Por Lucas Tasquetto e Mikael Servilha
Instituição propõe uma “cláusula de paz” temporária na OMC e nos acordos de livre comércio sobre ações governamentais relacionadas ao enfrentamento à pandemia, permitindo ações de apoio à indústria doméstica e de geração de empregos em cada país.
O relatório da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) deste ano argumenta que a pandemia de Covid-19 expôs uma série de fragilidades inerentes à economia mundial e alerta para a importância de repensar o caminho que foi seguido após a crise financeira global de 2008. Segundo o documento, a experiência da última década reforçou as desigualdades e fragilidades, sob um contexto de fraca demanda agregada e crescimento fraco.
Em abril de 2020, o FMI estimou uma perda cumulativa do PIB global entre 2020 e 2021 de aproximadamente US$ 9 trilhões, com a renda per capita encolhendo em cerca de 170 países, na pior recessão desde a Grande Depressão, de 1929. A OMC previu uma queda de 9,2% no volume do comércio mundial de mercadorias em 2020, seguida de um aumento de 7,2% em 2021, estimativas ainda amplamente incertas dada a dependência em relação à evolução da pandemia e das respostas a ela. Por sua vez, a UNCTAD estimou que a economia global irá se contrair em mais de 4% em 2020, com uma oscilação estimada de 6,8 pontos percentuais, com déficit na produção global ao final do ano de mais de US$ 6 trilhões.
Crise maior que a de 2008
Os dados do primeiro semestre de 2020 mostram que a produção mundial retraiu mais do que no período 2008-2009 e, em alguns casos, apresentou queda mais acentuada que a registrada na Grande Depressão do século anterior. Para a América Latina e Caribe, a expectativa é de uma queda de 7,6% no PIB da região em 2020. O próximo ano poderá apresentar uma melhora que, porém, será lenta e desigual. Segundo a UNCTAD, os países em desenvolvimento deverão encontrar maiores dificuldades de recuperação e concentrar grande parte das perdas econômicas e sociais, na medida em que as políticas de austeridade adotadas, o alto nível de informalidade e a dependência de commodities e turismo prejudicaram as respostas à crise.
Sob a perspectiva comercial, o documento apresenta a posição de que o forte impulso em direção ao livre comércio, que continuou mesmo durante a pandemia, aprofundou as desigualdades e teria colaborado com o crescente déficit de confiança no multilateralismo. A captura da linguagem do livre comércio pelas corporações multinacionais e pelas plataformas digitais em favor de uma “integração profunda” reduziria consideravelmente o alcance regulatório e o espaço político disponível para governos eleitos democraticamente.
Nesse sentido, a UNCTAD propõe uma “cláusula de paz” temporária na OMC e nos acordos de livre comércio sobre ações governamentais relacionadas ao enfrentamento à pandemia, permitindo ações de apoio à indústria doméstica e de geração de empregos. Uma paralisação permanente também seria necessária em todos os fóruns relevantes sobre reclamações contra medidas governamentais implementadas no contexto da Covid-19, o que ajudaria a criar o espaço político necessário para apoiar os esforços de recuperação.