Política Externa Brasileira quer frear combate ao racismo e enfraquecer o Conselho de Direitos Humanos da ONU

Por Gilberto M. A. Rodrigues, Isabella Montilha, Mirella Sabião 

O Conselho de Direitos Humanos da ONU voltou a funcionar em Genebra após três meses de congelamento de atividades devido à Covid-19. Em três temas cruciais debatidos e aprovados – combate ao racismo relacionado à violência policial, funcionamento do próprio Conselho em relação aos países membros e sanções unilaterais – a Política Externa Brasileira (PEB) manteve sua conduta retrógada, submissa aos interesses estadunidenses e na contramão do progressismo internacional nesse campo

Resolução sobre racismo sistêmico e violência policial

Após três meses de congelamento das atividades devido à crise internacional causada pela Covid-19, as reuniões do Conselho de Direitos Humanos da ONU foram retomadas para tratar de assuntos de suma urgência: o racismo sistêmico, a brutalidade policial e a violência contra manifestações pacíficas, motivadas em prol do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Apesar de predominantemente pacíficas, tais manifestações encontraram resistência policial em diversos países, resultando em ataques diretos entre os grupos e uma alienação do caráter essencial do movimento.

Diante desse cenário, vinte e dois líderes africanos de diferentes agências da ONU se reuniram e publicaram, em 12 de junho, um manifesto exigindo uma posição mais assertiva da ONU, que deve “intensificar e agir decisivamente para ajudar a acabar com o racismo sistêmico contra pessoas de ascendência africana e outros grupos minoritários”. Tal manifesto foi o ponto de partida para o reinício das atividades do Conselho.

Os líderes solicitaram a criação de uma comissão internacional independente que investigaria as ações dos governos acerca das manifestações, mais especificamente das polícias contra manifestantes e a imprensa. O foco se daria inicialmente nos EUA e, posteriormente, em países com grande índice de brutalidade policial a pessoas afrodescendentes e africanas; logo, seria de se esperar que a investigação viesse a incidir no Brasil. No ano de 2019, somente no estado do Rio de Janeiro, ocorreram o dobro de mortes por parte da Polícia Militar do que em nos Estados Unidos. São operações violentíssimas em comunidades cariocas e consequentes homicídios de jovens negros e periféricos.

O Brasil é membro do Conselho dos Direitos Humanos, tendo sido reeleito para um mandato até 2022. A expectativa acerca do posicionamento do Itamaraty pelos EUA, ao qual o Brasil se encontra estreitamente alinhado, era de vetar a resolução tal como descrita no texto original, contemplando tanto a resposta esperada por Washington quanto o desinteresse do governo brasileiro em ter sua polícia investigada. Assim, a representante brasileira na ONU em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevêdo, criticou a menção explícita à polícia dos EUA e defendeu o “papel indispensável da polícia para garantir o direito a segurança pública”.

Outros aliados estadunidenses tomaram posicionamentos parecidos aos do Brasil, ainda que os EUA tenham se ausentado do debate. Após três dias de discussões e obstáculos colocados pelo grupo pró-EUA, a resolução foi aprovada de forma unânime, mas com inúmeras modificações em seu texto. Entre elas, excluiu-se o trecho que demandava uma investigação específica sobre a polícia dos EUA e trocou-se o termo “brutalidade policial” por “uso excessivo da força por agentes da lei”. Certamente uma vitória agridoce, insuficiente para as finalidades pretendidas com da comissão de inquérito, porém mais assertiva que os meros informes sobre racismo sistêmico e violência policial que seriam elaborados pela Organização caso a comissão fosse vetada.

Resolução sobre restrições ao mandato de monitoramento do Conselho

Em outro campo, o do mandato do Conselho, a PEB mantém sua coerência reacionária e anti-Direitos Humanos, e não tem o menor problema em se alinhar a países que passou a rotular e a tratar como ditaduras comunistas – Cuba, Irã, Venezuela e China, além da Síria – para ajudar a aprovar uma resolução que diminui os poderes de monitoramento do Conselho, um dos principais atributos desse órgão em seu desenho aprovado em 2005.

Resolução sobre sanções unilaterais em Direitos Humanos

Finalmente, a PEB se alinhou novamente a países que desejam “ditar” comportamento para os outros, sem assumir compromisso multilateral com os seus próprios comportamentos, e votou contra a resolução que estipulava que sanções unilaterais eram contrárias aos Direitos Humanos. Essa resolução foi vitoriosa e a PEB, desta vez, foi derrotada.

Coerência na desconstrução dos Direitos Humanos       

Nesses três casos em que o Conselho debateu e aprovou resoluções sobre temas cruciais dos Direitos Humanos que mobilizam as relações internacionais hoje, a PEB mantem sua coerência na desconstrução dos Direitos Humanos no âmbito da ONU, abandonando seus compromissos com o multilateralismo, reforçando o alinhamento submisso aos EUA e negando princípios que compõem balizas existentes na Constituição Federal, como o repúdio ao racismo. No combate ao racismo, em particular, a PEB põe a perder sua credibilidade e reputação como grande e respeitado player diplomático da Conferência de Durban (2001) – Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância. 

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