Governo Bolsonaro celebra acordos ainda incertos com os EUA

Por Ana Paula Fonseca Teixeira, Gabriel Soprijo, José Luís de Freitas e Tatiana Berringer

Entendimentos com representantes do governo Trump enfrentam resistência no Brasil e nos Estados Unidos e alguns de seus itens podem significar a legalização de interferências externas já ocorridas em assuntos domésticos

Nos dias 19 de outubro de 2020 o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Robert O´Brien visitou o Brasil. Na agenda estavam encontros  com membros do governo e empresários em Brasília e em São Paulo. A visita teve como mote o anúncio da celebração de três acordos bilaterais, contidos na chamada “Agenda da Prosperidade” que teria começado a ser negociada no início de 2019 quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência. Os acordos se colocam na área comercial e política e podem indicar muito sobre o tipo de aliança entre os dois governos. As negociações versam sobre facilitação de comércio, boas práticas regulatórias e medidas anticorrupção. 

Em meio ao pior índice da relação comercial Brasil-Estados Unidos dos últimos 11 anos, que teve queda de mais de 25% em 2020, em função dos efeitos da pandemia do coronavírus, os acordos também foram firmados em um cenário político instável, principalmente no que concerne à política estadunidense, que se encontra em plena disputa eleitoral. Pode-se dizer que apesar das comemorações em diversos veículos de imprensa, ainda é cedo para saber se a “a boa nova”, que tem sido a tônica de Bolsonaro sempre que alguma autoridade militar ou representante do governo americano pisa em solo brasileiro, terá continuidade e concretude caso Donald Trump perca as eleições. 

Facilidades tarifárias

No que tange à facilitação de comércio, resumidamente, os acordos preveem abolição de algumas barreiras não-tarifárias no comércio bilateral, incluso a simplificação ou extinção de procedimentos burocráticos. O novo pacto comercial entre Brasil e EUA tem sido apontado como um facilitador aduaneiro inovador e incomum, apresentado como “suprapartidário” o protocolo de comércio e cooperação econômica também é, segundo o Itamaraty, “um pacote amplo de acordo comercial a ser futuramente negociado entre as duas maiores economias do continente americano”. 

O Ministério da Economia e o Ministério das Relações Exteriores publicaram nota conjunta com uma avaliação positiva sobre o acordo, que também foi comemorado por representantes do empresariado e do setor agroexportador brasileiro.

O embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, em tom otimista disse tratar-se de “um tipo de acordo que é o ganha-ganha, as vantagens são mútuas, recíprocas e tanto o setor privado do Brasil quando do lado dos Estados Unidos estão muito satisfeitos”. Abrão Árabe Neto, vice-presidente-executivo da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil) afirma que os termos são de “alto padrão”, próximos aos aplicados no recém-aprovado acordo Estados Unidos-México-Canadá, considerado uma referência no mercado.

Oposição nos EUA

Mas nos Estados Unidos não houve o mesmo apoio. A oposição democrata,  pela voz de Richard E. Neal, deputado federal por Massachussetts e membro há mais de dez anos do prestigiado Ways and Means Committee e da presidente Comissão de Assuntos Tributários. Ele afirmou em tom categórico: “com este acordo comercial, o governo Trump driblou o Congresso para recompensar o governo brasileiro que não respeita os direitos humanos básicos, o meio ambiente e seus próprios trabalhadores”. 

Em relação às boas práticas regulatórias o acordo não consiste em uma negociação tarifária ou um acordo de livre comércio. As good regulatory practices são processos, sistemas, ferramentas e métodos reconhecidos internacionalmente para a melhoria da qualidade da regulação do Estado nas práticas econômicas. O acordo é o primeiro com cláusulas vinculantes que o Brasil adota sobre esse tema e prevê em seu artigo 9º a estipulação de um prazo de 60 dias para a apresentação de uma proposta de regulação que tenha impacto significativo sobre o comércio através da otimização das organizações regulatórias.

Na linha Bolsonaro

O protocolo segue a linha política do governo Bolsonaro, cuja plataforma política é o neoliberalismo. Assim o objetivo é a abertura comercial e a atração de investimento externo,  conforme estabelecido pela Lei nº 13.874, de 2019 (Lei da Liberdade Econômica). O protocolo determina a implementação de práticas governamentais para promover qualidade regulatória por meio de maior transparência, análise objetiva, prestação de contas e previsibilidade com vistas a facilitar o comércio internacional, o investimento e o crescimento econômico, contribuindo para a capacidade de cada país para atingir seus objetivos de política pública (incluindo política de saúde, segurança e meio ambiente).

Estima-se, segundo o Itamaraty, que a ineficiência regulatória no Brasil gere um custo aproximado de R$ 200 bilhões. Além disso, a Organização Mundial de Comércio (OMS) determina que com a adoção de boas práticas possa ocorrer uma redução de até 20% de despesas para exportadores, como avaliado por Abrão Árabe Neto.

Esfera criminal

O terceiro acordo aborda a pauta anticorrupção. Nele são reafirmadas as obrigações legislativas do Brasil e dos Estados Unidos, que se vincularam multilateralmente a uma série de convenções internacionais contra a corrupção. O acordo expande a atuação da esfera criminal, ao englobar o setor privado e sociedade civil nas pautas de anticorrupção. Algumas medidas apontadas neste anexo já tiveram um precedente político no cenário brasileiro. No “Artigo 4: Promoção da integridade entre funcionário públicos”, cada parte, deve “fornecer procedimentos adequados para a seleção e treinamento dos funcionários públicos”. O acordo em questão não especifica se pode ou não acontecer um intercâmbio nesse processo. 

O “Artigo 5: Participação do Setor Privado e da Sociedade Civil” afirma que cada parte deve tomar medidas que envolvam grupos de fora do setor público e as instituições podem “realizar atividades de informação ao público e programas de educação pública que contribuam para a intolerância à corrupção”. 

Cabe lembrar que , segundo o documento revelado pelo Wikileaks (2009), o Juiz Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, chegou a realizar um treinamento de combate ao terrorismo (leia-se corrupção), sendo que o curso tinha o intuíto de prestar uma formação prática, não teórica sobre o assunto. Fang (2017) menciona que alguns dos integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL-SP), protagonistas do impeachment de 2016, utilizaram muito bem das redes sociais, para direcionar a revolta das manifestações contra a presidenta Dilma. Além de que, é possível pontuar, segundo Baggio (2016), uma relação entre think tanks e a mídia brasileira, sendo esta responsável por articular uma série de protestos pró-impeachment. Nesse sentido, percebe-se que a ideologia de “combate a corrupção” não é algo recente no cenário político brasileiro. Ela foi utilizada para promover o golpe em 2016. 

O presente acordo firmado entre Brasil e  EUA, pode ser interpretado como uma medida que visa legitimar e ampliar uma prática de interferência externa já ocorrida no Brasil.

* Grupo prestigiado e historicamente importante que reúne entre seus integrantes 8 ex-presidentes dos EUA, 21 ex-presidentes da Câmara dos Deputados e 4 se tornaram juízes da Suprema Corte americana

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