Por Pedro Mendes, Sara Aparecida de Paula e Yamila Goldfarb
Diversos países europeus parecem ter clareza que o governo brasileiro não quer e não tem condições de garantir uma agenda de desenvolvimento compatível com a sustentabilidade ambiental. Não à toa, parcela do agronegócio exportador brasileiro tem se manifestado contra às políticas que incentivam às queimadas e facilitam a legalização de terras irregulares.
Desde meados de agosto de 2020, os meios de comunicação brasileiros têm repercutido as queimadas que atingem as regiões do Pantanal e da Amazônia. Note-se que o Pantanal, maior área úmida continental do planeta, está enfrentando problemas de seca, desmatamento e queimadas. Esses elementos são resultado das mudanças ambientais globais, em que a exploração dos biomas é cada vez mais invasiva, haja visto o avanço das fronteiras agropecuárias. Tais problemas são acentuados devido à diminuição de políticas de fiscalização e de proteção nos últimos tempos.
Além de impactos físico-naturais, como a diminuição do fluxo de chuvas, do nível de água dos rios e redução drástica do habitat de diversas espécies, essas queimadas representam uma crise social, já que são causadas e acentuadas por incêndios criminosos. Um estudo do Instituto Centro de Vida (ICV) mostra que os incêndios que destruíram 117 mil hectares no Pantanal de Mato Grosso começaram em cinco fazendas localizadas em Poconé, a 104 km de Cuiabá.
Uma das hipóteses que ajudam a compreender as causas dos incêndios é revogação do Decreto de Zoneamento Agroecológico da cana de açúcar, feita pelo presidente Jair Bolsonaro em novembro de 2019. Com isso, abriram-se as possibilidades de plantio de cana em regiões que antes possuíam restrições para tal, como é o caso do Pantanal. O fogo serve para destruir a vegetação nativa e, uma vez a área sendo considerada degradada, é mais simples obter a aprovação para o plantio de pastagens que servirão à pecuária, ou de cana de açúcar, por exemplo.
Incêndios propositais
No caso das queimadas na Amazônia, há também conexão com incêndios propositais, sobretudo em áreas já desmatadas e por isso vulneráveis. Carlos Nobre, cientista do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), afirma que a grande maioria é área queimada pela expansão de grandes propriedades, ou seja, para garantir a expansão da agropecuária sobre áreas preservadas de vegetação nativa, áreas de conservação e inclusive sobre terras indígenas.
A situação interna brasileira reproduz uma imagem externa extremamente negativa, já que não só o meio ambiente está sendo consumido pelas chamas, mas também a vida da população local bem como do próprio planeta que vem sendo afetada numa escala progressiva.
No dia 15 de Setembro, uma carta de 8 embaixadores europeus foi enviada ao vice-presidente Mourão dizendo que o desmatamento dificulta a compra de produtos brasileiros por consumidores europeus, cada vez mais preocupados em buscar cadeias de suprimentos não vinculadas aos processos de desflorestamento.
O grupo de países que assina a carta lembra do sucesso da série de medidas tomadas anteriormente, como o Código Florestal Brasileiro e a moratória da soja na Amazônia, e destaca a importância do fortalecimento de órgãos de fiscalização e controle, atacados sistematicamente pelo atual governo.
Como era de se esperar, em seu discurso na 75ª Assembléia Geral da ONU, o presidente Bolsonaro tratou de minimizar os problemas ambientais que o país enfrenta. Para tanto, utilizou-se de uma série de mentiras acerca das políticas de preservação ambiental no Brasil checadas por diversos meios de comunicação, como por exemplo, a afirmação de que o Brasil é líder na conservação de florestas tropicais e que as florestas tropicais, por serem úmidas, não permitem a propagação de fogo. Para coroar seu discurso, culpou os povos indígenas pelas queimadas e assegurou que o governo está combatendo os incêndios “com rigor e determinação”.
Tais falas repercutiram negativamente não só em ONGs nacionais e internacionais, mas também em importantes meios de comunicação como a agência Bloomberg, que publicou gráficos sobre a explosão de queimadas na Amazônia após a posse de Bolsonaro. Essa imagem resulta em uma situação conflituosa no que diz respeito às relações políticas, econômicas e comerciais do Brasil com a comunidade internacional.
Acordo em risco
O Mercosul e a União Europeia estão há vinte anos desenhando um acordo comercial, que está em risco face à política ambiental brasileira. O Governo da França tem se mostrado contrário ao acordo, já que o impacto ambiental produzido pelo desmatamento, como a perda de biodiversidade e as queimadas, não são coerentes com os compromissos ambientais adotados pelo país.
Ainda na contramão da assinatura do acordo, está o estudo encomendado pela França que afirma a possibilidade do aceleramento do desmatamento caso o Acordo UE-Mercosul entre em vigor. O estudo ainda afirma que o acordo não prevê mecanismos suficientes para assegurar o combate às mudanças climáticas e proteção da biodiversidade. Segundo o Estudo o acordo de livre-comércio estimularia a produção bovina destinada à EU, o que poderia gerar um aumento de 5% ano ano no ritmo de desmatamento. Em seis anos, a destruição poderia alcançar 700 mil hectares. O relatório estima que entre 4,7 e 6,8 milhões de toneladas equivalentes de CO2 seriam geradas pelo acordo. Os especialistas ainda questionam se os “ganhos econômicos” do pacto superam “os custos climáticos”, com base em um valor de carbono de 250 euros por tonelada.
Agrotóxicos proibidos
Soma-se às críticas sobre o Acordo, a preocupação com a própria saúde dos europeus, já que diversos agrotóxicos proibidos na Europa pelo seu teor de toxicidade, são permitidos no Brasil. Muitos deles, inclusive são produzidos por empresas europeias. O governo de Jair Bolsonaro é campeão na liberação de novos ativos de agrotóxicos no Brasil, tendo superado os números do governo Temer, que já foram maiores dos que toda a década anterior.
Além da oposição francesa, outros três parlamentos na Europa (Áustria, Holanda e o da região da Valônia, na Bélgica) já anunciaram que não darão seu aval ao acordo. O governo da Irlanda também já se manifestou nesse sentido.
Diversos países europeus parecem ter clareza que o governo brasileiro não quer e não tem condições de garantir uma agenda de desenvolvimento compatível com a sustentabilidade ambiental, ou com o próprio Green Deal europeu. Não à toa, parcela do agronegócio exportador brasileiro tem se manifestado contra às políticas que incentivam às queimadas e facilitam a legalização de terras irregulares. Racha inédito no Brasil só se explica porque alguns entendem a importância que o Green Deal terá para as exportações do setor. Resta saber se isso servirá de fato como pressão sobre o governo brasileiro ou não. Por hora parece que não.