Por Luís Gustavo Branco, Pedro Lagosta e Diego Azzi
O acordo comercial passa a ser alvo de novas críticas e discussões, devido às ações do governo Bolsonaro em torno da preservação do meio ambiente e da violação dos direitos humanos.
Desde a sua assinatura em junho de 2019, as dificuldades na ratificação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul vêm sendo alvo de intensos debates, principalmente por conta das ações preocupantes do governo de Jair Bolsonaro no que tange aos direitos humanos e o meio ambiente. Nesse sentido, entidades da UE entraram com uma queixa formal diante da Comissão Europeia para que o tratado seja anulado, apontando que as negociações ocorreram sem uma análise aprofundada dos possíveis impactos de sua implementação, como impactos sociais, ambientais e dos direitos humanos. Como apresentam as entidades responsáveis pela queixa, o único relatório sobre o desempenho ambiental do Mercosul se refere ao ano de 2016. Assim, não há dados atualizados sobre a presente situação, a qual vem piorando com as medidas tomadas pela atual gestão brasileira.
Da mesma forma, Angela Merkel, que assumiu a presidência temporária da UE, vem sendo pressionada por entidades ambientalistas e de direitos humanos para que não assine o acordo, sendo que a aproximação das relações com o Mercosul foi colocada como uma das prioridades da chancelaria alemã para o ano.
Para que o acordo seja ratificado, é necessária a aprovação dos 27 países membros da UE, porém, nota-se que os movimentos brasileiros vão contra os objetivos de alguns países do bloco europeu, como é o caso da França, que se voltou para as causas ambientais, prometendo 15 bilhões de euros para adaptar sua economia às demandas ecológicas, utilizando-se dessa perspectiva como proposta para as eleições de 2022.
Frente contra o acordo
O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia passa a ser alvo de novas críticas e discussões, devido às ações do governo Bolsonaro em torno da preservação do meio ambiente e da violação dos direitos humanos. Isso tem levado a que instituições e governos europeus tomem frente na mobilização contra a aprovação do acordo, questionando a forma como se deu a negociação entre os dois blocos econômicos e obstaculizando a ratificação do mesmo.
Já o Parlamento holandês aprovou, no dia 3 de Junho, uma moção contra a ratificação do acordo, argumentando não serem garantidas a preservação da Amazônia e a diferença entre o padrão da agricultura brasileira e a europeia, que causaria uma concorrência desleal entre os agricultores. Esse posicionamento também foi colocado por outros países, como a Bélgica, a qual votou contra o acordo em fevereiro deste ano e a Áustria, que o recusou ano passado, além de ocorrerem discussões em outros parlamentos na Europa, os quais demonstram resistência para a aprovação.
Outro impasse para que as negociações continuem a ocorrer vêm do governo de Emmanuel Macron. Este, que já havia tecido críticas ao acordo devido às ações do governo Bolsonaro no ano passado, voltou a reforçar as questões ambientais após a vitória de partidos verdes nas eleições municipais da França. Desta forma, no dia 29 de junho, o presidente francês apresentou um grande foco nas questões ambientais e anunciou que estão interrompidas as negociações com o Mercosul, além de assumir a responsabilidade de aplicar mais de 15 bilhões de euros em políticas e projetos de preservação ambiental.
Falta de informações
Além dos governos europeus, cinco ONGs apresentaram um queixa em Bruxelas, pedindo a suspenção da ratificação do acordo. Em sua carta direcionada aos Estados membros da União Europeia (texto original aqui), as instituições criticam a forma como se deram as negociações do acordo, apontando que não houve informações suficientes para se tomar conhecimento dos impactos sobre o desmatamento, uso de pesticidas e proteção de povos indígenas. Apontam também que os dados utilizados não levaram em conta os novos impactos ambientais que ocorreram após a assinatura do texto.
Essas críticas chegam a causar impacto na presidência da União Europeia, que será comandada por Angela Merkel entre 1 de julho e 31 de dezembro de 2020. Seu foco na presidência é em investir no avanço de acordos bilaterais como forma de manter os investimentos, voltados para negociações com a China, os Estados Unidos e o Mercosul. Isso ocorre em conjunto com Portugal e Eslovénia, os próximos a tomar lugar na presidência da UE, tendo sido assinado uma declaração entre os três afirmando seu compromisso em combater os desafios europeus.
Contudo, as negociações com o Mercosul não irão ocorrer de forma tão simples, visto a oposição que se tem formado pela agenda ambiental e por Estados Europeus. A questão ambiental será testada dentro da UE, visto as controvérsias existentes dentro do acordo com o Mercosul e as vontades alemãs dentro da presidência da EU, sendo necessário observar qual das prioridades terá maior peso nas negociações.
Ameaças à Amazônia
Toda essa discussão e oposição ao acordo ocorre em um momento onde se observa uma crescimento de atividades que ameaçam a Amazônia e o meio ambiente brasileiro. Em junho, o desmatamento completou 13 meses consecutivos de aumento, resultando em um pico em maio, com um acréscimo de 12% ao se comparar com o mesmo mês de 2019, com um total de 829km² desmatados. De agosto de 2019 a julho de 2020 houve um aumento de 34% no desmatamento em relação ao período de 12 meses anteriores, de agosto de 2018 a julho de 2019.
Durante a última cúpula do Mercosul, o presidente Jair Bolsonaro também se posicionou sobre as críticas, afirmando que essas “visões” são “distorcidas”. A solução por ele buscada é a conversa com diferentes interlocutores e enfatizou que o acordo com a União Europeia deve prosseguir. No entanto, é cada vez mais evidente que o objetivo de Bolsonaro e seu governo para a Amazônia é a exploração extrativista, oportunidade de negócios que o presidente já ofereceu aos EUA e ao Japão, além de, numa cena inusitada, tentar vender a ideia ao ex-vice presidente dos EUA e ativista ambiental, Al Gore durante o Fórum Econômico Mundial.
A opinião pública internacional tem clareza a respeito do descompromisso ambiental do Brasil de Bolsonaro e a degradação da imagem do país no exterior avança no ritmo das queimadas.
Até Bolsonaro assumir, o meio ambiente não era uma flanco tão vulnerável da política externa brasileira como tem se caracterizado atualmente e o Brasil era tido como um parceiro na construção de soluções de desenvolvimento susutentável. A postura ambiental retrógrada do atual governo será um forte teste para as convicções ambientais de parceiros importantes, como a Alemanha e a França, que poderão alegar insustentabilidade ambiental para renegociar o acordo com o Mercosul. Para alguns analistas, a conjuntura eleitoral na UE estaria levando líderes como Merkel a tomarem posicionamentos ambientalistas meramente retóriocos, em busca de votos. Por outro lado, já há aqueles que apontam que o acordo está fadado a uma morte silenciosa.
Não menos importante, a disputa presidencial pelas eleições de novembro nos EUA também está atravessada pela questão do modelo de desenvolvimento e da proteção ambiental. No caso de vitória do democrata Joe Biden, as parcerias extrativistas na Amazônia e o acordo de livre comercio que hoje está sendo costurado por Brasília e Washington podem se ver ameaçados, ao menos no seu formato atual (veja nesta edição dois artigos sobre o tema). Será preciso analisar, num futuro próximo, se as generosas oportunidades de negócios pesaram mais do que a retórica ambientalista ou se o governo Bolsonaro terá conseguido mobilizar as principais potências mundiais contra o seu elogio à devastação.