Por Maryanna Sagio Alves e Kethelyn Santos
Fluxo comercial com o continente, que perdeu impulso nos últimos seis anos, retrocede diante da crise brasileira e da disseminação do novo coronavírus
Desde meados de 2014, o fluxo comercial do Brasil com o continente africano tem recuado, contrastando com o progresso feito desde a década de 1990 e aprofundado durante os governos de Lula e Dilma. De acordo com os dados Secretaria de Comércio Exterior (Secex), entre 2003 e 2010, o fluxo comercial entre Brasil e África saiu do patamar de US$ 6,138 bilhões para US$ 20,564 bilhões. Um aumento precedido por outro, pois de 1996 a 2002, houve um aumento de 43% deste fluxo. Entretanto, desde a recente crise econômica e política brasileira, o país parece se conformar com um caminho que o afasta das relações afro-brasileiras antes cultivadas, o que reflete diretamente nas relações comerciais. Tal cenário de enfraquecimento comercial é ainda mais acentuado em 2020, devido à crise pandêmica.
Figura 1 – Fluxo Comercial anual Brasil – África. Fonte: Ipeadata, 2020
Segundo a Secex, de janeiro a maio de 2020, as exportações brasileiras para os países africanos caíram 39% para US$ 2,807 bilhões. E a retração nas exportações africanas foi ainda maior, despencando 33,7%, somando pouco mais de US$ 1,555 bilhão. Se comparado aos cinco primeiros meses do ano passado, o volume de troca bilaterais recuou 17,1%, somando US$ 4,372 bilhões.
Mesmo os países que mais tinham força na parceria comercial com o Brasil perderam fôlego, principalmente neste ano. A Nigéria, por exemplo, desde os anos 2000 era um dos maiores exportadores de petróleo para o Brasil e importadora de vários produtos brasileiros. Em 2013 o Brasil chegou a registrar US$ 876 milhões em exportações enquanto as vendas nigerianas atingiram o maior patamar da história do intercâmbio bilateral, com o montante recorde de US$ 9,648 bilhões. O valor FOB indica o preço da mercadoria em dólares americanos sob o Incoterm FOB (Free on Board), modalidade na qual o exportador é responsável por embarcar a mercadoria enquanto o importador assume o pagamento do frete, seguros e demais custos pós embarque. Logo, o valor informado da mercadoria expressa o valor exclusivamente da mercadoria.
Nos cinco primeiros meses de 2020, as exportações para a Nigéria tiveram uma pequena alta de 10,5% e somaram US$ 218 milhões. Em contrapartida, as vendas nigerianas ao Brasil recuaram 37,2%, com uma receita de US$ 250 milhões. Com esses números a Nigéria, que já chegou a estar entre os cinco principais parceiros comerciais do Brasil, ocupa atualmente a 47ª posição no ranking das exportações brasileiras e a 44ª posição na lista dos importadores brasileiros.
Angola é outro parceiro africano que teve seu comércio bilateral drasticamente reduzido com o Brasil. Em 2008 foram registrados números recordes nas trocas entre os dois países, com exportações brasileiras no total de US$ 1,964 bilhão, e vendas angolanas no valor de US$ 2,231 bilhões. Naquele ano, o fluxo de comércio entre Brasil e Nigéria totalizou US$ 4,195 bilhões.
Em contraste, no ano de 2019, o intercâmbio bilateral somou apenas US$ 585 milhões e de janeiro a maio, as exportações brasileiras ficaram em torno de US$ 146 milhões e as venda angolanas somaram apenas US$ 99 milhões.
Mercosul não impulsiona comércio
Mais um exemplo do enfraquecimento entre as relações comerciais entre Brasil e África são os resultados do acordo comercial entre Mercosul e SACU (União Aduaneira da África Austral liderada pela África do Sul). Quatro anos depois de sua entrada em vigor, o acordo não impulsionou o comércio entre o Brasil e a África do Sul, o maior parceiro comercial nesse tratado. Ao contrário, os números mostram que as exportações brasileiras para a África do Sul no universo dos produtos negociados no acordo caíram de US$ 200 milhões para US$ 100 milhões no período analisado. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), os dados revelam ainda que quase 90% das exportações do Brasil para a África do Sul estão fora desse tratado e além disso, quando se considera o total de produtos abrangidos pelo acordo, 51% deles simplesmente não são vendidos pela indústria brasileira para a África do Sul. O diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Eduardo Abijaodi, explica que o tratado prevê a ampliação de sua cobertura após três anos de sua entrada em vigor, o que já pode ser feito agora. A indústria brasileira defende não apenas a ampliação da cobertura tanto no que diz respeito a produtos quanto a suas regras. Um caminho a ser tomado, pode ser a negociação de um acordo de livre comércio entre os dois blocos.
Aumento da presença chinesa
Sem uma estratégia ambiciosa para as relações comerciais com os africanos, o Brasil abre espaço para que outros países se destaquem nas negociações, principalmente a China, que tem se mostrado disposta a realizar investimentos e parcerias estratégicas no continente.
Durante a última década, a China se transformou no principal parceiro comercial do continente africano, à frente dos Estados Unidos e da França, fornecendo bilhões de dólares aos países do continente para a construção de grandes projetos de infraestrutura em troca de recursos minerais. Sendo assim, a China é a maior investidora em volume de capital e criação de postos de trabalho, bem como a maior credora com números que beiram os 145 bilhões de dólares. No entanto, a China vem planejando diversificar o escopo das suas relações com África com parcerias e iniciativas em outras áreas como a da saúde, que se traduz, por exemplo, no apoio chinês ao diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, o etíope Tedros Adhanom.
No final de julho foi assinado um protocolo para a construção da sede do Centro de Controle de Doenças da União Africana, que seria custeado pelos chineses em cerca de 80 milhões de dólares, com a justificativa de auxiliar no combate a epidemias no continente, argumento agora reforçado em função da pandemia de covid-19. A iniciativa de construir o CDC desagradou o governo de Donald Trump, que afirmou através de um diplomata norte-americano que a China desrespeitou pactos de cooperação entre EUA e África na área de saúde para financiar o prédio, além de ameaçar cortarem a cooperação técnica com o CDC caso a sede seja construída pela China. O argumento de Washington é que o prédio poderá ser usado pela China para espionagem, no entanto o que está implícito é uma retórica que busca combater a influência da China no continente, uma vez que em plena guerra comercial, as exportações chinesas cresceram 7,9% no mercado africano. Já as norte-americanas caíram um terço desde 2014.