Por Luís Gustavo Branco, Pedro Lagosta e Diego Azzi
Descaso do governo com preservação ambiental, em especial na Amazônia, pode impactar exportações brasileiras e relações com parceiros externos
Enquanto o mundo se mobiliza no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, no Brasil, o desmatamento na Amazônia segue crescendo. O mês de junho de 2020 foi o mais alarmante nos últimos 13 anos quanto aos dados referentes a um mesmo mês, conforme reportou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Em junho de 2020 foram 2248 focos de incêndio na região amazônica, uma piora com relação a junho de 2019, com 1880 focos, já tendo sido um mês com dados preocupantes se comparados ao ano de 2018. Existe o temor de uma explosão no desmatamento em 2020, visto que os meses de junho, julho e agosto são, tipicamente, os meses com maiores índices, com a possibilidade de superarmos o desmatamento ocorrido no ano de 2019. O total acumulado nos últimos 10 meses foi de impressionantes 72% maiores do que no período anterior.
Monitoramento e incêndios
Recente relatório da BBC sobre a Amazônia (veja aqui) apresenta denúncias de ativistas da sociedade civil organizada de que os crescentes incêndios ocorrem por conta da diminuição do monitoramento, sendo que muitos deles são causados por madeireiros ilegais ou por fazendeiros que buscam limpar rapidamente áreas para usufruírem ilegalmente das mesmas. Nesse sentido, a medida tomada pelo governo federal de enviar contingentes militares à região e os colocarem na frente até mesmo do Ibama no combate aos incêndios e o desmatamento ilegal se mostra ineficiente.
O afã dos militares na ditadura em integrar a Amazônia ao Brasil “moderno” ainda se apresenta nos objetivos do governo de Jair Bolsonaro, que a partir de meados de 2019 autorizou o envio das Forças Armadas para combater os focos de queimadas e desmatamento. Foi o caso da Operação Verde Brasil 2, em resposta às críticas oriundas da comunidade internacional. A operação, porém, não foi bem sucedida, visto que as tropas foram enviadas no mês de maio, período em que ocorreu uma alta no desmatamento.
Diante do aumento no número de mortes de indígenas da região amazônica, muito evidenciado pela desastrosa gestão do governo federal frente à pandemia, uma comunidade de yanomâmis e yekwanas da Terra Indígena Yanomami alertou para a existência de casos do novo coronavírus entre seus membros. Essa contaminação teria ocorrido a partir da presença de garimpeiros na região. Ainda, no encontro anual sobre os direitos das crianças do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o testemunho de um indígena de 15 anos do Mato Grosso do Sul chamou a atenção das delegações estrangeiras, ao apresentar a situação precária em que sua etnia se encontra, devastada pelo coronavírus e a omissão do Estado.
Veto ao fornecimento de água
A ação deletéria do presidente Bolsonaro com relação à disseminação do novo coronavírus em territórios indígenas é observável, entre outros, através dos vetos por ele determinados sobre a obrigatoriedade do governo em fornecer água potável, higiene e leitos hospitalares à indígenas na legislação que trata sobre medidas de proteção social para prevenção do contágio e disseminação do vírus. Isso ocorre em um cenário em que as populações indígenas têm uma taxa de letalidade pelo vírus de 9,6%, enquanto na população geral a taxa é de 4%, segundo o Ministério da Saúde. Frente a isso e atendendo a um pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Estado tome providências contra a disseminação do COVID-19 entre os indígenas.
Uma carta aberta foi redigida por 38 grandes empresários como forma de demonstrar preocupação com as atitudes do governo em relação a preservação da Amazônia. Direcionada não a Bolsonaro, mas ao vice-presidente Hamilton Mourão, ela apresenta como as questões ambientais tem formado uma percepção negativa do Brasil no exterior, o que dificulta a economia do país e deixa os empresários apreensivos.
Divisão no agronegócio
Igualmente preocupado, o agronegócio brasileiro se divide em dois grupos, e a visão da ala bolsonarista sobre a integração da Amazônia também vem se cindindo frente à atual situação. Isso levou a um arroubo ecologista por parte da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ao afirmar que o agronegócio não precisa das terras da Amazônia para expandir sua produção no País. Ela se justifica dizendo que o agronegócio já tem crescido nas áreas já desmatadas e o clima e a falta de infraestrutura na região não é atraente. No entanto, a realidade mostra que o desmatamento ainda ocorre em benefício ao setor, dado que a exportação de carne bovina concentra metade do desmatamento em 2% dos municípios do cerrado e da região amazônica.
No mesmo esforço de melhoria da imagem do Brasil no mundo, o ministro do Meio Ambiente apresentou como possibilidade de integração da região amazônica ao programa “Adote um parque”, que visa permitir a participação de empresas privadas nacionais ou estrangeiras na gestão das 132 unidades de conservação federais na região, medida esta vista como positiva pelo Embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman. Contudo, diante das afirmações de Ricardo Salles de que se deve aproveitar a pandemia para “passar a boiada” e promover desregulamentação legislativa, procuradores do Ministério Público Federal pediram o afastamento do ministro do Meio Ambiente de suas atribuições. A demanda baseia-se na percepção de que Salles age com a intenção de desmontar o aparato de proteção ao meio ambiente no país, incorrendo no ato de improbidade administrativa.
Problemas com a China
Finalmente, como se não bastasse tamanho desgoverno, em reflexo da ineficiência nas políticas públicas médicas e sanitárias de enfrentamento à pandemia, a China suspendeu a importação de frigoríficos brasileiros. A economia chinesa é a maior compradora de carne suína, bovina e de frango oriundas do Brasil. Não foi divulgado o motivo pelo qual se deu a suspensão, porém entende-se que a decisão se deu no cenário em que o Brasil é até aqui o segundo país com mais casos do novo coronavírus, assim como o crescente número de frigoríficos com casos positivos entre seus funcionários.
A preocupação das autoridades brasileiras levou à convocação de uma reunião ocorrida no dia oito de julho, com presença do Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, do Presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e de representantes de frigoríficos.
A retaliação chinesa impacta a economia brasileira e as relações comerciais entre os dois países, já pisoteadas tanto pelos ataques ideológicos da família Bolsonaro, quanto do chanceler Araújo. A precificação pela ideologia de alinhamento automático aos EUA, de ataque à China e de negação da gravidade da pandemia do Covid-19 está se elevando com o passar do tempo e com o acúmulo de erros do governo em matéria de política exterior.