29 de maio de 2021
Por Ana Paula Fonseca Teixeira, Felipe Augusto de Freitas Morales, Paulo Del Bianco Giuffrida, Stefanni Rossetti Christani e Gilberto M.A. Rodrigues
Segundo o CNDH, o que se viu nos últimos meses “não foram erros pontuais, falhas por desconhecimento ou falta de expertise necessária, mas um conjunto de ações e opções deliberadas, conscientes e coerentes, cujo resultado até agora são números estarrecedores”.
Denúncia da CNDH junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) (1) encaminhou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, em abril passado, o documento “Violações de direitos humanos no contexto da pandemia de Covid-19”, em que aborda a insuficiência da atuação do governo brasileiro em relação à pandemia da Covid-19. (2)
Tratando da resposta omissa do Estado brasileiro no contexto da crise sanitária da Covid -19, o CNDH destaca as tensões entre a União e os governos subnacionais, entre o Ministério da Saúde e o presidente, Jair Bolsonaro. Como afirmado pelo Conselho: “Não foram erros pontuais, falhas por desconhecimento ou falta de expertise necessária, mas um conjunto de ações e opções deliberadas, conscientes e coerentes, cujo resultado até agora são números estarrecedores”. As diversas trocas da pasta da Saúde também foram mencionadas, principalmente a nomeação de pessoas sem experiência alguma em saúde pública, formação relacionada ou sequer alguma efetivação em comitês de gestão nacional. O Conselho aponta que tais fatos também contribuíram para a ineficácia atribuída ao governo brasileiro.
O informe evidencia o discurso negacionista e a negligência do presidente da República que, desde o início, pronunciava-se de forma a minimizar a real gravidade da doença, continuamente incorporando comportamentos e posturas irresponsáveis, como a recusa de medidas de isolamento social e a divulgação de supostos tratamentos para a doença sem comprovação científica.
O documento também menciona a falta de planejamento na campanha de vacinação, demonstrando a ausência de um plano geral efetivo e detalhado. Por fim, o Conselho concluiu: “O conjunto de fatos e análises narrados nos permite concluir que o governo federal, principalmente pelo seu Ministério da Saúde, adotou o negacionismo como estratégia de lidar com a pandemia, executando de forma sistemática ações ao largo dos conhecimentos científicos existentes e deixando de absorver os avanços ocorridos durante o próprio estado de emergência pandêmica instaurado”.
A CPI da Pandemia
O Senado Federal deu início à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) (3) para investigar as ações e omissões do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia do Covid 19, em 27 de março. Ao final da investigação – prevista para durar 90 dias – deverá ser enviado um relatório à Advocacia Geral da União, Procuradoria Geral da República e demais órgãos de controle, os quais poderão tomar as medidas legais, caso se apure algum crime na investigação (4). Com efeito, em pouco mais de um mês de funcionamento, a CPI da Pandemia já reúne um farto conjunto de provas que comprometem seriamente o presidente e seus colaboradores, sobretudo o ex-Ministro da Saúde, General Eduardo Pazuello. O depoimento do CEO da Pfizer na América Latina (ex-representante da empresa no Brasil) foi crucial para demonstrar que o governo se omitiu em responder às ofertas de compra de vacina feitas pela empresa em 2020, o que poderia ter evitado milhares de mortes nos últimos meses, segundo estimativas de especialistas. A instalação da CPI da pandemia também é consequência de pressões e repercussões externas sobre a má gestão da pandemia no Brasil. Os episódios catastróficos da falta de oxigênio em Manaus e a carência de medicamentos para intubação em diversos estados ganharam manchetes em diversos jornais estrangeiros.
A discreta (re) aproximação da diplomacia brasileira com a OMS
Se as pressões externas contribuíram para a instalação da CPI da Pandemia, o funcionamento desta vem alimentando uma discreta reaproximação da diplomacia brasileira com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O Chanceler Carlos França, que sucedeu Ernesto Araújo, entrevistou-se com o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, visando obter o adiantamento de doses da vacina através do consórcio Covax Facility. Esta foi a primeira vez que o chefe da diplomacia brasileira se reuniu com a direção da OMS desde o início da pandemia.
Em outra frente, o ministro da Saúde Marcelo Queiroga – quarto chefe da pasta desde o início da pandemia -, participou de um painel da OMS, em 30 de abril. Queiroga pediu para que países com doses extras da vacina compartilhem lotes com o Brasil e relacionou o atraso na campanha nacional de vacinação à escassez de imunizantes. Segundo o jornalista Jamil Chade, Genebra vê com bons olhos as mudanças no Itamaraty e no Ministério da Saúde, e elas devem favorecer o retorno dos diálogos com o Brasil depois de um ano marcado por constantes críticas do Planalto à OMS. Após as alterações, a organização elogiou esforços brasileiros para acelerar a produção de vacinas, mas reforçou o pedido para que o país “exerça sua liderança histórica no combate a surtos e resposta a crises sanitárias”, um apelo diplomático para que governantes abandonem a posição negacionista frente à pandemia que tem marcado a atuação brasileira.
Mais pressões da ONU e do Parlamento Europeu
Em paralelo, a diretora de operações do Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Georgette Gagnon, expressou preocupações com a política de combate à pandemia implementada pelo governo Bolsonaro. Gagnon demonstrou inquietação principalmente com a situação dos povos nativos e da população carcerária no Brasil, e afirmou que “mensagens conflitantes de autoridades” junto com a subestimação do vírus podem atrapalhar o enfrentamento da Covid-19. A diretora ainda reforçou a parceria do órgão com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para “impedir que a pandemia atinja os mais vulneráveis”.
Ainda na mesma semana, durante debate no Parlamento Europeu, as atitudes do presidente Jair Bolsonaro voltaram a ser alvo de acusações. Eurodeputados acusam o presidente brasileiro de “irresponsabilidade deliberada”, assim como “declarar guerra à ciência”. Aponta-se que a necropolítica proposta por esse governo deve ser investigada por crimes contra a humanidade. O eurodeputado e membro fundador do partido Podemos, da Espanha, Urban Crespo, afirma que “Bolsonaro é protagonista das barbaridades e choca”. Segundo Crespo, o Brasil está sem credibilidade e somente irá recuperá-la “quando Bolsonaro sair”.
NOTAS:
1 – Conselho Nacional dos Direitos Humanos, CNDH apresenta à CIDH documento sobre violações de direitos humanos no contexto de pandemia pela covid-19 no Brasil., 2021.
2 – CHADE, J. Denúncia em órgão internacional diz que negacionismo é estratégia no Brasil. 2021a.
3 – MENDONÇA, A. Abertura da CPI da COVID é marcada por discussões e traição. 2021.
4 – FOLHA DE SÃO PAULO. Entenda a CPI da Covid e seus poderes e veja a lista de senadores que compõem a comissão. 2021.