10 de abril de 2021
Por Flávio Rocha de Oliveira, Tarcizio Rodrigo de S. Melo, Juana Lorne, Julia Protes Lamberti, Lucas Ayarroio de Souza, Renan de Oliveira Ferreira e Thiago D’Carlo S. Ramalho
Embora o governo Bolsonaro tenha realizado uma reforma ministerial que envolve a pasta da Defesa e o comando das três Armas, os militares brasileiros seguem se colocando como garantidores da República. Não há sinal que desejem se afastar da administração pública, apesar do desgaste que sofrem, em especial após a péssima gestão fardada da área da Saúde, em meio à pandemia.
A demissão de Ernesto Araújo
A gestão de Ernesto Araújo representou mudanças sem precedentes na história da política externa brasileira. Após dois anos e três meses, a gestão do chanceler, apoiado pelo presidente e pela chamada “ala ideológica”, chegou ao fim na segunda-feira, 29 de março. O então ministro solicitou sua dispensa depois de enfrentar pressões – pedindo a sua saída – tanto do Congresso Nacional e Senado, quanto do próprio Itamaraty. Seu substituto será o diplomata Carlos Alberto França.
Apesar do desgaste de Araújo com o parlamento e com setores empresariais – e em especial aqueles ligados ao agronegócio – ter chegado ao seu ponto máximo na última semana de março, o fato é que o descontentamento com o primeiro chanceler escolhido por Bolsonaro já existia desde o início do governo. No começo de 2019, os generais ficaram descontentes com a política externa apresentada para a Venezuela. Nesse episódio, Ernesto Araújo teria articulado com representantes da administração Trump uma possível intervenção militar contra o governo de Nicolás Maduro. Também pesou o agravamento da pandemia e o péssimo trabalho feito pelo MRE em relação ao acesso internacional a insumos médicos e a vacinas.
A saída do General
Na sexta-feira, 18 de março, o general da ativa Eduardo Pazuello foi substituído pelo médico Marcelo Queiroga no Ministério da Saúde. Antes de ir para Brasília, Pazuello comandava a 12ª Região Militar da Amazônia, em Manaus, enquanto Queiroga tinha, entre as suas credenciais, o fato de ser presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
A chegada de Pazuello ao cargo de ministro da saúde entra na conta das decisões pessoais de Bolsonaro. Quando Nélson Mandetta deixou o ministério, após cair em desgraça junto ao presidente e ao seu círculo mais próximo de auxiliares, foi substituído por Nélson Teich. O general Pazuello assumiu o cargo de primeiro secretário-executivo do ministério, sendo o número dois na hierarquia. Embora ocupasse tal posição, ficou claro para vários observadores da vida política em Brasília que o militar contava com mais influência do que o próprio ministro Teich.
Apesar do seu desconhecimento sobre a área médica – ele, e o próprio governo, enfatizavam que o seu ponto forte era a sua suposta competência em logística – Pazuello assumiu o Ministério. Infelizmente o resultado foi o Brasil chegar ao número de 270 mil mortes por Covid-19 (o número quando seu antecessor saiu era de 14.817 óbitos, além dos 218.223 contaminados pela doença). No período em que esteve à frente do ministério, Pazuello colecionou trocas de farpas com o governador de São Paulo, João Doria, por conta da compra da Coronavac, feita pelo Instituto Butantã em parceria com a China, e acusações de omissão na busca por vacinas ofertadas por laboratórios europeus e estadunidenses. Entra na conta do péssimo trabalho do general o fiasco que foi o fornecimento de oxigênio quando a pandemia atingiu Manaus pela segunda vez, o que lhe rendeu um inquérito sobre o caso. Também foi na gestão do ministro que as compras de Cloroquina dispararam, e o ministério da saúde passou a fazer a propaganda do chamado “tratamento precoce”, contrariando os estudos sérios feitos pela comunidade científica brasileira e internacional.
Inquérito sobre a omissão do ministério da Saúde em Manaus
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, pediu investigação, no contexto de colapso do sistema de saúde pública em Manaus, sobre a omissão do Ministério da Saúde, principalmente no que tange à falta de fornecimento de oxigênio. Aras defendeu a necessidade de instaurar o inquérito para aprofundar as investigações sobre os “gravíssimos fatos” imputados ao ministro e seus auxiliares.
No primeiro mês deste ano, o Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, ratificou a abertura de inquérito para julgar o então ministro da saúde. Apesar de Pazuello ser um general da ativa, consta na Constituição que, na hipótese de crime comum ou de responsabilidade, apenas aqueles militares que ocupam postos de ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do exército e da Aeronáutica detêm a prerrogativa do foro privilegiado. Mesmo com as tentativas frustradas do governo de o realocá-lo em outro Ministério com fim de não perder o foro após ser exonerado, o inquérito ainda sim foi enviado para a primeira instância.
Desconforto no exército
Houve um incômodo do exército em relação a administração da pasta da Saúde e um alívio pela saída do general Pazuello, visando afastar a possibilidade de desgaste da imagem da corporação junto a amplos setores da sociedade brasileira. A atuação do ex-ministro era vista com ressalvas na condução da crise devido às inúmeras polêmicas geradas na questão da compra de vacinas e do incentivo ao uso de medicamentos sem comprovação científica.
Houve um receio dos militares sobre a possível volta do general às fileiras do exército. Ofiiciais ouvidos pelo jornal O Globo defenderam a ideia de que o ex-ministro da saúde deveria ir para a reserva. Antes da saída do comandante do Exército, Edson Leal Pujol, a volta de Pazuello era vista com temores devido a possibilidade de associar a imagem da instituição ao caráter político do fracasso da condução da pandemia.
Ministério da Defesa e Forças Armadas
A queda de Fernando Azevedo e Silva do Ministério da defesa e suas motivações apontam um cenário preocupante em relação ao combate à pandemia e a estabilidade da democracia. O general Azevedo era visto, por seus pares, como um defensor das Forças Armadas como instituições de Estado, e não de governo. A sua saída provocou muitos questionamentos sobre o papel dos militares no governo. Para alguns analistas, o presidente já não busca “apenas” quadros militares profissionais, mas sim representantes e defensores de suas ideias de extrema direita dentro do meio castrense.
Outro indicador preocupante dos novos rumos da democracia brasileira no contexto atual foi a renúncia conjunta dos três comandantes das Forças Armadas. Um grande motivador dessa renúncia conjunta foram as constantes desavenças entre o presidente e os comandantes das Forças Armadas, principalmente em relação ao combate à pandemia e a não intervenção do comandante do Exército Brasileiro em relação ao Supremo Tribunal Federal durante o julgamento do ex-presidente Lula. Bolsonaro era favorável a uma manifestação no estilo general Villas-Boas, mas o general Pujol, então comandante do Exército, pontualmente declarava que o principal papel da força terrestre no cenário atual era auxiliar no combate à pandemia. Em contrapartida, o presidente Jair Bolsonaro declarou, em março, que “seu exército não vai à rua para manter lockdown”. O que se pode tirar disso é que, de fato, ocorre uma crise militar no segundo ano do governo Bolsonaro. Enquanto o presidente se mostra favorável ao uso das Forças Armadas na política, como à menção do artigo 142, grande parte do meio castrense declara que defende a neutralidade do Exército em prol da manutenção da democracia.
É importante, também, observarmos as escolhas de substitutos dos antigos comandantes das forças para a compreensão do cenário político atual. O substituto de Azevedo no Ministério da Defesa, o General Braga Netto,mostra sinais de lealdade ao governo Bolsonaro e a suas políticas. Contudo, isso tem impactado negativamente o ministro em relação a seus colegas nas Forças Armadas. Braga Netto, assim que assumiu o cargo, esteve diretamente envolvido na nomeação dos novos comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, auxiliando o governo Bolsonaro nas escolhas estratégicas dos novos comandantes. Braga Netto tenta também uma aproximação ao Supremo Tribunal Federal, o que causa descontentamento de colegas das Forças Armadas, que o enxergam como “submisso ao presidente”.
Em relação aos substitutos das Forças Armadas, se observa uma tentativa de apaziguamento do Presidente Bolsonaro. O novo comandante do Exército Brasileiro, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, é próximo de seu antecessor Pujol e apresenta postura de apoio à presença dos militares no combate à pandemia. Na Marinha, foi apontado o almirante Almir Garnier, que era próximo de Azevedo no Ministério da Defesa, mas que também apresenta boa relação com o presidente. Na Força Aérea Brasileira o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Jr., é visto como bolsonarista. Em suas redes sociais, Baptista Jr. já se manifestou apoiando os esforços de vacinação do governo e questionando matérias da imprensa sobre a ociosidade dos hospitais militares durante a pandemia, além de ter agradecido calorosamente os cumprimentos de uma das deputadas mais fiéis ao presidente, Bia Kicis, por sua nomeação.
Todavia, há várias interpretações sobre a escolha do general Paulo Sérgio. Há aqueles que vêem a apresentação do seu nome por parte do exército como algo positivo, isso devido a sua postura quanto ao combate à pandemia, que vai na contramão das medidas defendidas pelo governo Bolsonaro, o que pode sinalizar uma possível oposição do uso das Forças Armadas em atos anti-democráticos e contra o lockdown. Porém, há quem veja a estratégia das nomeações de uma forma negativa: primeiramente, a quebra da tradição hierárquica traz uma visão negativa em meio aos fardados, podendo intensificar ainda mais os conflitos políticos e a crise militar. Além disso, as nomeações estratégicas em todo o conjunto de mudanças ocorrido no mês de março fortalecem aliados de Bolsonaro no planalto e aproximam o “centrão” do governo, podendo dificultar ainda mais a oposição em sua missão de reverter o negacionismo do presidente e ajudar a solucionar a crise de saúde no Brasil.
É importante não se perder de vista que, apesar das desavenças entre Bolsonaro e os comandantes das Forças Armadas, isso não tirou o apoio militar ao Governo . O número de militares que ocupam cargos no aparelho de estado segue alto, e não há reversão à vista da tendência do presidente em se apoiar em quadros castrenses para conduzir os negócios de estado.
A saída do General Azevedo e a demissão dos comandantes militares ocorreu no mesmo período em que o chanceler Ernesto Araújo foi defenestrado do Itamaraty e o presidente enviou o ministro da justiça, André Mendonça, de volta para a AGU, tendo colocado em seu lugar o delegado da polícia federal Anderson Torres. Nessa dança das cadeiras, a deputada Flávia Arruda foi nomeada ministra da Secretaria de Governo da Presidência, o que significou um outro avanço do centrão.
Em todo esse imbroglio, a grande imprensa foi certeira em apontar o autoritarismo do presidente Bolsonaro como a grande motivação da troca dos comandantes militares e do ministro da defesa. Porém, a mesma grande imprensa acatou muito rapidamente a versão dos próprios militares de que eles estavam defendendo as Forças Armadas como instituições de Estado, e não como parte do governo de plantão. Subitamente, os generais foram apresentados como defensores da democracia contra um presidente que alimenta sonhos golpistas.
Curiosamente, não houve um questionamento sobre uma característica historicamente muito complicada das Forças Armadas brasileiras, e, entre elas, principalmente do exército: o fato de que os militares continuam se apresentando como os fiadores da República e dos governos civis de ocasião. Essa característica sempre foi um dos elementos que dificultaram a implantação e a consolidação de uma democracia no Brasil, especialmente pelo fato de que ela torna o estamento refratário a qualquer controle civil mais sério sobre as suas atividades.
No final de março elas foram saudadas como defensoras do Estado de Direito e das instituições democráticas existentes no Brasil. Políticos conservadores e parte da esquerda não fizeram o questionamento devido sobre as motivações das trocas feitas por Bolsonaro, e muito menos convocaram todos os oficiais generais afastados e seus substitutos para dar explicações ao parlamento. A grande imprensa – e principalmente as organizações Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Veja – passaram boa parte da crise executando o jornalismo declaratório das versões apresentadas pelos militares.
Infelizmente, parece que a necessidade histórica do controle civil sobre as forças armadas simplesmente ainda não entrou na lista de prioridades das grandes discussões políticas brasileiras.
Projeto de lei sobre a mobilização nacional
O líder do PSL na Câmara, Major Vitor Hugo (GO) – conhecido por articular uma nova medida que pretende endurecer as regras da atual Lei Antiterrorismo, aprovada em 2016 – tentou na última semana de março emplacar outro projeto. Caso fosse aprovada, a nova lei ampliaria os poderes do Presidente da República para acionar o mecanismo de Mobilização Nacional durante a pandemia. A mobilização nacional é uma ferramenta de gestão de crise, prevista na Constituição, mas para ser usada em casos de agressão e guerra.
Entre os poderes que poderiam ser fornecidos para a presidência, pode-se citar a expropriação da produção privada, tanto agrícola como industrial, convocação de civis e militares para atuarem no enfrentamento da crise, além da possibilidade de assumir o comando das Polícias Militares Estaduais. Isto é, a medida poderia oferecer a possibilidade do presidente intervir em determinado “espaço geográfico” definido no combate à pandemia, o que, na prática, retiraria a autonomia dos estados e municípios de adotarem medidas de restrição da circulação de pessoas.
O projeto foi levado à reunião entre os líderes da Câmara e não houve consenso quanto a sua tramitação, e ele terminou sendo rejeitado. Cabe lembrar que, mesmo se aprovado, o presidente necessitaria de votação do congresso para que esse mecanismo tivesse validade legal.
O projeto foi submetido em um momento conturbado de crise militar das Forças Armadas e de suspeitas sobre as intenções do presidente em acumular mais poderes. Um exemplo dessa preocupação está na manifestação do Ministro do STF, Luiz Fux, em que ele disse ter ficado preocupado com o projeto de lei sobre a mobilização nacional. Para o ministro, existiam indícios de inconstitucionalidade na proposta.
Militares e Política de Defesa
Em meio ao cenário de pandemia, a Embraer realizou testes de qualificação de reabastecimento em voo (REVO) entre duas aeronaves KC-390 Millenium. O fato é importante para a certificação das capacidades operacionais do modelo produzido pela empresa, que possibilita seu uso em missões longas e com redução de custos, uma vez que poderá realizar esse tipo de operação a partir de agora. Contando com o desenvolvimento das leis de controle, “fly-by-wire”, o KC-390 tem grande capacidade e qualidade de voo, potencializando os efeitos da certificação obtida.
É importante este resultado, pois o KC-390 tem sido utilizado para a Operação Covid-19, realizando transporte aéreo logístico, como entrega de suprimentos e artigos de prevenção ao coronavírus. Podendo contar com operações REVO, as missões humanitárias podem ser estendidas e com redução de custo, uma vez que terá menos tempo da aeronave em solo, reforçando o apoio das Forças Armadas (em especial, neste caso, a FAB) ao Ministério da Saúde e maximizando sua eficácia – tão necessária nesses tempos críticos de pandemia. Cabe salientar que o KC-390 ainda é uma aeronave em desenvolvimento, e gradativamente seu leque de missões e capacidades vai sendo expandido conforme recebe as certificações de qualificação.
Outra notícia relacionada à Embraer é que a empresa está próxima de entregar o primeiro de três A-29 Super Tucano para a Força Aérea dos EUA. Serão empregados para o treinamento de pilotos para operações especiais, e para avaliação da própria aeronave pelos norte-americanos, que planejam, no futuro, adquirir centenas de aeronaves de ataque leve. O A-29 é candidato e forte concorrente nesse processo de aquisição.
O Exército Brasileiro segue com seu objetivo de modernizar sua cavalaria sobre rodas e sobre lagartas, no âmbito do Programa “guarda chuva” Nova Couraça. O foco nesse momento são os blindados de reconhecimento 8X8. Inicialmente, era previsto o desenvolvimento de um blindado nacional, mas devido a falta de verbas e atraso no programa Guarani como um todo, essa pretensão foi abandonada. Será realizada uma concorrência internacional, visando a aquisição de 221 blindados, o que deve atrair boa parte dos grandes fabricantes internacionais para a disputa. Na melhor das hipóteses os veículos poderão ser montados no Brasil, tendo alguns componentes nacionalizados.
A Marinha brasileira realizou exercícios conjuntos com as outras forças armadas no Navio-Aeródromo Multipropósito, o Atlântico (NAM “Atlântico”), além das operações ADEREX-AERONAVAL 2021, visando o adestramento da força naval. Em outra notícia envolvendo a marinha, o Almirante Ilques Barbosa Junior, em um de seus últimos atos como comandante da Força, criou o 1º Esquadrão de Aeronaves Remotamente Pilotadas de Esclarecimento que irão operar os drones do modelo ScanEagle, comprado da empresa estadunidense Boeing. A Marinha também publicou a Shortlist com as melhores ofertas para o programa que visa a aquisição de um novo navio de apoio antártico (NApAnt), para prover super logístico ao programa antártico brasileiro.
Outras notícias já não são tão boas para os programas da Marinha. O submarino S-40 Riachuelo sofreu um acidente durante um teste, inundando parte de seus compartimentos. A Marinha afirma que os danos foram leves, mas certamente haverá atrasos na entrega dessa embarcação ao setor operacional. A Itaguaí Construções Navais (ICN) responsável pela construção dos novos submarinos, anunciou que devido a crise do Covid-19 e seus impactos econômicos terá de demitir alguns funcionários (sem informar quantos e em quais áreas). Cabe lembrar que o estado brasileiro investiu grandes somas de dinheiro na capacitação de mão-de-obra para o programa, e que para além dos impactos sociais a perda desses empregos implica na perda de tecnologia e recursos públicos investidos. Outro programa que vem sendo impactado pela crise é o das Fragatas Classe Tamandaré, que deve sofrer atrasos consideráveis. Devido a grave situação da frota de superfície, já se especula na imprensa especializada a possibilidade da Marinha adquirir fragatas usadas do Reino Unido como um “tapa buraco”. Vale ressaltar que tais meios, mesmo que usados, não são baratos, e que o real se desvalorizou muito frente à libra esterlina, o que termina agravando a situação.