Relações Brasil-China: um olhar para a cooperação

10 de abril de 2021

Por Ana Tereza Marra, Brenda Gajus, José Luis de Freitas e Vítor Hugo dos Santos

O avanço da nova revolução tecnológica e o atraso do Brasil diante do cenário de inovação, em contraposição à forte posição chinesa nessa área podem abrir novas frentes de cooperação entre os países, em especial considerando a guerra tecnológica entre China e EUA – a qual espera-se que o Brasil se mantenha neutro.

A gestão de Ernesto Araújo (2019-2021) no Itamaraty foi marcada por tensões diplomáticas com a China, numa tentativa de rebaixar o país no arco das relações externas do Brasil. Contudo, mesmo diante desse cenário, a cooperação entre os países continuou a ser um aspecto importante. Por um lado, permaneceu como reflexo de toda uma estrutura anterior ao governo Bolsonaro, que remonta aos primeiros acordos de cooperação entre os países na década de 1980 – como é o caso do Programa CBERS –, a parceria estratégica de 1993 e a própria constituição da COSBAN nos anos 2000. Por outro, em um cenário em que o Itamaraty deixou de ter uma diplomacia convergente as necessidades dos grupos domésticos, a cooperação foi reforçada pelo próprio envolvimento de outros agentes governamentais e privados nas relações Brasil-China que, face ao aumento da densidade das relações e os novos desafios impostos pela revolução tecnológica e pela pandemia, fomentaram a cooperação. Em tempos de troca de chanceler no Brasil, em que se espera que novas pontes possam ser restabelecidas com a China, é bom refletir sobre cooperação.

CBERS

Brasil e China retomaram suas relações diplomáticas na década de 1970, mas foi apenas a partir de meados dos anos 1980 que a cooperação entre os países começou a ser mais fomentada. O carro-chefe da cooperação nesse momento foi o Programa de Satélite-Sino Brasileiro de Recursos Terrestres (China-Brazil Earth Resources Satellite – CBERS, em inglês), iniciado em 1988, o que correspondeu a uma das primeiras parcerias no âmbito técnico-científico entre os países. O programa, até hoje uma das mais bem sucedidas parcerias Sul-Sul do mundo, visava (e ainda visa) auxiliar os países a romperem barreiras ao desenvolvimento por meio da quebra do monopólio das nações desenvolvidas sobre tecnologias de sensoriamento remoto. 

A primeira fase do projeto se deu com a construção de dois satélites avançados de sensoriamento remoto, sendo uma parceria entre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST), os quais atuaram como executores técnicos, e a gerência realizada pela Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Administração Nacional Espacial da China (CNSA). O esforço contou com um investimento inicial de US $300 milhões, sendo 70% investimento chinês e 30% brasileiro, mas nos projetos seguintes a divisão passou a ser 50% para cada nação. O programa possibilitou ao Brasil e a China a inserção em ações internacionais referentes ao uso do espaço e o monitoramento com potenciais agrícolas, ambientais e hídricos em seus territórios. Além disso, imagens disponíveis gratuitamente no site do INPE são usadas para diversas funções, dentre elas: o controle do desmatamento e queimada na Amazônia Legal pelo DETER e pelo PRODES, e nas áreas agrícolas, pelo CANASAT, além do uso para medir crescimento urbano, ocupação de solo, etc.

A parceria, que completará 33 anos em julho de 2021, foi desenhada para que as montagens, as integrações e os testes fossem feitos no Laboratório de Integração e Testes situado no INPE, e em sequência, transportado para a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial situada em Pequim e, por fim, lançado na base de Taiyuan, na província chinesa de Shanxi no foguete Longa Marcha 4B. Ademais, o controle do satélite é alternado entre Brasil e China a cada 10 meses, quando é possível controlar manobras e realizar outras atividades rotineiras, todavia, quando não se está no controle, é possível monitorar e acompanhar as operações. 

Até hoje foram lançados 6 satélites. O CBERS-1 e CBERS-2, em 1999 e 2003, respectivamente, que idênticos em sua constituição técnica (como câmeras, sensores e computadores), foram um sucesso e incentivaram a produção das futuras gerações. Em sequência, outros três satélites da mesma categoria, o CBERS-2B em 2007, o CBERS-3 de 2013, que apresentou falha em seu veículo lançador, impossibilitando que o satélite fosse colocado na órbita prevista e acarretando no adiantamento para 2014 do CBERS-4. Em dezembro de 2019 – portanto, no governo Bolsonaro – o CBERS 04A foi lançado, esse último satélite foi projetado com uma diferença substancial, a de durar no mínimo 5 anos, diferentemente dos anteriores que tinham 3 anos de vida útil, mesmo com equipamentos e modelos utilizados nos satélites CBERS 3 e 4.

A COSBAN e novos atores das relações

A continuidade do CBERS durante o governo Bolsonaro, em um contexto de ataque do Itamaraty as relações Brasil-China, provou que a estrutura de cooperação que os países construíram nas décadas anteriores foi capaz de manter intercâmbios importantes. Destaque deve ser dado a própria parceria estratégica, constituída pelos países em 1993, a COSBAN (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação), implementada pelos países em 2004, e a continuidade do BRICS e do Novo Banco de Desenvolvimento, como instrumentos de cooperação que resistiram as investidas bolsonaristas. Parte da explicação para entendermos isso, é observar que outros agentes governamentais – para além do Itamaraty – e privados tentaram tomar as rédeas das relações.

No caso da COSBAN, a comissão foi rearticulada pelo Vice-Presidente Hamilton Mourão em 2019 – que é importante interlocutor nas relações bilaterais e possui boas relações com contrapartes chinesas, tendo em vários momentos contrariado a posição do Itamaraty (como no caso do 5G) – quando ocorreu a V reunião, e desde 2020 tem havido preparações para a ocorrência da VI reunião em 2021, na qual o Brasil pretende propor uma nova estrutura a comissão e apresentar um novo plano estratégico. Embora tenha havido no último ano uma tentativa de Bolsonaro de rebaixar a posição da Vice-Presidência da República, e a comissão tenha sido subaproveitada como instrumento que poderia ajudar a resolver problemas bilaterais, ainda permanece com potencial para contribuir para um melhor planejamento das interações. 

Outros ministérios, dos quais se cita o de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o de Economia (ME), da Saúde (MS) e da Infra-Estrutura também buscaram estabelecer relações diretas com a China. O MAPA e, em menor medida, o ME frequentemente se envolvem na defesa do interesse de grupos econômicos domésticos, principalmente o agronegócio, nas relações com a China. O MS buscou alavancar as relações para negociar insumos para vacina. Já o ministério de infraestrutura tem feito reuniões com contrapartes chinesas visando atrair investimentos para o país. Ademais, parcerias subnacionais com a China diante da realidade de crise sanitária global, da qual é exemplo o contrato entre Sinovac e Instituto Butantan, também têm fomentado a cooperação.

Novas frentes

O avanço da nova revolução tecnológica e o atraso do Brasil diante do cenário de inovação, em contraposição a forte posição chinesa nessa área podem abrir novas frentes de cooperação entre os países, em especial considerando a guerra tecnológica entre China e EUA – a qual espera-se que o Brasil se mantenha neutro. Destaca-se que a China que era conhecida por viver de cópias de baixa qualidade de marcas e produtos ocidentais é completamente diferente hoje. A nação asiática está direcionando cada vez mais sua economia com o intuito de se tornar uma superpotência tecnológica, apresentando grandes conquistas nos setores de impressoras 3D, smartphones, hardwares, drones de alta tecnologia, equipamentos médicos e setor farmacêutico.

No que tange ao fluxo de capitais chineses para o Brasil, como já foi apresentado em um de nossos textos anteriores, a partir de 2018 passou também a se direcionar para empresas privadas de origem brasileira, como a 99 táxi, Stone e a Nubank. Além disso, instalações de empresas chinesas voltadas para o ramo de tecnologia também se mostram presentes no Brasil, além da Huawei, a Build Your Dreams (BYD), com foco em energia limpa, tem desenvolvido atividades de montagem de chassis de ônibus elétricos e produção de painéis solares em suas duas unidades na região de Campinas, criadas em 2016 e 2017 respectivamente, e de baterias na fábrica em Manaus, inaugurada em 2020. Assim, a empresa possui uma atuação que reforça o papel do Brasil como país importante no cenário de produção de energia renovável.

Desse modo, para além da parceria de sucesso que constitui o CBERS e das massivas exportações de bens básicos para a China, essenciais para a nossa balança comercial, investir em novas frentes de cooperação, buscar a coordenação estratégica bilateral por meio da COSBAN, e que o Itamaraty volte a apoiar com diplomacia de qualidade as relações Brasil-China será essencial para o desenvolvimento brasileiro e para que as relações evoluam com ganhos mútuos e consigam ir além do status em que se encontra.

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