Bolsonaro denunciado por genocídio e crimes contra a humanidade em Haia

Por Gilberto M. A. Rodrigues, Isabella Montilha e Mirella Sabião

As denúncias contra Bolsonaro constituem fatos políticos internacionais de enorme relevância para impactar negativamente a imagem e a credibilidade do governo perante a comunidade internacional

A Rede Sindical Brasileira UNISaúde, uma coalizão que representa mais de um milhão de profissionais de saúde, protocolou no Tribunal Penal Internacional (TPI), em 26 de julho, uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro por crimes de genocídio e contra a humanidade na gestão da pandemia. O TPI tem sede em Haia, Países Baixos, e o Brasil está vinculado a ele por tratado internacional.

Cabe lembrar que o Brasil participou ativamente da criação do TPI e assinou o Estatuto de Roma, de 1998, que cria e rege as normas do tribunal, o qual entrou em vigor no Brasil em 2002. Uma das características inovadoras desta corte é a independência de sua Procuradoria Geral (equivalente a uma promotoria criminal), que pode iniciar uma investigação ex-officio, ou seja, por iniciativa própria, a partir de denúncia levada ao TPI.

Possibilidades de investigação

A revista Época, de 31 de julho, publicou entrevistas com Deisy Ventura, professora titular de Ética da Faculdade de Saúde Pública da USP e presidenta da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), e com Sylvia Steiner, ex-juíza do TPI (2003-2016) e desembargadora federal aposentada, atualmente pesquisadora da Direito FGV. O objetivo era saber das chances de Bolsonaro ser efetivamente investigado. Ambas divergem sobre a possibilidade de a denúncia desencadear uma ação pela Procuradora Geral, a jurista Fatou Bensouda, da Gâmbia.

Deisy vê fortes indícios que ensejariam a abertura da investigação. Sylvia, por sua vez, não vê configurados os chamados elementos contextuais do crime contra a humanidade e a inexistência do elemento essencial do tipo penal do genocídio. Há, sem dúvida, um debate técnico-jurídico, amparado na jurisprudência do próprio tribunal, que pode sepultar uma série de denúncias que não logram atender as condições objetivas para uma investigação.

Entretanto, se as balizas estritas do procedimento dentro do TPI podem favorecer Bolsonaro, as evidentes falhas deliberadas na responsabilidade de proteger a população brasileira pelo chefe de Estado diante da catástrofe de mortos e infectados na pandemia se fortalecem dia após dia. Há cerca de 100 mil mortos e quase três milhões de infectados, que colocam o Brasil como potencial ameaça global sanitária. O pano de fundo é o negacionismo da pandemia, o desrespeito às orientações da OMS, a utilização e o incentivo a medicamentos não comprovados ou vedados pelas autoridades internacionais e a falta de transparência na apresentação dos dados nacionais da doença. São todas ações deliberadas e conduzidas pelo ministro interino da Saúde – um general de exército totalmente alheio à área. As evidências transformam a denúncia em Haia em séria candidata a abrir um precedente de abertura de investigação.

“Política genocida”

Além disso, o maior complicador da denúncia para o governo vem do Supremo Tribunal Federal. O Ministro Gilmar Mendes declarou que a Constituição Federal não autoriza o presidente da República ou qualquer gestor da Saúde a implementar uma “política genocida na gestão da saúde”. Em outra ocasião, Mendes também declarou – causando um terremoto político em Brasília – que os feitos no Ministério da Saúde eram péssimos para a imagem das Forças Armadas, pois “o Exército está se associando a esse genocídio”. Essas declarações constam da denúncia em Haia.

Sylvia Steiner, com sua experiência de mais de uma década como juíza do TPI, embora seja cética em relação à denúncia dos professionais da saúde, crê que, em tese, uma denúncia anterior protocolada contra Bolsonaro, por genocídio contra indígenas pelo governo, teria mais chances de prosperar para uma investigação, dado o elemento da etnicidade em relação aos povos indígenas.

Mesmo com as eventuais fragilidades jurídicas das denúncias contra Bolsonaro, elas constituem fatos políticos internacionais de enorme relevância para impactar negativamente a imagem e a credibilidade do governo perante a comunidade internacional. Tanto os investidores externos, cada vez mais preocupados com a sustentabilidade ambiental, quanto as agências de financiamento para o desenvolvimento, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, podem vir a ser compelidas a retirar ou suspender seus investimentos diante do conjunto amplo das denúncias que, se bem podem não avançar como argumentos jurídicos, aumentam e agravam a fissura na reputação internacional do governo de Bolsonaro.      

     

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