Por Tatiana Berringer, Gabriel Soprijo, Gabrielly Almeida, Gabriela Leite, Thiago Fernandes e Fernanda Antoniazzo
Após apoio a Donald Trump e apoio à invasão do Capitólio, membros do governo Bolsonaro adotam postura mais moderada em relação ao governo Biden.
Em 2019 e 2020 as relações entre os governos Bolsonaro e Trump foram pautadas pela subordinação explícita do Estado brasileiro aos Estados Unidos. A situação da Venezuela, a questão climática e os direitos humanos foram os elementos que selaram a aliança ideológica neofascista entre os dois Estados, sob a égide do discurso anti-globalista. Agora, com a presidência de Joe Biden, pergunta-se como ficará a política externa brasileira. Um ponto nevrálgico é a relação do Estado brasileiro com o Estado chinês, especialmente no que tange à tecnologia 5G, questão que sofreu forte pressão dos Estados Unidos, colocando em xeque o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para o uso da base de Alcântara.
Durante o processo eleitoral estadunidense, que teve início em 3 de novembro de 2020, na disputa entre Joe Biden, do Partido Democrata, e Donald Trump, do Partido Repúblicano, as divergências entre o governo Bolsonaro e o Partido Democrata foram abertas. Bolsonaro declarou apoio ao candidato republicano e disse que esperava comparecer à posse do presidente Trump, que venceria “pelo bem dos Estados Unidos e do mundo”. Em um dos debates presidenciais, Biden criticou a conduta do governo brasileiro em relação à Amazônia e avisou que disponibilizaria 20 bilhões de dólares para o combate ao desmatamento e, caso as medidas ambientais não fossem cumpridas, afirmou que o Brasil enfrentaria “consequências econômicas significativas”. Bolsonaro chamou essa fala de “lamentável”, “desastrosa” e gratuita” e, alguns dias depois, assumiu um tom mais agressivo ao afirmar que, caso as sanções econômicas fossem efetuadas, as relações diplomáticas não seriam suficientes, pois “quando acaba a saliva, tem que ter pólvora”.
Alegações de fraude
Com a confirmação da vitória de Biden, no dia 7 de novembro, Trump fez diversas alegações de fraude na contagem dos votos que foram endossadas por Bolsonaro, que só reconheceu a vitória do democrata 38 dias depois, em 15 de dezembro de 2020. O presidente brasileiro afirmou que, de acordo com suas “fontes de informação”, havia ocorrido fraude nas eleições americanas. As tais fontes de informação, mais tarde, mostraram-se ser do embaixador do Brasil nos EUA, Nestor Forster.
O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, também defendeu ferozmente o argumento de fraude em suas redes sociais. Depois, logo após a invasão do Congresso americano por apoiadores de Trump com o objetivo de impedir a legitimação da vitória de Biden, no dia 6 de janeiro, Bolsonaro voltou a afirmar a existência da suposta intervenção no processo eleitoral, e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, publicou em seu twitter, que ‘a esquerda tenta arruinar os EUA, destruindo os seus valores centrais’. E em entrevista no seu escritório, no dia 14 de janeiro, ele disse que o governo não mudaria de postura por Biden e que esperava dele uma compreensão mútua.
Joe Biden, pouco mais de um mês após assumir a presidência dos EUA, parece adotar outro discurso na cena política internacional, se comparado com Trump, defendendo o diálogo e buscando retomar acordos multilaterais e valorizar organizações internacionais. Ele recolocou os EUA no acordo de Paris, apoiou a Organização Mundial da Saúde, propôs um pacote de US$ 1,9 trilhão para auxiliar no combate à pandemia, e reforçou a agenda ambiental com a convocação da Cúpula da Terra, que ocorrerá no dia 22 de abril de 2021. Já em relação à China ele mantém uma postura mais rígida, procurando reduzir a influência do Estado asiático no continente americano e responsabilizar o rival por práticas avaliadas como injustas e ilegais, principalmente em relação à tecnologia. Além disso, Biden reforça o papel da ciência, aposta em campanhas de vacinação, defende o distanciamento social e o uso de máscaras. Nesse sentido, ele tem assumido uma postura crítica face ao governo brasileiro, que se soma à condenação do desmatamento da Amazônia.
Mal estar com Bolsonaro
No começo do mês de fevereiro, Biden recebeu um dossiê elaborado por professores de 10 universidades (9 estadunidenses) e de ONGs internacionais, questionando a aproximação entre Brasil e EUA nos últimos anos. O texto pede a suspensão dos acordos feitos entre os governos Trump e Bolsonaro. No dia 12 do mesmo mês, o senador estadunidense Robert Menendez, enviou uma carta enfatizando a demora do governo brasileiro em reconhecer a vitória de Biden, a preocupação frente às declarações de Bolsonaro de suposta fraude nas eleições dos EUA e a ênfase de Ernesto Araújo nas teorias conspiracionistas e vazias sobre a invasão do Capitólio feita por pessoas pró-Trump após o fim das eleições. Para Menendez, o apoio de Ernesto à invasão do Capitólio demonstra que o ministro está longe da realidade atual nos EUA, já que Republicanos e Democratas condenam o ocorrido, e que o mesmo prioriza os laços com uma facção estreita e radical do espectro político estadunidense. Para o senador, esse erro estratégico pode ter consequências diplomáticas futuras e representar um retrocesso nas relações Brasil-EUA.
Diante disso, o discurso de alguns membros do governo Bolsonaro começou a mudar em relação ao governo Biden. Ernesto Araújo e Ricardo Salles, por exemplo, realizaram uma videoconferência com John Kerry para aprofundar a cooperação e o diálogo dos países em relação à temática de controle ao desmatamento e às mudanças climáticas. A coletiva de imprensa concedida por Ernesto no dia 02 de março sinaliza uma postura diferente, pois o ministro não mencionou o “globalismo”, o “tecno-totalitarismo” ou os “meios de produção da verdade”, ao invés disso preferiu destacar os acordos comerciais do Brasil com Canadá, Índia e Coreia do Sul. Além disso, Ernesto disse que há “total confiança e entendimento recíproco” na relação Brasil/EUA.
Cobrança de recursos
Pressionado por Biden, Bolsonaro planeja participar da Cúpula da Terra e cobrar recursos para proteção e recuperação ambiental no Brasil. Ainda que trate as críticas à sua gestão ambiental como “má informação”, o governo brasileiro pretende apresentar na reunião, em abril, sua contribuição no Acordo de Paris e suas metas ambientais. E tendo como pano de fundo a questão da Venezuela, Araújo declarou que o governo quer estabelecer uma aliança com os EUA contra o “narcossocialismo”, o “sistema político criminal” que marca a América Latina e os últimos 30 anos de governo do Brasil, responsáveis por destruir a ideia de um acordo de livre comércio das Américas. O Ministro ainda afirma que o Brasil finalmente está no caminho da democracia liberal e da economia de mercado e que voltará a ser parceiro estratégico dos EUA.
Ainda pode ser cedo para apontar tendências, mas diante do que se pode observar, espera-se uma cobrança por parte dos EUA pelo fortalecimento de políticas públicas, pelo estabelecimento de regras mais alinhadas à OMS quanto à gestão da pandemia mundial e pela preservação ambiental. Todavia, acredita-se que as questões políticas não influenciarão o comércio e os investimentos entre os dois países. Apesar de ser um parceiro estratégico no projeto estadunidense de influência da América Latina, em especial, na luta contra o governo de Nicolás Maduro na Venezuela, o Estado brasileiro, precisará se adequar ao novo cenário mundial que começa a se desenhar em 2021.