O ministro fugiu para os EUA ou foi encontrar os amigos da trupe?

Por Ana Paula Fonseca Teixeira, Bruno Domingues, Gabriel Soprijo, Tatiana Berringer

Apesar de aprovado na indicação para uma diretoria do Banco Mundial, as circunstâncias que cercam a viagem de Abraham Weintraub e sua entrada nos Estados Unidos ainda não são claras. A controvérsia segue como marca de distinção do ex-ministro

Abraham Weintraub, polêmico ex-ministro da Educação do governo Bolsonaro, alinhado à ala olavista, anunciou em 18 de junho de 2020 que deixaria o cargo no MEC e iria para o Banco Mundial (BM). Dois dias depois, no dia 20 de junho, ele chegou aos Estados Unidos, local da sede do Banco, mesmo com a restrição de entrada de brasileiros nos EUA estando em pleno vigor. Por esse motivo, a emissão de visto e a entrada dele nos Estados Unidos tem sido investigada pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU).

Os indícios são de que ele teria usado o passaporte diplomático concedido à ministros e chefes de governo, sem estar em exercício do cargo. Além disso, o anúncio da saída do cargo do MEC foi feito após declarações preconceituosas em relação à China e ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) que acabaram gerando processos contra o então ministro. Por isso, a viagem aos EUA, motivada por assumir o cargo na instituição internacional, pode também ser vista como uma medida de trapaça e fuga da Justiça brasileira, além de reforçar os vínculos do grupo mais ligado ao presidente com o governo Trump.

Por meio de um vídeo no YouTube, intitulado “Palavras do coração”, o ex-ministro afirmou que estava deixando o MEC e indo para o Banco Mundial. Não se pronunciou sobre os motivos de sua saída, mas pontuou que iria continuar lutando pela “liberdade” de outra maneira.

Durante a reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020 Weintraub disse: “Eu, por mim, colocava esses vagabundos todos na cadeia. Começando pelo STF”. E no dia  14 de junho de 2020, em um ato coordenado por um grupo  bolsonarista,  voltou a se declarar contra o STF, “Eu já falei qual é a minha opinião, o que eu faria com os vagabundos”. No dia 15 de junho, Supremo Tribunal aprovou a permanência do nome de Weintraub no inquérito das fake news.

Indicação e controvérsias

A indicação para o BM veio do ministro da Economia, Paulo Guedes, para a cadeira de diretoria do grupo Constituency, liderado pelo Brasil, que representa Colômbia, Equador, Trinidad e Tobago, Filipinas, Suriname, Haiti, República Dominicana e Panamá, e teve repercussões divergentes. O ministro da Economia destacava a experiência no ramo bancário de Weintraub, que foi economista-chefe e diretor do Banco Votorantim. Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, ironizou que foi durante seu período de economista-chefe que o banco Votorantim quebrou. Além disso, a Associação de Funcionários do Banco Mundial pediu que o Comitê de Ética recomendasse ao Conselho do Banco uma revisão da candidatura devido a comentários de Weintraub durante seu período no governo. A alegação é que o comportamento em relação à China e ao STF mancharia a reputação do banco e iria contra seu Código de Conduta. O ex-ministro afirmou que a China estaria utilizando a pandemia para beneficiar-se e, durante essa insinuação, imitou o modo de falar do personagem do gibi infantil Cebolinha, da turma da Mônica, com tom de zombaria. A embaixada chinesa no Brasil manifestou-se em resposta, ressaltando o cunho xenofóbico, racista e difamatório do pronunciamento, além de demandar um pedido de retratação. Weintraub virou alvo de inquérito do Supremo Tribunal Federal por racismo, e chegou a deletar o seu primeiro comentário. Logo voltou ao centro das controvérsias quando “zombou” da parceria feita entre o Instituto Butantã e o laboratório chinês Sinovac Biotech, anunciado pelo governador João Doria para produzir vacinas contra o coronavírus.

Em reposta dada a partir de uma solicitação garantida pela Lei de Acesso à Informação (LAI), o Itamaraty informou que no dia 17 de junho, o então ministro da Educação havia enviado ao ministro Ernesto Araújo uma carta solicitando “os bons ofícios do Ministério das Relações Exteriores (MRE) para requerer visto de entrada nos Estados Unidos” para poder assumir o cargo no BM, indicando a intenção de ir aos EUA “com a brevidade possível”. Assim, o MRE repassou a nota à Embaixada dos Estados Unidos em Brasília solicitando a emissão de visto correspondente ao ex-ministro para missão no restante do ano de 2020. Segundo o MRE, o procedimento é habitual em casos de designação de representantes do governo brasileiro junto a organismos internacionais, e que teriam sido utilizados os dados do passaporte diplomático de Abraham Weintraub, concedido a ele devido ao cargo como ministro e que, em tese, não teria mais vigência.

Restrição na pandemia

A restrição da entrada de brasileiros nos EUA teve início em maio e não inclui certas categorias como “diplomatas, funcionários governamentais e funcionários de organizações internacionais que se encontram em visita temporária aos Estados Unidos da América para fins governamentais”. Weintraub, porém, não atuava como funcionário do Estado brasileiro e nem de organização internacional no dia que chegou aos Estados Unidos. Sua exoneração do cargo no Ministério da Educação foi oficializada naquele dia 20, e em uma retificação indica-se que a mesma entrou em vigor no dia 19 de junho.

Ocupando agora um cargo em uma organização internacional após 40 dias de sua chegada aos Estados Unidos, o ex-ministro elegeu-se diretor-executivo no conselho administrativo no Banco Mundial. Sua aprovação, já era esperada devido ao Brasil ter maior poder de voto no grupo. Contudo, o Banco decidiu não divulgar como cada país votou, para preservar a integridade da eleição. Seu mandato tem vigor até 31 de outubro, e depois precisará ser renovado, o que necessita de uma nova indicação do Brasil e aprovação do grupo Constituency.

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