As incertezas com relação aos investimentos chineses no Brasil

Por Bruna Belasques, Bruno Castro, Gabriel Carneiro, Rafael Abrão, Vitor Hugo dos Santos e Ana Tereza Marra

Alinhamento da política externa brasileira aos EUA causa tensões e incertezas sobre futuro dos intercâmbios comerciais e financeiros com país asiático.

Em 2009, China se tornou a maior parceira comercial brasileira, e a partir da década de 2010, uma importante origem de Investimento Direto Externo (IDE). No primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (que durante a campanha havia acusado a China de querer comprar o Brasil), os investimentos chineses cresceram em meio ao apaziguamento que caracterizou as relações bilaterais. Contudo, 2020 tem sido marcado por incertezas com relação a esses investimentos. A pandemia e a possibilidade de aprofundamento do alinhamento entre o Brasil e os Estados Unidos (EUA) têm sido os fatores que originam tal incerteza.

Histórico do IDE chinês no Brasil

O IDE chinês no Brasil é relativamente recente. De acordo com o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), o valor estimado de investimentos chineses no Brasil entre 2007 à 2018, levando em consideração os projetos confirmados, foi de US$ 58 bilhões. De forma geral, segundo informações do Ministério da Economia, entre 2003 e o terceiro trimestre de 2019, os investimentos chineses representaram 30,9% de todos os investimentos recebidos pelo país, atrás apenas dos EUA (com 31,25%).

Os fluxos dos investimentos chineses são multifacetados e se mostram presentes em distintos projetos em solo brasileiro, podendo esta expansão ser dividida em cinco fases:

  • Na primeira fase, que corresponde a primeira década de 2000, os investimentos chineses foram bastante tímidos, passando a ganhar maior presença em 2010, vinculados principalmente ao setor de extração de commodities, como no caso da aquisição de 40% da Repsol Brasil pela petrolífera chinesa Sinopec, no valor de US$ 7,1 bilhões;
  • A segunda fase, que vai de 2011 a 2013, tiveram como principal destino o ramo industrial, como montadoras de máquinas e veículos, a exemplo da entrada da Sany e Chery no país em busca por novos mercados consumidores; 
  • A terceira fase, que engloba especialmente o ano de 2013, conta com a proeminência dos investimentos no setor de serviços, em especial no setor financeiro, destacando-se a aquisição de 73,96% do BicBanco pela China Construction Bank no valor de US$ 810 milhões. 
  • Entre 2014 e 2018, destaca-se a quarta fase, em que os investimentos em ramos como o de energia, tecnologia, infraestrutura e extrativismo passaram a ganhar maior destaque, com presença em projetos de construção (em especial consórcios) e aquisições de ações por gigantes chinesas do setor elétrico, como State Grid, China Three Gorges e BYD;
  • Por fim, a partir de 2018 os capitais chineses passaram a se direcionar ao ramo de tecnologia, como no caso da aquisição da 99 Táxi pela chinesa Didi Chuxing, no valor de aproximadamente US$ 600 milhões, além de um investimento de US$ 90 milhões para a fintech Nubank pela gigante chinesa Tencent.

 

A despeito dos investimentos chineses se manifestarem em diferentes setores do país, o setor elétrico brasileiro corresponde ao maior destino do estoque de investimentos chineses para o Brasil, em torno de 43%, seguidos pelo setor de extração de petróleo e gás, que corresponde a 28% do total. 

Em novembro de 2019, a China colocou à disposição do Brasil US$ 100 bilhões por meio de fundos. Contudo, na prática, promessas de financiamentos anteriores ainda precisam se concretizar, uma vez que ainda estão travados recursos de US$ 20 bi do Fundo Brasil-China de Cooperação para Expansão da Capacidade Produtiva. Em 2020, a pandemia e a possibilidade de se aprofundar o alinhamento do Brasil com os EUA têm sido os fatores que criaram incertezas com relação aos investimentos chineses, como veremos a seguir.

Fluxos de Investimentos em 2020

No início de 2020, a imprensa brasileira noticiou que, após a China reduzir a velocidade dos investimentos em meio às incertezas do cenário político nacional, o Brasil estava de volta à rota dos investimentos chineses”, com a perspectiva de continuidade de aquisições no setor elétrico, além de outros serviços essenciais como tratamento de água e esgoto, e projetos de infraestrutura, como construção e operação de estradas e ferrovias, que seriam ainda fortalecidos pela abertura do banco do Xuzhou Construction Machinery Group (XCMG), voltado ao financiamento de maquinários para construção civil e mineração. Destacou-se ainda o interesse em ativos da Petrobras, que tem privatizado parte de suas subsidiárias, e a expansão dos investimentos em energias renováveis. Esperava-se que o pragmatismo que havia tomado conta das relações Brasil-China em 2019 pudesse ter continuidade em 2020. Além disso, o governo do Estado de São Paulo também aguardava por uma participação agressiva da China, com cerca de R$ 20 bilhões, nas privatizações e concessões planejadas para 2020.

No entanto, como argumentamos em um texto anterior, no ano de 2020 a tentativa de promover um aprofundamento do alinhamento da política externa brasileira com os EUA causou tensões nas relações com a China. Junto a isso, o contexto de pandemia e o acirramento da disputa entre China e EUA em torno de questões tecnológicas, com destaque para o 5G, causaram mais incertezas, de forma que muito tem se especulado sobre que efeitos essas questões poderiam ter sobre o investimento chinês no país.

Barreiras ao investimernto

Em agosto de 2020, o jornalista Julio Wiziack noticiou na Folha de S. Paulo que o alinhamento do governo brasileiro aos Estados Unidos passou a resultar na criação de barreiras ao investimento chinês por meio de “travas técnicas” no setores de energia, telecomunicações e comércio. No caso, por exemplo, da usina nuclear de Angra 3, o governo brasileiro estaria tentando favorecer a americana Westinghouse em detrimento da China National Nuclear Corporation, cujas estimativas realizadas em 2017 apontam que o valor previsto para conclusão da usina é de R$ 17,5 bilhões. Além disso, continuam as preocupações sobre a participação da Huawei na construção das redes de 5G, das quais tratamos em um texto anterior.

Enquanto o Embaixador da China, Yang Wanming, declara o otimismo das empresas chinesas para os investimentos no Brasil e reafirma a intenção da China de que o país faça parte da Belt and Road Initiative (BRI), da qual o Brasil não possui um vínculo formal, o governo brasileiro aderiu em março de 2020 ao Programa América Cresce, uma iniciativa dos Estados Unidos que pode ser vista como uma tentativa de conter o crescimento dos investimentos chineses na América Latina, especialmente em infraestrutura, e se contrapor ao BRI.

Até o momento, dados compilados no Relatório de Anúncio de Investimentos (RENAI) pelo Ministério da Economia, mostram que de janeiro até maio foram anunciados cerca de US$487 milhões em investimentos chineses no Brasil, volume baixo em comparação com anos recentes – estima-se que a pandemia possa ser apontada como uma importante variável para explicar essa redução. Contudo, a profundidade do alinhamento do Brasil com os EUA pode se tornar – a depender de como for gerido – um constrangimento aos investimentos chineses, apesar do grande pragmatismo com que a China gere suas relações econômicas.

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