13 de julho de 2021
Por Flávio Rocha, Tarcízio Melo, Julia Lamberti, Lucas Ayarroio, Thiago D’Carlo, Renan Ferreira (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)
O desgaste do governo Bolsonaro é o desgaste dos seus principais grupos apoiadores, e neles o que está na berlinda é justamente o dos militares.
Envolvimento de militares em escândalo da Covaxin
Desde seu início, o governo Bolsonaro conta com um elevado número de militares em sua composição. Essa relação, benéfica para ambas as partes, chegou em um momento extremamente delicado. Após denúncias e escândalos envolvendo os integrantes das Forças Armadas e o presidente, uma crise estourou no Exército Brasileiro, principalmente após a não punição do ex-ministro Pazzuello pela participação em ato ao lado de Bolsonaro no mês de maio. Obviamente, o ocorrido gerou revolta tanto por parte de parcelas da opinião pública e de boa parte da classe política, indo da esquerda até parcela das lideranças conservadoras. Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública do governo Temer, em entrevista ao El País, afirmou que o fato “incentivava a anarquia”.
A entrevista de Hamilton Mourão à GloboNews suscitou certa desconfiança de que poderia haver um possível consenso entre militares, empresários e parte da centro-direita e direita não bolsonarista para impedir que o presidente chegasse ao fim de seu mandato e, consequentemente, concorresse às eleições de 2022.
Poucos dias depois, um “superpedido” de impeachment seria lançado – com forte participação da esquerda e centro-esquerda – contando com nomes oriundos da direita, como o de Joice Hasselmann e Alexandre Frota, folclóricos ex-aliados do presidente da república. Não obstante, algumas horas após ser entregue, o superpedido foi seguido de um “superarquivamento” pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, líder do Centrão e, até o presente momento, aliado do presidente Bolsonaro.
Todavia, a imprevisibilidade da conjuntura política brasileira desafia os observadores mais experimentados ou mais imaginativos. No dia 7 de julho houve um episódio de choque e crise entre as FFAA e membros do sistema político. Mais especificamente, entre as Forças Armadas e a CPI da Covid. O fio causal tem origem nas suspeitas de corrupção no ministério da saúde quando esse era comandado pelo general (da ativa) Eduardo Pazuello e que envolviam a tentativa de compra da vacina indiana Covaxin, que não estava sequer aprovada e devidamente testada, ao mesmo tempo em que as ofertas da farmacêutica norte-americana Pfizer eram olimpicamente ignoradas pelos principais decisores do governo. O representante da empresa estadunidense Davati Medical Supply, tida como uma vendedora de vacinas, o policial militar (!) de Minas Gerais, Cabo (!) Luiz Paulo Dominghetti Pereira, deu uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, no qual afirmou que recebeu um pedido de propina de um dólar por dose em troca de fechar um contrato com o Ministério da Saúde. Dominghetti apontou que Roberto Ferreira Dias, diretor de Logística do Ministério, havia feito o ato de corrupção em jantar no restaurante Vasco, no Brasília Shopping. Finalmente, o representante também disse que Marcelo Branco, tenente-coronel do Exército, também esteve presente ao encontro.
Após essa entrevista, no dia 30 de Junho, a CPI da Covid no Senado aprovou a convocação do Tenente-Coronel do Exército Marcelo Branco, que foi assessor no departamento de Logística no Ministério da Saúde. Esse departamento era comandado justamente por Roberto Ferreira Dias, que foi exonerado do cargo após as denúncias e pouco antes de ter sido também convocado a depor na CPI. Durante a sessão, Dias tornou-se o primeiro depoente a sofrer voz de prisão por parte do presidente da comissão, Omar Aziz, por ter faltado com a verdade repetidas vezes durante as perguntas feitas pelos senadores.
Nesse intervalo, o general Eduardo Pazuello, ex-Ministro da Saúde, que se encontrava em exercício no cargo durante as negociações da Covaxin, manifestou-se sobre o ocorrido, afirmando que o presidente havia solicitado que ele realizasse uma apuração preliminar de uma possível corrupção na compra da vacina, mas sustentou que não havia encontrado irregularidades. Todavia, o posicionamento do general contradiz o parecer apresentado pela Controladoria-Geral da União (CGU), que determinou a suspensão do contrato do Ministério da Saúde com a empresa Precisa medicamentos, apontando cinco indícios de irregularidades presentes no contrato como justificativa. No documento, a CGU afirma que “tem-se processo de contratação de valor vultuoso sob o qual pairam suspeitas de possível ocorrência de irregularidades” e que “é urgente que a medida cautelar seja adotada, com a finalidade de assegurar a proteção ao interesse e cofres públicos”.
Então, no dia 7 de julho, o Ministério da Defesa e os Comandantes das três forças lançaram uma nota de repúdio em resposta a uma fala do senador Omar Aziz, feita durante uma sessão da CPI. Nessa fala, Aziz disse que “os bons das Forças Armadas devem estar envergonhados” e ainda que haveriam alguns membros do “lado podre” envolvidos com “falcatrua” dentro do Governo – algo visto como desrespeitoso e irresponsável por parte dos militares. E citou, nominalmente, alguns militares que estão aparecendo em depoimentos comprometedores, envolvidos em atos de corrupção ou incompetência governamental, ou crimes, como os Coronéis Élcio Franco e Glaucio Guerra (envolvido com o fornecimento suspeito de vacinas e irmão de um ex-policial federal acusado de integrar a milícia do Rio de Janeiro, segundo apurou a Agência Pública), ou o Sargento da Aeronáutica preso na Espanha por conta do tráfico de cocaína em avião da comitiva presidencial.
Aziz, porém, afirmou, em sessão no Senado, que a nota era uma “tentativa de intimidação” desproporcional, expressando, inclusive, indignação com a reação pífia do Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco que teria dito que o Parlamento não tentou ofender as Forças Armadas e que os senadores prezavam pela harmonia e estabilidade. Em sua conta no twitter, Aziz defendeu-se apontando que há uma tentativa de distorção de sua fala por grupos que se apegam às fake news.
Em entrevista à Rádio Jornal, na manhã de quinta-feira, 8 de julho, o ex-ministro da Defesa e ex-presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, desaprovou o tom da nota emitida, dizendo que as Forças Armadas devem ajudar a resolver os problemas e não causá-los – algo que estaria acontecendo, segundo sua análise. Porém, ressaltou que há confusão entre os que são da ativa e os pertencentes à reserva, os quais não têm vínculo, sendo, portanto “quase civis”.
A repercussão da nota das Forças Armadas foi negativa. No dia 8 de Julho, Carla Araújo na coluna de economia do UOL, apontou o incômodo do envolvimento de militares nos trabalhos da CPI, que foi verbalizado pelo general Walter Braga Netto. Segundo a colunista, após o ministro conversar com o presidente Bolsonaro, foi dado o aval para um contra-ataque das forças ao que consideraram como um ato ofensivo do senador Omar Aziz. E os casos de corrupção não foram abordados, propositalmente, na nota. E finalizou com a pergunta que está na mente de todos os observadores da cena política – e militar – brasileira: o que mudou para as FAs decidirem reagir de forma dura?
Vinícius Rodrigues Vieira, por sua vez, escreveu que “a nota de repúdio das Forças Armadas contra Aziz entrará para a história como o momento em que o novo autoritarismo atravessou o Rubicão dos pudores políticos para golpear de vez a democracia”. Na prática, as Forças Armadas não estariam divididas, mas convergiriam para um autoritarismo de direita. Nas eleições de 2022, eles se comportarão como um poder tutelar e, caso o futuro presidente não aceite esse papel, os militares serão uma fonte de instabilidade institucional. A sinalização que eles terminam enviando, para a CPI e para o resto da sociedade, é que Bolsonaro sai do poder apenas se quiser.
Igor Gielow, escrevendo um dia após a publicação da nota de repúdio das Forças Armadas, afirma que a crise entre os militares e a CPI expõe esses últimos como tigres de papel criados por Bolsonaro. Após fazer críticas pontuais a certos eventos midiáticos da CPI, como a prisão de Roberto Dias decretada por Aziz, o jornalista chama a atenção para o que está sendo exposto publicamente: a presença ostensiva do estamento militar em processos de corrupção ou incompetência administrativa nas entranhas do Ministério da Saúde. As Forças Armadas estão sendo escrutinadas e a associação com a corrupção vai acontecendo quase que automaticamente. Ao se comportarem como o próprio presidente em suas costumeiras e ineficientes explosões e protestarem através de “rugidos” públicos, as FFAA terminam se comportando como tigres de papel – a menos, claro, que desejem violar a Constituição.
Interessante foi a matéria do Correio Braziliense. Nela, assinada por Renato Souza, foi relatado um encontro ocorrido no Palácio do Planalto e do qual participaram os comandantes militares, o ministro da defesa, o chefe da casa civil, o ministro chefe do GSI e o próprio presidente Bolsonaro. Também participaram os diretores da Abin e da Polícia Federal, ou seja, todo o comando do aparato securitário não-militar. Essa reunião aconteceu apenas um dia antes das Forças Armadas publicarem as críticas ao senador Omar Aziz.
O objetivo foi a realização de um balanço dos 30 meses do governo Bolsonaro. Mas a coisa foi além e houve uma avaliação mais detida dos recentes protestos pelo país, que foram contra o governo e, especialmente, contra a figura do presidente. Houve a produção de imagens criticando o protesto e ressaltando a presença de símbolos comunistas nas manifestações. Na matéria, foi ressaltado o fato de que, a partir da avaliação, a tendência é de que as Forças Armadas não deixariam de se manifestar politicamente na defesa do Executivo e de seus interesses. Relembrando: essa reunião aconteceu apenas um dia antes dos militares terem soltado a nota atacando o Senador Aziz.
Movimento crescente
O movimento político começa a ganhar uma maior tração no Brasil a partir do segundo semestre de 2021. A crise sanitária produziu mais de quinhentas mil mortes e afetou a já combalida economia brasileira, atingindo em cheio as classes mais pobres. Politicamente, o governo Bolsonaro encontra-se em desgaste crescente, dependendo do centrão e dos militares para manter a sua estabilidade (e vendo os dois grupos se desentendendo justamente na questão das vacinas, algo que a CPI começa a desvendar agora). As manifestações lideradas pela oposição de esquerda e pela sociedade civil, porém, cada vez mais agregando setores da direita, começam a crescer e chamam a atenção da comunidade internacional.
O desgaste do governo Bolsonaro é o desgaste dos seus principais grupos apoiadores, e neles o que está na berlinda é justamente o dos militares.
Nesse contexto, é prudente acompanharmos os movimentos das Forças Armadas brasileiras, e mais prudente ainda imaginarmos possíveis cenários nos quais elas atuem de maneira mais assertiva nos próximos meses. Daqui até 2022 haverá uma grande possibilidade delas reagirem institucionalmente ao que veem como intromissão em seus interesses, acumulando forças e capital político para manterem os seus ganhos não importa qual seja o resultado do processo eleitoral que ocorrerá no próximo ano. Isso significa, na prática, manterem o papel tutelar sobre o futuro presidente, seja ele de esquerda ou de direita.
Considerando-se o imponderável que se instalou na vida política nacional, também é prudente considerar que elas mesmas podem começar a ter dúvidas se poderão manter esse papel histórico de tuteladoras do poder civil no futuro.
A conferir.
Petrobras e a aprovação dos mercados com a nova presidência
No dia 25 de junho, o atual presidente da Petrobras, General Joaquim Silva e Luna, foi ouvido pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, na Câmara Federal, onde discorreu sobre o seu compromisso com a política de paridade de preços internacionais e com o plano de desinvestimento da companhia. Na Câmara, defendeu a venda das principais refinarias da empresa (responsáveis por quase 50% da produção de refino nacional) com a justificativa de uma possível redução futura nos preços dos combustíveis ao consumidor final, resultado da entrada de novos concorrentes no segmento de refino do petróleo. Isto é, a estatal deixará seu monopólio sobre o refino – com maior valor agregado do que a extração bruta para a exportação -, caso consiga concretizar a meta de venda de oito refinarias (no total de 13), com a promessa subjetiva – o general não soube explicar de forma aprofundada tal afirmação quando questionado pelos deputados – de uma redução nos postos de combustíveis. Além disso, outros ativos serão desfeitos, com o objetivo, segundo o presidente, de gerar caixa e diminuir o endividamento, que encerrou o ano de 2020 em 75,5 bilhões de dólares (valor bruto).
A Petrobrás encontra-se, hoje, distante do período turbulento em que se encontrava no início do ano, especialmente devido à intervenção de Bolsonaro, que resultou na remoção do antigo presidente da estatal. Houve um temor de que haveria uma intervenção governamental na política de preços dos combustíveis. Atualmente, pode-se defender o argumento de que há, em certa medida, aprovação dos mercados com a atuação do general Luna no comando da petroleira.
A posse do militar foi vista como uma tentativa de sinalização do governo para seus eleitores (como os caminhoneiros), os quais criticaram os sucessivos aumentos dos custos dos combustíveis nos postos de abastecimento ocorridos em 2021. O discurso era de mudança para que a Petrobras não continuasse com o quadro de alta. Entretanto, o que houve foi uma continuação das gestões que se sucederam desde 2016, em que não houve nenhuma mudança significativa na política de preços. Apesar de umas poucas reduções nos valores dos combustíveis realizadas desde a chegada de Luna, e que, na prática, não implicaram em alterações substanciais no preço final para a população, houve uma tendência de novos aumentos, como o que ocorreu na terça-feira do dia 5 de Julho, no qual houve um reajuste de 6,7% no litro da gasolina e de 3,7% no litro do diesel. Vale ressaltar que esse reajuste foi fortemente aplaudido pelo mercado que, por sua vez, anseia por maiores aumentos até o fim do ano.
A crise energética
Catalisando ainda mais o cenário de crise que afeta o governo e os militares, em 2021 o fantasma do apagão retorna nas vésperas da nova corrida presidencial no Brasil e em plena reverberação da CPI da Pandemia que vem abalando os alicerces do governo. Sob liderança de Bento Albuquerque, almirante de esquadra da Marinha Brasileira, o Ministério de Minas e Energia anunciou a possibilidade de um novo racionamento de energia, por enquanto intitulado “voluntário”. Bolsonaro, presidente da República, enfrenta uma crise hídrica, a maior dos últimos 91 anos, que ameaça o fornecimento de energia elétrica em todo país e setores, industriais, comércios e residências.
Na segunda-feira, 28 de Junho, o Ministro de Minas e Energia fez um pronunciamento alertando da pior crise de água nos reservatórios das usinas hidrelétricas nos últimos 91 anos. No pronunciamento, o ministro mencionou a possibilidade de racionamento “voluntário” de água e energia. Para tentar evitar o problema, o governo vem trabalhando em uma medida provisória para centralizar a gestão d’água e guardá-las nos reservatórios.
Por causa da crise nas hidrelétricas, a geração de energia nas usinas termelétricas tem batido recordes nas últimas semanas, o que impacta diretamente no custo da luz, tendo sido anunciado no dia 29 de Junho, pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), um reajuste nas bandeiras tarifárias. A Agência aprovou um reajuste de 52% na bandeira vermelha (patamar 2), uma taxa adicional cobrada nas contas para fazer frente aos custos com a geração de energia. Além disso, o governo também vem preparando um leilão, no qual colocará mais usinas térmicas no sistema, além de negociar aumento nas linhas de transmissão de energia e a inauguração de usinas de geração, em negociação com seus operadores.
Bento Albuquerque, todavia, afirmou que não há risco do Brasil voltar a enfrentar racionamento compulsório ou apagão devido à grave crise hídrica. Em entrevista à TV Senado, Albuquerque disse que o governo monitora o sistema elétrico 24 horas por dia e que está adotando medidas desde o final do ano passado. O governo vem trabalhando na Medida Provisória para criar a “Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética”, a CREG. Presidido por Albuquerque, a agenda poderá determinar mudanças nas vazões de reservatórios e hidrelétricas, o grupo interministerial que “estabelecerá medidas emergenciais para a otimização do uso dos recursos hidroenergéticos, a fim de garantir a continuidade e a segurança do suprimento eletroenergético no País”. O Ministro, que também já esteve no programa de desenvolvimento nuclear brasileiro e no programa nuclear da Marinha, explicou que a escassez nos reservatórios levou à necessidade de acionar mais usinas termelétricas, que geram uma energia mais cara. Albuquerque responsabiliza o cenário como uma “consequência da crise hídrica” e afirma que as usinas térmicas dão mais segurança ao fornecimento de energia.
O sistema elétrico hoje é muito mais robusto e resiliente do que em antigos cenários semelhantes. A participação das hidrelétricas é menor do que era há duas décadas. Segundo o Ministério de Minas e Energia, a dependência das hidrelétricas caiu de 85% para 61%, nos últimos 20 anos, com aumento da participação de fontes limpas e renováveis, como eólica, solar e biomassa — mas também com o aumento do uso de usinas termelétricas com combustíveis fósseis, mais caras e poluentes.
Entretanto, a crise energética pode se tornar ainda maior, já que a produção industrial brasileira, que depende da eletricidade, subiu 1,4% em maio, na comparação com abril, após três meses consecutivos de queda, segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao mesmo tempo, não é só a conta de luz que fica mais cara. Os aumentos nas tarifas de energia também afetam o preço de diversos produtos e serviços, pressionando a inflação em um momento de atividade muito mais fraca que o desejável. E o gargalo no fornecimento de energia pode, também, afetar alguma retomada da atividade econômica já nesse segundo semestre, e afetando o próximo ano.
A crise hídrica: a falta de chuvas tem origem no desmatamento
Em abril deste ano, o desmatamento da Amazônia bateu mais um recorde pelo segundo mês consecutivo. Dados do Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostram que foram registrados 580 quilômetros quadrados de destruição. Em março, foram 367 quilômetros quadrados. Isso representa um aumento de 43% em relação ao mesmo mês do ano passado, com 406 quilômetros quadrados de mata destruídos. Ao longo dos últimos 10 anos, o desmatamento vem gerando um déficit de chuvas. Com isso, trata-se da possibilidade de escassez de água, bem como de energia elétrica. O volume atual de chuvas foi de 68% da média histórica, deixando os reservatórios da região Sudeste com apenas 29% da capacidade total.
Além da interferência do desmatamento na falta de chuvas, o fenômeno natural e recorrente, El Niña, ocorre quando há uma diminuição natural no fluxo de chuvas sobre o continente e teria relação com a falta d’água. O fenômeno, porém, não justifica os níveis baixíssimos do recurso hídrico no Brasil. Com uma política menos rígida de proteção ambiental, os órgãos responsáveis pela preservação, como o Instituto Chico Mendes, teve um drástico corte de verba de 12%, e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) teve redução de 4%.
Nesse contexto hídrico-ambiental, não se pode perder de vista que os militares estão envolvidos em operações que visam, segundo eles, conter o desmatamento. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou no dia 06 de julho que cerca de 3 mil militares das Forças Armadas serão deslocados para atuar em ações de apoio e combate ao desmatamento. O vice chamou a atenção ainda para a contratação temporária de mais de mil brigadistas pelo Ministério do Meio Ambiente, que, segundo ele, passou a contar com mais 3,2 mil pessoas presentes em campo.
As ações da Operação Samaúma, que visa combater crimes ambientais, ocorrerão em 26 municípios que apresentam maior quantidade anual de alertas de desmatamento, localizados no Amazonas. As florestas protegidas, que são fiscalizadas pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), registraram 11.296 hectares de desmatamento, número bem superior ao registrado em maio de 2020, quando 2.741 hectares de florestas foram perdidos.
Mourão disse que o governo precisa melhorar os números para chegar à Conferência do Clima (COP-26), em novembro, com o Brasil menos pressionado por sua atuação na área ambiental. Ou seja, para permitir que o país tenha um “respiro” no âmbito de suas relações exteriores, aliviando, ainda que minimamente, o estrago internacional que a gestão desastrada do presidente Bolsonaro fez na imagem do Brasil na questão do meio ambiente. Isso era problemático na relação com a União Européia, e ficou ainda pior com a agenda ambiental de Joe Biden nos Estados Unidos. E não se pode esquecer que as Forças Armadas brasileiras, exército à frente, estão interessadas em manter as melhores relações possíveis com Washington.
Mourão afirmou que tem relação “tranquila” com o novo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Pereira Leite, com quem se reuniu no dia de 2 de Julho, pela primeira vez, para “acertar questões de coordenação” das operações de combate a crimes ambientais. O General já havia levantado críticas ao antigo líder da pasta ambiental, Ricardo Salles, quando este não compareceu à quinta reunião do Conselho Nacional da Amazônia Legal. Neste dia, o ex-ministro já estava era alvo da operação Akuanduba, que investiga a exportação ilegal de madeira para Estados Unidos e Europa.
A Visita do Diretor da CIA
No dia 2 de julho, houve a visita do diretor da CIA, William J. Burns, ao Brasil. A visita foi envolta em mistério, o que gerou fortes especulações na grande imprensa – que não a noticiou muito – e na mídia alternativa. A agenda dos encontros foi mantida em sigilo, mas os noticiários informaram que ele foi recebido pelos Generais Augusto Heleno (GSI) e Walter Braga Netto (Defesa), pelo chefe da ABIN, Alexandre Ramagem, e pelo próprio presidente da República. Nessa recepção, duas coisas chamam a atenção: primeiramente, a presença dos generais. Para além das funções institucionais, cabe lembrar que é do interesse das Forças Armadas manter as melhores relações possíveis com os Estados Unidos, por razões ideológicas, doutrinárias e geopolíticas. Em segundo lugar, há o fato de que um chefe de Estado recebeu o diretor de uma agência de inteligência de uma potência estrangeira em época de paz. Isso é totalmente fora dos protocolos, e só mostra, simbolicamente, como o presidente Bolsonaro carece de um entendimento das liturgias que cercam o seu posto – ou entende, mas preferiu usar a visita para mandar um recado para a oposição interna, talvez à revelia do que teriam desejado os norte-americanos.
Como ainda não há dados mais concretos sobre o que foi discutido, só resta a especulação tendo como base o que se observa em termos dos interesses concretos dos Estados Unidos, bem como uma análise das conjunturas políticas brasileira e internacional. No presente momento, há uma disputa em curso entre EUA e China, que se estende a todos campos possíveis. Ela envolve aspectos militares, econômicos, diplomáticos e tecnológicos. Geopoliticamente falando, a América do Sul tornou-se uma das arenas dessa competição, e o Brasil é o “protagonista” principal da região. Os EUA estão se movendo no sentido de dificultar a atuação dos chineses no subcontinente, e um dos motivos imediatos da competição reside na instalação das estruturas das telecomunicações em 5G, nos quais a China ameaça ditar os padrões mundiais.
Washington não deseja ver Beijing implantando a rede 5G brasileira, e a visita do diretor da CIA pode ter uma pauta anti-chinesa, de uma maneira geral, e um foco mais de curto prazo na questão tecnológica. Ocorre que o maior parceiro comercial do Brasil é a China, um setor importante como o agronegócio é o maior vendedor para esse país. Ele tem apoiado o governo Bolsonaro e não estará disposto a trocar suas vendas para o mercado chinês por questões ideológicas ou geopolíticas que impliquem em perdas econômicas. Acrescentem-se, nesse contexto, as relações estremecidas entre o presidente Bolsonaro e o presidente Biden e as coisas ficam muito complexas. Resumindo: existe um jogo em curso, e por enquanto só podemos especular sobre a visita.
Claro, uma visita da CIA sempre chama a atenção. Especialmente por conta dos atores que foram se encontrar com o diretor Burns e pelo fato de que o Congresso simplesmente normalizou o encontro e não pediu nenhuma informação sobre o teor do que foi conversado. Pior: se pedir, o governo Bolsonaro provavelmente não informará nada e isso também será normalizado…
Publicado originalmente em 09 de julho de 2021 na coluna do OPEB no Brasil de Fato.