Vacinas enfrentam guerra ideológica de Bolsonaro

Por Mirella Sabião, Isabella Montilha e Gilberto M. A. Rodrigues

Presidente brasileiro promove uma antidiplomacia com seu negacionismo científico e argumentação sobre inexistência de racismo no Brasil.

O primeiro lote de vacinas CoronaVac chegou ao Brasil em 19 de novembro, desembarcando no aeroporto André Franco Montoro, em Guarulhos. São cento e vinte mil doses, desenvolvida pelo laboratório chinês SinoVac Biotech, em parceria com o Instituto Butantan, que refletem a maior disputa política em torno da Covid-19 desde o início dos casos no Brasil, em 26 de fevereiro. Com uma abordagem anti-diplomática, o presidente Jair Bolsonaro colocou em xeque a credibilidade da CoronaVac, criticando a sua procedência, e declarando-se contra a validação dos protocolos de intenção de compras, pelo documento assinado em 19 de outubro entre governadores e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. 

Para “não abrir mão de sua autoridade”, Bolsonaro politizou um assunto de saúde pública. Chocou-se com o governador do estado de São Paulo e chegou a comemorar sua “vitória” sobre João Dória, logo após a interrupção dos testes de CoronaVac pela Anvisa, fundamentada no falecimento de um voluntário (que se comprovou não ter falecido devido à vacina), entre os milhares que serviram à testagem. O tema das vacinas está colocado no centro de uma guerra ideológica envolvendo a disputa eleitoral de 2022, na qual o presidente e o governador paulista se apresentam como adversários. 

Rejeição global à vacinação

Segundo a pesquisa Global Attitudes on a Covid-19 Vaccine, conduzida pela empresa Ipsos, o índice de intenção de vacinações está decrescendo de forma global. Em outubro, entre os dias 8 e 13, a Ipsos entrevistou cerca de 19 mil pessoas, de 15 países e de idades variadas (entre 16 e 74 anos). Pode-se observar uma diminuição global de intenção de vacinação de cinco pontos percentuais em apenas um mês, caindo de 77% em agosto para 73% em outubro de 2020. A situação é peculiarmente preocupante no caso brasileiro, o país com o quarto maior índice de queda de intenções de vacinação – atrás apenas de China, Austrália e Espanha -, de 7% no mesmo período. Pode-se concluir, assim, que um em cada quatro brasileiros não aceitaria ser vacinado contra a COVID-19, sob diferentes justificativas – sendo a mais comum entre elas a rapidez do avanço de testes clínicos. 

Em evento online sobre o coronavírus promovido pela Comissão de Epidemiologia da Abrasco, em 24 de novembro, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, afirmou que a recuperação global será atrasada caso as pessoas não se vacinem. Com a livre circulação de populações no mundo interconectado e globalizado, o vírus continuará circulando caso as vacinas não sejam capilarizadas de maneira a complementar outras medidas de proteção e saúde pública, como o distanciamento social. A comunidade internacional deve assegurar o amplo acesso à vacinação e, para tal, iniciativas como a Covax são indispensáveis para o diretor-geral em prol da distribuição de vacinas para países com populações em situação de vulnerabilidade. “Compartilhar é do interesse de cada país e todos eles. Não é caridade. É a maneira mais rápida e inteligente de acabar com a pandemia e acelerar a recuperação econômica global”, afirmou Tedros. 

Ao contrário do que afirma o presidente Bolsonaro, as questões sobre a vacinação contra o coronavírus não estão adstritas às fronteiras de nenhum país. Apesar da descrença quanto à efetividade de vacinas contra a Covid-19 não figurar, segundo a pesquisa da Ipsos, como a principal causa de relutância das populações quanto à imunização, a descrença sobre vacinas em geral figura em 20% das declarações dos entrevistados em nível global. 

As travas ideológicas colocadas pelo presidente na credibilidade dos processos de imunização incitam, hoje, ao crescimento do movimento antivacina no Brasil. Superado o patamar de 170 mil mortos pela COVID-19 no Brasil é latente o fato de que a comunidade internacional não conseguirá dar seguimento à imunização em escala global sem a efetiva participação do Brasil e de outras nações com líderes negacionistas, que privilegiam a ideologia em detrimento da sobrevivência. 

Negação de vacinas e de racismo 

Na última cúpula do G20, sediada pela Arábia Saudita, que ocorreu virtualmente no dia 21 de novembro, Bolsonaro destacou que o Brasil “acertou” na gestão da pandemia (sem explicar o porquê de o Brasil estar entre os mais afetados em número de mortes e infectados do planeta) e frisou que a vacina não deve ser obrigatória, com o argumento de proteger as “liberdades individuais”.

Mas não foi apenas no tema da pandemia que Bolsonaro mais uma vez promoveu versões mentirosas e realizou a antidiplomacia. O mesmo ocorreu diante da enorme repercussão internacional sobre o caso de João Alberto, rapaz negro morto no dia 19 de novembro em um supermercado da rede Carrefour, na cidade de Porto Alegre. No G20, Bolsonaro pediu licença para “uma rápida defesa do caráter nacional brasileiro”, na qual negou a existência de racismo no país afirmando que tal ideia está sendo implantada devido a um jogo de interesses e busca de poder dentro do país. 

Em contraposição a Bolsonaro, a Alta-Comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, pronunciou-se por meio de uma nota afirmando que o governo tem uma especial responsabilidade de reconhecer o problema do racismo persistente no país, pois este é o primeiro passo essencial para resolvê-lo”, enfatizando ainda que o racismo brasileiro é documentado por dados oficiais, não sendo uma mera especulação pretensiosa, como afirma o presidente. 

Já no início de 2020 a Coalizão Negra por Direitos denunciou a conduta brasileira na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a organização condenou as ações policiais violentas no Brasil contra a população negra, insistindo para que o governo adote medidas para combater a discriminação social e racial. Sem surpresa, tais apelos e recomendações foram amplamente ignoradas pelo governo brasileiro.

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