Por Ana Paula Fonseca Teixeira, Bruno Domingues, Gabriel Soprijo e Tatiana Berringer
Visita de Mike Pompeo a Roraima e comportamento de Ernesto Araújo suscitam críticas sobre ingerência em assuntos internos de outros países e subserviência do governo brasileiro aos Estados Unidos
Entre os dias 18 e 24 de setembro de 2020 uma série de eventos tornaram explícita que a relação entre os governos Bolsonaro e Trump têm um sentido estratégico na América do Sul: a guerra contra a Venezuela. Ainda que essa orientação já tenha ficado clara na fala do presidente do Brasil no Fórum de Davos, em 23 de janeiro de 2019, a visita do secretários de Estados dos Estados Unidos, Marke Pompeo à Operação Acolhida, no dia 18 de setembro, o pronunciamento Jair Bolsonaro na 75ª Assembléia da ONU no dia 22, e a participação do Ministro Ernesto Araújo no evento realizado pela FUNAG e FIEMG e na Sessão Especial do Senado podem ser vistas como atos da demonstração dessa aliança ofensiva contra o governo de Nicolás Maduro.
Em Roraima, sede da Operação Acolhida, Mike Pompeo, acompanhado por Ernesto Araújo, reafirmou a aliança e cooperação entre os dois Estados contra a Venezuela, e disse que o povo venezuelano está em ameaça pelo governo de Nicolás Maduro e precisa do apoio do Brasil e dos Estados Unidos. Ambos fizeram declarações contra o governo venezuelano, teceram duras críticas ao governo de Nicolás Maduro, chegando a chamá-lo de traficante de drogas.
Disputa pelo voto latino
A visita de Pompeo aconteceu no meio da disputa eleitoral nos Estados Unidos, e de lá ele seguiu para três outros países que fazem fronteira com a Venezuela. Foram visitados Suriname, Colômbia e Guiana, e em todos eles, o discurso criticando o atual governo venezuelano esteve presente. Sendo assim, essa crítica ao governo Maduro, a menos de 40 dias das eleições dos Estados Unidos, também pode ser compreendida como uma manobra para conquistar votos de imigrantes latinos, principalmente venezuelanos, que atualmente residem na Flórida, território eleitoral onde o embate entre republicanos e democratas é acirrado e pode decidir quem será o próximo presidente dos Estados Unidos.
No discurso virtual da Assembleia Geral da ONU, dada a pandemia da Covid-19, Bolsonaro fez referência ao desastre ambiental e às críticas que vêm sofrendo em relação à política de desmatamento da Amazônia e das queimadas no Pantanal. O presidente afirmou que o derramamento de petróleo na costa brasileira em julho de 2019, cuja a origem ainda é desconhecida, teria sido causado por “um criminoso derramamento de óleo venezuelano”. A investigação da origem do óleo segue sendo realizada pela Marinha do Brasil e pela Polícia Federal, mas sem apontamentos de responsabilização oficiais. A classificação de “ato criminoso” e da suposta culpabilização venezuelana do caso, são, portanto, somente afirmações levianas que compõem o conjunto de ações dessa semana de setembro de 2020.
Neste mesmo dia 22, o ministro Ernesto Araújo participou de um evento da FUNAG com a FIEMG aonde expôs que a política externa do governo Bolsonaro se assentava em quatro eixos: abertura comercial, valores, democracia e soberania. Sobre os dois últimos, analisou a articulação entre eles no que tange à segurança e defesa regional, dizendo que o foco é o combate ao crime transnacional, especialmente, ao narcotráfico, e aos regimes como o de Nicolás Maduro, que atentam contra a democracia e ameaçam a soberania nacional.
Acusações sem provas
Para encerrar esse ciclo, no dia 24 de setembro, Ernesto Araújo participou da Reunião da Comissão de Relações Exteriores do Senado para dar explicações sobre a visita de Mike Pompeo. O ministro pontuou que a visita de Mike Pompeu não teria qualquer relação, com as eleições que aconteceram em novembro nos EUA, uma vez que existe um consenso por parte dos republicanos e democratas, sobre o posicionamento perante a Venezuela. Além disso afirmou que o encontro partiu de uma iniciativa própria do secretário estadunidense e diz que os EUA já investirammais de US$ 64 milhões na Operação Acolhida e são um dos maiores financiadores da ACNUR e OIM, o que faria sentido a visita em Roraima. Araujo disse ainda que, após a visita, aconteceu uma reunião bilateral entre os dois e que chegaram a conversar sobre a situação da Venezuela.
Em sua fala na Comissão comparou Nicolás Maduro a um ‘narcotraficante’, além de afirmar não reconhecê-lo como presidente, apenas Juan Guaidó, se referiu ao atual governo venezuelano como um “bando de facínoras” e que promove violação dos Direitos Humanos. Ernesto chegou a mencionar que aproximação do Brasil é com os EUA, não com o Trump, e que mesmo que Joe Biden vença as eleições, a relação será mantida. Pontuou ainda que os EUA podem ajudar a fazer do Brasil um país melhor, cumprir a Constituição, a Declaração de Direitos Humanos, de Independência e outros objetivos. Durante toda a reunião aconteceram críticas severas ao governo de Maduro. Quando questionado sobre 1964, o chanceler evitou julgar a ditadura brasileira e pontuou que o entendimento de ter sido um golpe ou não depende da definição usada. Além disso mencionou que Eduardo Bolsonaro teria condições plenas para ser embaixador nos EUA.
Bandeira brasileira
As falas do Chanceler foram criticadas pela bancada oposicionista. O Senador Telmário Mota (Pros-RR) comentou sobre o fechamento das fronteiras com a Venezuela, quando não havia a Pandemia e pontuou que após a reabertura o PIB de de Roraima, em 2019, foi de 4,1%, acima da média nacional de 1,1%. O parlamentar chegou a mencionar que as explicações dadas foram apenas para “inglês ver” e afirmou que as ações do governo brasileiro e estadunidense “não estão resolvendo nada”. Por fim, satirizou a servidão brasileira em relação ao governo estadunidense, entregando uma bandeira do Brasil à Ernesto Araújo, afirmando ser essa a que deveríamos abraçar, não a dos EUA. A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), por sua vez, questionou a fala de que o Brasil seria solidário com o povo venezuelano devido a Operação Acolhida, e pediu para o Chanceler comentar a portaria 419 de 2020, que determina deportação imediata e responsabiliza criminalmente os migrantes. Já o senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou achar estranho o motivo da visita ser pauta de Direitos Humanos, uma vez que o Brasil não se posicionou frente ao golpe na Bolívia e do massacre dos camponeses. Jaques Wagner (PT-BA) criticou a postura de governos estrangeiros serem “tutores” de outras nações e rebateu a ideia de combate ao narcotráfico por parte do Brasil e EUA na Venezuela.
Essa questão, apesar de polêmica e de não ser consensual no interior do governo, parece avançar, demonstrando as novas formas de golpes e guerras. E colocando o Estado brasileiro em uma posição de forte envergadura. Vale lembrar que é a primeira vez que o Estado brasileiro cedera o seu território para uma ação de intervenção externa na região, o que sinaliza uma grande inflexão na história da política externa brasileira.