Por Pedro Mendes, Lucas Rocha, Yamila Goldfarb e Diego Azzi
Aumento do desmatamento e de queimadas na Amazônia, expansão do garimpo, desrespeito à normas ambientais e aumento artificial de tensões com a China – principal parceiro comercial do Brasil – têm levado setores do agronegócio a expressarem crescente descontentamento com o governo. Grandes fundos de investimentos em indústrias de carne e grãos ameaçam reduzir aportes no país
O chamado agronegócio, setor da economia brasileira que inclui, além da agropecuária, toda a cadeia de insumos e processamento, costuma se posicionar de forma unitária frente a questões da política nacional. Em 2019, o agronegócio foi responsável por 21,4% do PIB brasileiro e espera-se que neste ano ele passe a ser responsável por 23,6% do PIB total, segundo levantamento feito pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), lembrando que esse valor corresponde a toda a cadeia produtiva e não apenas especificamente a agricultura e a pecuária. Apesar da histórica presença que esse setor tem na política brasileira e de seu papel exportador, o governo de Jair Bolsonaro acumula polêmicas que contribuem para uma deterioração da imagem do Brasil no exterior.
Podemos dividir essas disjuntivas em dois grandes grupos: polêmicas relacionadas, particularmente à pauta ambiental por um lado e crises diplomáticas com a China, principal parceiro comercial brasileiro, por outro. Tais crises diplomáticas se estabeleceram a partir de falas preconceituosas, ideológicas e acusatórias por parte do deputado estadual Eduardo Bolsonaro e pelo ex-ministro da educação Abraham Weintraub, que responsabilizaram o governo chinês pela pandemia do Covid-19. Essas polêmicas atingem diretamente o agronegócio, visto que compromete a realização de transações com investidores estrangeiros. Uma das recentes controvérsias foi a fala do ministro do meio ambiente Ricardo Salles na reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020, na qual ele defendeu o uso atual da pandemia para, em suas palavras, “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, o que repercutiu negativamente tanto no Brasil quanto entre importantes parceiros comerciais, como a União Europeia.
Incômodos no setor
É exatamente esse tipo de polêmica que tem incomodado boa parte do agronegócio brasileiro. Como mostra matéria recente do jornal O Estado de S. Paulo, atores importantes do agronegócio brasileiro encaram com bastante preocupação a gestão do ministro Salles e a falta de atuação do governo federal para com a agenda ambiental, que pode resultar em perda de mercado consumidor no exterior e prejuízos para o setor. O temor de prejuízo com imagem negativa do governo de Jair Bolsonaro no plano global expressou-se em um racha no agronegócio nacional.
Ideológicos e pragmáticos
Enquanto uma parte do agronegócio se encontra na ala ideológica bolsonarista e demonstra total apoio ao ministro Salles, outra parte é aliada da ministra da agricultura Tereza Cristina e defende uma política mais pragmática, evitando qualquer mal-estar com os parceiros comerciais, particularmente a China. Além disso, busca a adoção de uma política mais contundente que incorpore ao menos parte da agenda ambiental, como por exemplo o combate ao desmatamento, ao garimpo e às queimadas ilegais, de forma a garantir os negócios com os mercados europeu.
As preocupações do agronegócio brasileiro não são infundadas. Uma matéria de 19 de junho da Folha de S. Paulo expressa intenções de retirada de aportes de sete grandes empresas de investimentos europeias em produtores de carne, operadoras de grãos e títulos do governo brasileiro, caso não haja uma solução para o aumento do desmatamento na floresta amazônica. Essas empresas, com mais de US$ 2 trilhões de ativos administrados, mostram grandes preocupações com os rumos das políticas ambientais do governo Bolsonaro. Segundo a matéria, a KLP, maior fundo de pensão da Noruega, afirma estar dialogando com Archer Daniels Midland (ADM), Cargill e Bunge, analisando a aplicação de políticas ambientais das gigantes do agronegócio brasileiro.
Os questionamentos a tais empresas não são à toa, já que um relatório elaborado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) em parceria com o Imaflora, o Stockholm Environment Institute, a Trase e mencionado pelo The Economist em uma matéria recente mostra que o estado do Mato Grosso, região chave para o agronegócio nacional, registrou a perda de 1,4 milhão de hectares de floresta entre 2012 e 2017, sendo que 95% desse número foi caracterizado como desmatamento ilegal. O relatório ainda mostra que, nos 15 municípios que mais desmataram ilegalmente, 60% do total da colheita da soja foi comprada por três grandes empresas do setor agropecuário, Amaggi, Bunge e Cargill, que afirmaram terem aderido à Moratória da Soja da Amazônia, um acordo que visa impedir a compra do grão cultivado em áreas de desmatamento ilegal.
Para piorar um quadro já desfavorável, em 10 de agosto de 2019, ocorreu o que ficou conhecido como Dia do Fogo, quando produtores rurais da região Norte do país iniciaram um movimento conjunto, organizado via grupos de WhatsApp, para incendiar áreas da floresta Amazônica. Dados de satélite colhidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e compilados pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará mostram que a partir dessa data houve um aumento significativo nas queimadas em áreas de floresta. Uma semana depois, dia 18 de agosto, o céu de São Paulo escureceu às 16hs, resultado da poluição e de partículas resultantes das queimadas. Esse fenômeno chamou a atenção no mundo todo.
Consequências negativas
Novas consequências negativas no plano internacional não tardaram a aparecer. No dia 23 de junho de 2020, uma carta aberta de 29 fundos de investimentos repercutiu na mídia brasileira. Nessa carta, os fundos argumentam que o aumento do desmatamento gera incertezas generalizadas sobre os investimentos no Brasil, reconhecendo o papel essencial da Amazônia nos efeitos de mudanças climáticas e preservação de ecossistemas. Dentre os pontos levantados pela carta chama a atenção as críticas feitas pelo governo Bolsonaro às metas dos Acordos de Paris e as intervenções do ministro Salles, vistas como oportunistas, sobre a desregulamentação ambiental em plena crise de pandemia do Covid-19.
Analistas das empresas que ameaçaram desinvestir no agronegócio brasileiro são unânimes quanto à atuação de Salles, afirmando que o ministro trabalha contra o meio ambiente e contestam sua credibilidade. Para o presidente Bolsonaro, a imagem do Brasil no exterior “não está boa” por causa da desinformação. O presidente continua afirmando que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo e ignora os dados sobre o aumento do desmatamento na Amazônia. Vale lembrar a demissão do diretor do INPE, Ricardo Galvão à época.
Na mesma linha das falas do presidente Bolsonaro, o Governo Federal enviou uma carta aos parlamentares europeus numa tentativa de tranquilizar os interlocutores na UE sobre preservação ambiental e direitos indígenas num momento em que o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia entra na fase de ratificação pelos países do bloco. O objetivo do documento foi apresentar a visão do governo, argumentando que há “falhas de comunicação” no tocante à política ambiental e que a Europa é vítima de desinformação perpetrada por ONGs. No entanto, como verificado pela plataforma Fakebook – criada pelo Observatório do Clima, Greenpeace e Climainfo com o intuito de verificar declarações de autoridades ou fake news diversas sobre meio ambiente – a carta do governo brasileiro contém diversas falácias, dados distorcidos e exageros que não condizem com a realidade.
Frente a esses episódios todos e somado à desnecessária tensão com a China, fica claro o descontentamento no agronegócio brasileiro, base de sustentação do governo Bolsonaro desde a primeira hora. Enquanto parte do setor continua demonstrando apoio ao ministro Ricardo Salles e atribuindo a culpa da imagem ruim do país no exterior à sociedade civil, como resultado de uma suposta campanha difamatória do presidente Bolsonaro e do ministro Salles, outra parte se vê bastante preocupada com esses acontecimentos recentes que começam a afetar negativamente seus negócios. Por isso, cobram ações mais contundentes do governo federal.
A própria ministra da agricultura Tereza Cristina, no dia 23 de junho afirmou que o Brasil poderia produzir mais sem derrubar uma árvore sequer. Essa afirmação representa uma resposta à preocupação do agronegócio, que tem interesse em preservar a imagem do setor como ambientalmente responsável, o que se encaixa nos requisitos dos mercados estrangeiros, particularmente os europeus. Resta saber se alguém ainda está escutando.