08 de maio de 2021
Por Tatiana Berringer, Gabriel Soprijo, Gabrielly Almeida, Flávia Mitake, Fernanda Antoniazzo
Novo governo dos Estados Unidos retoma várias ações internacionais interrompidas pelo governo Trump e marca diferenças com a diplomacia brasileira.
No dia 30 de abril, Joe Biden completou 100 dias à frente da presidência dos EUA, dedicando seus esforços de política externa para reposicionar o Estado na cena política internacional após a conturbada gestão de Donald Trump (janeiro 2017 – janeiro 2021). O governo sinalizou um retorno ao multilateralismo, ao diálogo entre os Estados e à defesa do meio ambiente. Isso pode ser visto no retorno à participação do país no Acordo de Paris e na Organização Mundial da Saúde (OMS), na promoção da Cúpula dos Líderes sobre o Clima, ocorrida nos dias 22 e 23 de abril, numa posição favorável à quebra das patentes da vacina da Covid, nos esforços para recuperar o pacto nuclear com o Irã (1) e nas medidas efetivas para diminuir a emissão de gases do efeito estufa por parte do país, apoiando a entrada dos EUA em um acordo que restringe o uso de gás HFC, utilizado em aparelhos de refrigeração e ar condicionado. Além disso, anunciou a decisão da retirada de tropas do Afeganistão até 11 de setembro de 2021, enquanto outras permanecerão para proteger os diplomatas estadunidenses (2).
Apesar dessas pautas e da defesa da vacinação contra a Covid-19, o novo presidente dos EUA parece manter alguns pontos da política externa de Trump, especialmente a posição em relação à China, à Rússia e à Cuba (3). No que tange à América do Sul, Biden enviou Juan Gonzalez, diretor sênior para o Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional, para uma viagem, percorrendo Argentina, Colômbia e Uruguai, deixando o Brasil de fora do roteiro e das pautas discutidas nas reuniões com representantes de cada nação (4). A exclusão do Brasil pode ser relacionada, sobretudo, ao apoio incondicional do governo Bolsonaro à reeleição de Trump e aos ideais defendidos pelo ex-presidente. Ao contrário dos países visitados por Gonzalez, o Estado brasileiro não demonstrou apoio ou retratação pelas falas e atitudes tomadas e nem demonstrou mudanças de rumos. O governo Bolsonaro, nesses primeiros 100 dias de governo Biden, parece manter-se à espreita, esperando a poeira baixar e observando a linha estratégica que Biden irá seguir para, então, decidir quais serão seus próximos passos.
As diferenças no clima
O novo governo dos EUA, desde a campanha eleitoral, vem cobrando o Brasil na questão climática com braços de ferro, com a ameaça de sanções e a cobrança incessante de resultados por parte do governo de Bolsonaro. No entanto, ao passo em que os EUA mostraram que o clima é uma das questões centrais do novo mandato, o presidente Bolsonaro continua deixando a desejar no âmbito, decretando cortes no Ministério do Meio Ambiente e sem propostas reais para agir na questão do desmatamento e das queimadas na Floresta Amazônica. No último dia 22, quinta-feira, ocorreu a Cúpula do Clima, encontro internacional convocado pelo presidente americano Joe Biden para tratar questões sobre o meio ambiente em termos de cooperação mundial. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) discursou em frente aos presentes após quase 20 líderes, tendo que esperar mais de uma hora e meia para fazer seu pronunciamento, o que mostra que o Brasil perdeu seu privilégio de ser um dos primeiros a discursar em eventos internacionais. Bolsonaro, em seu discurso, adotou uma postura mais moderada, contrário de suas outras falas em reuniões globais, e fez uma série de promessas, colocando o Brasil na “vanguarda do enfrentamento do aquecimento global”. Destacou a importância de eliminar o desmatamento ilegal da Amazônia até 2030 e garantiu que o governo, apesar de suas limitações orçamentárias, fortaleceria os órgãos ambientais e duplicaria os recursos destinados às ações de fiscalização.(5)
Apesar do tom promissor no pronunciamento, a comunidade internacional não comprou as palavras de Jair Bolsonaro. O próprio presidente americano, Joe Biden, afirmou que “Ouvimos notícias encorajadoras anunciadas da Argentina, do Brasil, da África do Sul e da Coreia do Sul. E os compromissos que nós fizemos precisam se tornar realidade.” A Cúpula do Clima apenas provou a decadência da política externa brasileira e o descrédito da comunidade internacional nas palavras do governante brasileiro, descrédito esse que não é infundado. Um dia após o evento, o presidente cortou R$ 240 milhões do Orçamento de 2021 que seriam destinados ao Ministério do Meio Ambiente, descumprindo a promessa de duplicar os investimentos nas ações de fiscalização. Os vetos prejudicaram programas cruciais para o combate ao desmatamento e proteção do meio ambiente promovido pelo Ibama e pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio).(6)
Pedido de dinheiro
A despeito do descrédito em que se encontra a política ambiental brasileira, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pediu R$ 1 bilhão de ajuda internacional para reduzir em até 40% a devastação na Amazônia (7), o que muito provavelmente não vai se concretizar levando em consideração a imagem manchada do país com o restante do mundo.
Ainda no dia 26 de abril de 2021, o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional os anexos sobre o Acordo Brasil – EUA de Comércio e Cooperação Econômica (ATEC). Os textos foram elaborados pelo Ministério da Economia e das Relações Exteriores, que aborda a temática de regras comerciais e de transparência. O objetivo, segundo Palácio do Planalto, é que os anexos abordem questões de facilitação de comércio e administração aduaneira, anticorrupção e boas práticas regulatórias. Esse documento precisa agora ser aprovado pelos deputados e senadores (8).
O Acordo de Comércio e Cooperação Econômica é um mecanismo bilateral que foi criado no ano de 2011. Todavia, esse acordo só foi ativado em março de 2019, no governo de Trump e Bolsonaro, quando ambos lançaram a “Parceria para a Prosperidade”, na época em que o presidente brasileiro esteve em Washington. Em março deste ano, começaram a institucionalizar e dar contornos mais concretos à parceria, já que instituíram equipes negociadoras para fechar o texto (9). Vale pontuar que no dia 19 de outubro de 2020, o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Robert O’Brien visitou o Brasil e assinou o presente acordo, na época, a deputada federal democrata Richard E. Neal, fez oposição às medidas (10).
A justificativa dada pelo Planalto é fortalecer as relações econômicas e expandir o comércio, promover um ambiente aberto e reduzir as tarifas. Além disso, segundo os ministérios da Economia e Relações Exteriores a desburocratização e adoção de padrões internacionais no combate à corrupção fornecerão segurança e vão garantir mais fluxo entre os países. O anexo de facilitação de comércio, pretende reduzir os entraves burocráticos. O de sobre boas práticas regulatórias tem como objetivo tornar os negócios mais transparentes. Anticorrupção reafirma uma série de acordos internacionais e expande a atuação doméstica e a cooperação internacional (11).
Segundo Miguel Jorge (12), ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o acordo é bem burocrático, mas que por isso não deixa de ser importante. Ex-ministro lembra que os EUA já foram o principal parceiro econômico do Brasil, mas perderam o posto para a China. Entretanto, o termo não mudará essa questão, mas sinaliza que o governo estaria fazendo uma mudança de rumo. Resta agora saber o posicionamento do Congresso Brasileiro se Biden dará continuidade a um acordo firmado no governo Trump.
Vacina contra Covid
Durante os 100 primeiros dias de governo, pode-se dizer que um dos pontos de maior destaque da administração de Joe Biden é a forma pela qual se tem conduzido a pandemia. Inicialmente, a meta proposta pelo presidente estadunidense de aplicar 100 milhões de doses em 100 dias aparentou-se um tanto quanto ambiciosa, mas, essa meta não só acabou sendo atingida, como dobrada (13). Por fim, o atual governante conseguiu o êxito de aplicar 200 milhões de doses únicas em exatos 93 dias de governo. Nesse mesmo intervalo de tempo, o Brasil aplicou cerca de 47 milhões de doses. Para se ter uma ideia, 44.4% da população americana (14) já tomou pelo menos uma dose da vacina, enquanto apenas 19.2% da população brasileira (15) recebeu a primeira dose. Essa discrepância numérica pode ser muito bem explicada pelas diferenças entre as campanhas de vacinação entre os dois países.
Um dos principais pontos é a forma distinta como ambos os países vêm lidando com a própria questão da vacina. Mesmo antes de ser eleito, Biden já havia ressaltado a importância da vacinação como estratégia para conter a pandemia e, consequentemente, retomar o crescimento econômico. Dessa forma, o estabelecimento de um programa nacional de vacinação foi uma das prioridades para os 100 primeiros dias de governo. Diferentemente do governo estadunidense, o governo brasileiro manteve-se por muito tempo relutante à vacinação, questionando sua eficiência e defendendo o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, como a cloroquina e a ivermectina, para reduzir o número de casos no país.
Outro ponto que se deve levar em consideração é a questão da logística. Desde o início do governo, o presidente Biden buscou ampliar tanto a produção como a distribuição de vacinas. Mesmo durante o governo Trump, os Estados Unidos já estavam incentivando a produção de vacinas pela indústria farmacêutica americana, tanto que nesse período desenvolveu-se as vacinas Moderna e Pfizer. Isso teve continuidade com a admissão de Biden, que chegou a fornecer apoio logístico e científico à Johnson & Johnson para que aumentasse o número de doses produzidas diariamente.
Nos 100 primeiros dias, Joe Biden também buscou ampliar a distribuição de vacinas pelo país ao criar grandes centros de distribuição administrados pela Federal Emergency Management Agency e permitir que a campanha de vacinação ocorresse em diferentes locais, incluindo até supermercados.
O Brasil na pandemia
No caso brasileiro, apesar dos laboratórios do Instituto Butantan e da Fiocruz serem responsáveis pela fabricação de vacinas no país, o Brasil ainda é extremamente dependente de matérias primas provenientes do exterior. Consequentemente, a ausência de matéria prima tem provocado inúmeras alterações no calendário de vacinação, fazendo com que a previsão de distribuição de vacinas entregues fosse reduzida constantemente. Diferentemente do governo Biden, também não houve um mínimo incentivo do governo federal para o desenvolvimento de uma vacina brasileira.
Deve-se evidenciar que a agenda pró-imunização de Biden não se restringiu apenas à medidas internas, mas também à mudanças históricas na política externa estadunidense. Na última sexta-feira, 5, Joe Biden anunciou que os Estados Unidos se aliaram aos países emergentes na defesa pela suspensão de patentes na Organização Mundial do Comércio (OMC). Historicamente, o governo americano sempre se posicionou de maneira muito rígida quanto às questões de propriedade intelectual. Em contrapartida, o Brasil, que sempre defendeu o acesso universal à produção científica na área da saúde, têm se posicionado contra essa suspensão desde o ano passado.
De fato, é possível constatar inúmeras diferenças entre as gestões de Biden e Bolsonaro em meio à pandemia. Para os próximos 100 dias, deve-se observar se as medidas estadunidenses terão continuidade e se o governo brasileiro adotará ações mais eficazes para controlar a pandemia.
NOTAS:
1 – https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,biden-quer-uma-politica-externa-que-ganhe-o-seculo-21-leia-artigo,70003698840
2 – https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2021/04/29/russia-china-e-afeganistao-biden-fala-sobre-relacoes-dos-eua-em-discurso
3 – https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2021/04/16/mudar-politica-sobre-cuba-nao-e-prioridade-para-biden-diz-porta-voz.htm
4 – https://oglobo.globo.com/mundo/em-viagem-de-enviado-de-biden-regiao-brasil-fica-de-fora-nao-so-do-roteiro-mas-tambem-da-agenda-24972754
5 – https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/04/leia-a-integra-do-discurso-de-bolsonaro-na-cupula-do-clima-com-checagens-e-contextualizacao.shtml
6 – https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/04/4919936-brasil-sai-da-cupula-dos-lideres-sobre-o-clima-em-descredito.html
7 – https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,salles-promete-reduzir-desmatamento-da-amazonia-em-40-se-brasil-receber-us-1-bi-dos-eua,70003669383
8 – https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-04/bolsonaro-encaminha-ao-congresso-anexos-acordo-entre-brasil-e-eua
9 – https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2020/10/brasil-e-eua-assinam-acordo-para-facilitar-comercio-e-fortalecer-esforcos-anticorrupcao
10 – https://opeb.org/2020/10/31/governo-bolsonaro-celebra-acordos-ainda-incertos-com-os-eua/
11 – https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-04/bolsonaro-encaminha-ao-congresso-anexos-acordo-entre-brasil-e-eua
12 – https://br.sputniknews.com/opiniao/2021042717418640-aprovacao-de-anexos-ao-acordo-brasil-eua-pode-fazer-comercio-deslanchar-afirma-ex-ministro/
13 – https://covid.cdc.gov/covid-data-tracker/#vaccinations
14 – https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/
15 – https://www.npr.org/2021/04/21/989487650/biden-says-goal-of-200-million-covid-19-vaccinations-in-100-days-has-been-met