Na ONU, a China veste verde

Por Luís Gustavo Branco e Diego Azzi

Discursos de Brasil, EUA e China na 75a Assembleia Geral das Nações Unidas evidenciam atual liderança climática chinesa. 

Desde a eleição de Donald Trump nos EUA, as Nações Unidas tem vivido momentos constrangedores nas suas últimas Assembleias Gerais (AG), especialmente no que tange ao discurso de Chefes de Estado e de Governo. Seguindo o exemplo dos EUA de Trump, a partir de 2019 o Brasil passou aderir a ideologia do antiglobalismo e a proferir discursos contra a própria ONU. Em paralelo, ambas nações atuam no desfinanciamento das organizações multilaterais, tendo o Brasil aumentado sua dívida com o sistema ONU no período recente. É neste contexto adverso que a ONU chegou aos seus 75 anos de vida – diante da intensificação dos nacionalismos, dos protecionismos e dos conflitos interestatais. 

A crise do multilateralismo se agudiza justamente no momento histórico em que a humanidade se vê diante de dois grandes desafios globais que só podem ser enfrentados através da cooperação internacional, fundamentada em evidências científicas: a pandemia do COVID-19 e a crise ambiental-climática. 

Brasil maravilha

Em seu discurso de abertura da 75a AG, o presidente Jair Bolsonaro apresentou um país fictício ao mundo, como se na era da informação estrangeiros não soubessem o que se passa em nosso âmbito doméstico. Ignorando os números e as imagens que circulam internacionalmente, afirmou que a imprensa tem objetivo de politizar a pandemia do coronavírus e de fazer campanhas de desinformação sobre o desmatamento na Amazônia e no Pantanal para prejudicá-lo. Mesmo precisando atrair o investimento estrangeiro, Bolsonaro acusou as demais nações de possuírem interesses próprios na riqueza da Amazônia e não na proteção ambiental.

 

Trump e o vírus chinês

Donald Trump, por sua vez, utilizou seu discurso fundamentalmente para atacar a China. Como era de se esperar de um presidente em busca de reeleição, fez um discurso agressivo e confrontativo em diversos temas da agenda internacional. No que diz respeito ao coronavírus, chamado por Trump de vírus chinês, sua prioridade foi clamar pela necessidade de responsabilizar a China pela pandemia. Ao invés de apontar saídas e estratégias de cooperação internacional com a contribuição ativa dos EUA, preferiu a retórica de acusar a Organização Mundial da Saúde (OMS) de ser controlada pela China. Ainda, buscou desqualificar as iniciativas ambientais e climáticas chinesas ao afirmar que “a China não liga para o meio ambiente, só quer prejudicar os EUA”.

A China veste verde

Diante da agressividade dos EUA sobre as organizações internacionais e o sistema ONU, o Presidente chinês, Xi Jinping, buscou reafirmar o posicionamento recente da China como uma das principais defensoras da ordem liberal e multilateral do pós-II Guerra Mundial. Mais do que polarizar diretamente com Trump, a China buscou fortalecer sua imagem como promotora do desenvolvimento sustentável e da Agenda 2030 da ONU. Xi buscou estabelecer um vínculo direto entre a pandemia do COVID-19 e a necessidade de se repensar o modelo de desenvolvimento atual, o que inclui transformar a própria realidade chinesa de geração de energia, produção e consumo, uma vez que o país é hoje o maior emissor de gases de efeito estufa no planeta. Neste sentido, o ponto alto do discurso da China foi o lançamento de um ambicioso compromisso de atingir índices de neutralidade de emissão de CO2 até 2060. Resta verificar em que medida o discurso se refletirá na realidade das próximas décadas. 

Eleições nos EUA e cenário de pressão para a PEB

Apesar dos esforços da administração Trump em demonizar a China, Pequim tem se mostrado capaz de manter uma postura firme na defesa de agendas positivas e colaborativas no sistema internacional. Novembro se aproxima, e com ele as eleições presidenciais nos EUA. Caso os Democratas vençam com Joe Biden, será de se esperar certa guinada daquele país em matéria ambiental e climática. Neste cenário, governos climáticamente negacionistas e ambientalmente degradadores, como o de Jair Bolsonaro, estarão sob forte pressão. Não será surpresa se esta política externa em pratica desde 2019 resultar em condicionalidades cruzadas sobre o Brasil nas áreas de comércio e investimentos, por exemplo, a fim de direcionar o país a se adequar ao esforço de transição a uma economia de baixo carbono.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *