políticas conjuntas no combate à epidemia de coronavírus ou de qualquer articulação direta entre os governos de Jair Bolsonaro e Ivan Duque, os supostos representantes da agenda norte-americana na região,  tornando ainda mais incerta a natureza e o futuro das relações bilaterais entre Brasil e Colômbia.

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