10 de agosto de 2021
Por Flávio Rocha, Tarcizio Melo, Julia Lamberti, Lucas Souza, Renan Ferreira,
Thiago Ramalho e Diego Jatobá
(Foto: FAB)
Apesar do desgaste que colhem por graves suspeitas de participação em esquemas ilícitos de compras de vacinas, os militares brasileiros aumentam sua influência no governo Bolsonaro, aprofundam sua participação política e estreitam relações com a política de defesa dos Estados Unidos.
Militares e Política Doméstica
Houve uma pausa na CPI da Covid durante julho, mas as denúncias sobre o envolvimento suspeito de oficiais do Exército durante a gestão Pazuello continuaram repercutindo, inclusive internacionalmente.
No dia 22 de julho, o The New York Times publicou um texto de Gaspar Estrada, diretor do Observatório Político da América Latina e Caribe da Sciences Po. Nesse artigo, o cientista político qualifica o governo Bolsonaro como sendo de extrema-direita, e acusa o presidente de promover a indisciplina no Exército e, ao mesmo tempo, ameaçar a organização das eleições presidenciais de 2022. Descrevendo o processo de degradação institucional brasileiro, o autor afirma que poucos setores foram tão duramente impactados como a defesa nacional e o Exército.
Estrada chama a atenção para o noticiário da imprensa brasileira, que dá conta do elevado número de militares na máquina pública, do apadrinhamento político feito por oficiais em ministérios importantes como o da saúde e do fato de que alguns generais aproveitaram-se do momento para acumular poder e enriquecer. Ao citar a CPI da COVID, ele discorreu sobre a descoberta do desvio de recursos da Saúde para a manutenção de aviões militares e o envolvimento de oficiais da ativa e da reserva na compra de vacinas a preços superfaturados, comprometendo o General Pazuello.
Gaspar Estrada cita negativamente a nota que os três comandantes soltaram criticando a CPI, afirmando que as maiores autoridades militares terminaram exigindo impunidade para seus membros e, com comportamentos similares, estariam referendando a posição golpista do presidente Bolsonaro. O pesquisador terminou o artigo afirmando que as Forças Armadas deveriam colocar-se em defesa da democracia, e que a experiência traumática da ditadura militar era uma lembrança de um autoritarismo político que não deveria voltar a ocorrer.
No dia 4 de agosto, o comando da Aeronáutica reuniu-se com o ministro do STF, Gilmar Mendes. Nele, o Brigadeiro Carlos Baptista Júnior, comandante da Força Aérea, reuniu-se privadamente com Mendes. No almoço, Baptista Júnior e outros militares afastaram qualquer possibilidade de apoiar uma ruptura da ordem democrática.
Militares e vacinas
Com o retorno da CPI da COVID no início de agosto, o segundo depoente a ser ouvido, foi o tenente-coronel e ex-assessor do Ministério da Saúde, Marcelo Blanco. O oficial foi implicado num depoimento anterior feito por um policial militar, o cabo da PM mineira Luiz Paulo Dominghetti, representante e lobista da empresa Davati Medical Supply, na reunião que este teve com Roberto Dias, ex-diretor de logística da pasta da Saúde, em fevereiro, no restaurante Vasco. Nesse encontro, ocorrido em fevereiro, Dominghetti afirmou que Dias havia pedido propina. Segundo Blanco, presente ao mesmo encontro, nem ele nem Dias pediram qualquer vantagem para a compra das vacinas.
Em sua defesa, Blanco disse que estava prospectando Dominghetti como um possível parceiro em vendas futuras para a iniciativa privada, e não para o Ministério da Saúde. Na CPI, ele foi pressionado e questionado pelos senadores quanto a natureza do encontro e ao fato de que ele tinha uma empresa de consultoria financeira que foi convertida rapidamente para representação comercial tão logo ele foi desligado do Ministério. Ocorre que o tenente-coronel chegou na pasta junto com a trupe do General Pazuello e do Coronel Élcio Franco, outro que é constantemente citado por vários depoentes como sendo responsável pela compra das vacinas – ou pelo atraso na aquisição de determinadas marcas dos imunizantes.
Uma notícia que dá uma medida dos interesses prebendários das forças armadas em apoiar o governo Bolsonaro foi publicada no site da revista Fórum. A partir de dados públicos obtidos no Portal da Transparência, foi informado que cem generais do exército receberam a patente de marechal. Essa designação hierárquica havia sido extinta em 1967 (curiosamente, durante o Regime Militar), e era atribuída a oficiais-generais considerados heróis nacionais por terem comandado grandes contingentes durante guerras. Em 1980, com a Lei 6880, a possibilidade de promoção ao posto retornou, mas apenas em condições de guerra.
Segundo Henrique Rodrigues, autor da matéria, foi a partir da Lei 13954, de 2019, e que dispõe sobre a previdência dos militares, que foi feita a interpretação que possibilitou a promoção de vários generais ao posto de marechal (no caso da Marinha e da Força Aérea, houve a elevação hierárquica a postos equivalentes, de Almirante e Marechal-do-Ar, respectivamente). A revista Fórum tentou obter explicações junto ao Ministério da Defesa, mas não obteve nenhuma resposta.
E quem foram os generais beneficiados? Na massa de oficiais, destacam-se apoiadores do presidente Bolsonaro e participantes notórios do processo que culminou com o impeachment da presidente Dilma Roussef: Augusto Heleno, Eduardo Villas-Bôas e Sérgio Etchegoyen. Também foram promovidos Edson Leal Pujol, que nunca foi visto como bolsonarista, e Juniti Saito, comandante da Força Aérea durante o governo Lula.
Porém, a nota mais escandalosa ficou por conta de notícia também publicada pela Fórum: o Coronel Brilhante Ustra, notório torturador do exército brasileiro, também foi agraciado pela farra dos marechais. Além do evidente escândalo que é essa promoção, que é indicativo do caráter de extrema-direita do governo Bolsonaro, chama a atenção que, pela regra de promoções do exército, Ustra só poderia ser promovido a um posto acima, ou seja, General de Brigada.
No dia 6 de agosto, o exército respondeu a um questionamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo sobre essas promoções. Em matériae escrita por Rubens Valente, a força terrestre negou qualquer promoção dos generais ao posto de marechal. O que ocorreu, ainda segundo os militares, foi que eles cumpriram um dispositivo da legislação brasileira que determina que os oficiais devem receber os proventos do grau hierárquico superior assim que passam para a reserva. Isso não implica em que eles terão o posto de Marechal.
Todavia, não houve explicação sobre o caso de Brilhante Ustra e a matéria não realiza nenhum tipo de questionamento mais incisivo e tem um tom quase que de reprodução da visão oficial do exército.
Fardados nos jogos
Apesar, ou por causa, do desgaste crescente que estão sofrendo por serem parte integrante do Golverno Bolsonaro, os militares procuraram tirar proveito de um grande evento internacional para tentar projetar uma imagem positiva junto à opinião pública: os Jogos Olímpicos de Tóquio.
Pode-se dizer que eles estão usando uma variação de um fenômeno conhecido no âmbito das relações internacionais: o soft power. De fato, não há nada de novo nesta ação, pois eventos deste porte, como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de Futebol , são percebidos como um grande palco para a política em geral e, claro, para promover interesses e melhorar qualquer tipo de imagem acerca de um país específico. Há uma ampla literatura que explora as conexões entre os eventos esportivos e a política internacional, e pode-se citar como exemplo as Olimpíadas de Pequim, em 2008, e a Copa do Mundo do Brasil, em 2014. Os próprios jogos de Tóquio podem ser vistos como exemplo desta ação, por parte dos japoneses.
As redes sociais das Forças Armadas exaltam a participação de “seus” atletas. O Ministério da Defesa (comandado por um general, e não por um civil) tem feito isso, com o uso da hashtag #DefesaNasOLIMPÍADAS, reforçando o apoio do Ministério às campanhas destes atletas nos jogos. Uma página especial, toda dedicada ao tema, foi criada com o objetivo de explicitar a atuação dos militares, bem como um quadro de medalhas que separa as conquistas obtidas pelos mesmos dos demais atletas civis.
Porém, surge uma questão: até onde esse soft power é benéfico para as Forças Armadas? Historicamente, muitos foram os casos em que países obtiveram sucesso por meio desse método, popularizando inúmeros personagens esportivos em diversos meios, como as propagandas dos atletas dos Estados Unidos em meio à Guerra Fria, do futebol argentino que viu um troféu da Copa do Mundo como uma revanche contra Inglaterra pela derrota na Guerra das Malvinas. Porém, em nosso país não houve um resultado totalmente positivo nos Jogos Olímpicos do Rio em 2016, em que a imagem do Brasil não melhorou o que se esperava. Ou seja, ainda que tal atitude possa ser eficiente, despertando reações como “pelo menos eles fazem alguma coisa”, não há garantia sólida de seus resultados.
E estamos falando de soft power relacionado a países e eventos esportivos que simbolizam, de alguma maneira, coletividades nacionais em disputa. No caso das Forças Armadas, o que se vê é a tentativa das instituições castrenses de melhorarem a sua imagem num contexto que é crescentemente negativo politicamente, com pouco engajamento do público brasileiro nas comemorações.
Vale ressaltar que a participação destes atletas nas Olimpíadas se dá pelo Programa Atletas de Alto Rendimento (PAAR), feito em parceria com o Ministério da Defesa. Além disso, os esportistas contam também com bolsas, como a Bolsa Atleta – orgulhosamente ostentada como um dos maiores programas de patrocínio ao atleta do mundo – e a Bolsa Pódio – para atletas de elite que possuem chances de vitória, sendo ambas pagas pelo Ministério da Cidadania, mas exaltadas e apropriadas pelos militares em seu discurso de glória ao apoio das FFAA a tais esportistas. A maioria, senão todos, possuem patente de sargento dentro da instituição a que pertencem – algo também lembrado com frequência pelos militares. Essa estratégia, no entanto, não é nova, nem mesmo por parte das FFAA. Em 2016, já havia um movimento de tentar passar uma imagem positiva com os atletas olímpicos. É fato conhecido que os militares brasileiros perseguem obstinadamente um ideal de perfeição a ser passado – e aceito – pela população civil em muitas áreas. Ironicamente, trata-se de uma política pública de apoio ao esporte que teve sua origem nos governos petistas, que são frequentemente criticados tanto pelos oficiais generais da ativa como da reserva…
Militares e política de defesa
Em agosto, seis oficiais brasileiros começaram o ano letivo no Colégio Interamericano de Defesa, CID, em Fort Lesley J. McNair, uma base do exército norte-americano. A turma é composta de alunos de 14 países das Américas. No CID, os brasileiros farão o Mestrado em Ciências de Defesa e Segurança Interamericanas. A direção do Colégio tem um integrante da FAB entre os seus quadros, o Brigadeiro do Ar Leonardo Chaves Rodrigues.
O CID é ligado à Junta Interamericana de Defesa, que é, desde 2006, uma entidade dentro da OEA, tendo como função fornecer assessoramento em temas militares e de defesa no continente. O Colégio planeja implementar um programa de Doutorado em Segurança e Defesa Interamericanas a partir de 2024. Em março de 2021 ele celebrou um acordo de cooperação acadêmica com a ESG.
A troca acadêmica na área de defesa é sempre interessante, mas há que se levar em conta a preponderância dos EUA na organização, e especialmente o contexto histórico de competição crescente com a China, que se estende a toda a América Latina no presente governo Biden. Nos marcos do horizonte geopolítico das Forças Armadas brasileiras, é de se esperar que o aumento da cooperação com as suas contrapartes estadunidenses aumente consideravelmente daqui até 2022, e mesmo depois. E a cooperação acadêmica com os Estados Unidos sempre embute uma tentativa de cooptação ideológica e política por parte desse país.
Brasil na OTAN?
Entre 28 de junho e 10 de julho, ocorreu a Operação Sea Breeze no Mar Negro, liderada pelos EUA e pela Ucrânia, e ostensivamente dirigida contra a Rússia. Participaram mais de 5 mil soldados de 30 países integrantes da OTAN e 32 navios. Além deles, países que não são membros da organização, como Japão, Israel e Coréia do Sul, também participaram das manobras. O Brasil também participou com um destacamento da Marinha.
Esse exercício naval acontece em meio ao recrudescimento da competição geopolítica global envolvendo os Estados Unidos e seus aliados, de um lado, contra a China e a Rússia. O governo Biden busca reorientar as alianças tradicionais dos EUA no sentido de conter russos e chineses, o que não é fácil dado a presença geoestratégica de Moscou e a participação chinesa na economia mundial. Além dos parceiros militares da OTAN e do Japão, Washington procura agregar países estratégicos aos seus interesses nesse momento, e o Brasil é um desses atores estatais que entrou no radar estadunidense.
Em texto publicado no site do OPEU, Williams Gonçalves tece algumas considerações interessantes sobre essa participação brasileira como um aliado da OTAN contra a Rússia. Segundo o autor, Biden relançou ostensivamente o projeto hegemônico dos EUA para o mundo pós-Covid 19. Nele, é desenhado um arco de alianças de países democráticos liberais liderados pelos estadunidenses e que buscarão conter estados transgressores e autoritários, e que basicamente são capitaneados pela China e pela Rússia.
Ao participar da Operação Sea Breeze, a Marinha do Brasil vai contra teses que ela própria defende, ou seja, de que o Brasil tem interesses marítimos no Atlântico Sul, África Ocidental, Antártica e América do Sul e que deveria ocorrer uma desmilitarização dessa região – leia-se, que ela não deve ser palco de disputa das principais potências militares do mundo, e entre elas a dos principais países da Aliança Atlântica. Vincular-se à OTAN como um Estado parceiro vai contra essas teses porque, para os membros dessa organização de defesa coletiva, não há um Atlântico Sul, mas sim um único oceano Atlântico.
Ainda segundo Gonçalves, a participação do Brasil nessas manobras sinaliza que a China e a Rússia são potências inimigas e que os decisores brasileiros executam uma política de defesa que é submissa ao projeto hegemônico norte-americano. Pode-se acrescentar dois outros elementos que estão ausentes na análise de Gonçalves: um deles diz respeito ao novo documento da Estratégia Nacional de Defesa, que foi elaborado no governo Bolsonaro sem nenhuma grande discussão na sociedade e que está, em tese, parada para avaliação do Congresso Nacional. Nela, a América do Sul é vista como uma região passível de enfrentar conflitos militares, e isso na fronteira do Brasil. Quando esse documento foi discutido na imprensa brasileira e por alguns acadêmicos, foi apontado o fato de que os militares brasileiros estavam pensando na presença chinesa e russa na Venezuela. Logo, um dos elementos que pode ter influído na decisão da participação das manobras no Mar Negro foi, justamente, a percepção da presença russa no país vizinho.
O outro elemento é mais complicado: a decisão de participar foi do governo Bolsonaro ou foi executada exclusivamente pela pasta da Defesa? Traduzindo: ela foi uma decisão feita pelas Forças Armadas sem a influência do poder civil? Essa é uma questão importante e que ninguém está fazendo no presente momento quando se pensa na política de defesa e nas relações com os Estados Unidos em termos de cooperação militar.
Se a decisão foi tomada pelas forças armadas e depois referendada pelo governo Bolsonaro, então temos um problema que vai permanecer após o processo eleitoral de 2022: um insulamento burocrático no setor de defesa que influirá nas relações exteriores com a principal potência do planeta, e que pode causar tensões com o principal parceiro comercial do país, a China.
Os EUA em Brasília
Na primeira semana de agosto, o NSA (National Security Advisor/Conselheiro de Segurança Nacional) dos EUA, Jake Sullivan, visitou o Brasil e manteve encontros de alto nível com o presidente Bolsonaro, o chanceler Carlos França, e os ministros militares Braga Neto (Defesa), Augusto Heleno (GSI) e Flávio Rocha (SAE). Trata-se da maior autoridade estadunidense a visitar o país desde a posse de Joe Biden, e isso em meio às relações problemáticas motivadas pelo posicionamento do presidente brasileiro após a derrota de Donald Trump nas eleições norte-americanas de 2020.
Jake Sullivan chefia o National Security Council/Conselho de Segurança Nacional. Esse órgão foi criado pelo presidente Harry Trumman na grande reforma que reorganizou os aparatos securitário e de política externa dos EUA no início da Guerra Fria. A ideia básica dessa instituição é que ela é ocupada por um representante que é uma escolha direta dos presidentes norte-americanos, e que atua como um elemento de confiança dos líderes do país no relacionamento com a burocracia civil e militar que lida com as questões de defesa e política externa. Nesse sentido, pode-se considerar que a visita de Sullivan tem mais significado político do que a visita do diretor da CIA, William Burns: trata-se da visita de um representante direto do presidente Biden.
A maior parte do noticiário destacou, corretamente, o foco com a China no caso do 5G e a busca de uma relação mais pragmática com o governo Bolsonaro. Porém, faltou uma leitura nos detalhes geopolíticos.
Um deles foi noticiado, mas não devidamente apreciado: junto com o Sullivan, integraram a comitiva norte-americana Tarun Chhabra, diretor do NSC para Tecnologia e Segurança Nacional, e Amit Mital, diretor para Estratégia de Cibersegurança. Segundo os documentos da Estratégia Nacional de Defesa, o responsável oficial pelo setor de segurança cibernética é o exército brasileiro, e todas as forças armadas estão envolvidas com áreas-chave da tecnologia, como a área aeroespacial (FAB) e Nuclear (Marinha). É do interesse dos Estados Unidos criar barreiras para a China no setor cibernético e de telecomunicações, e entre eles o 5G, e manter as vantagens no setor aeroespacial. E, ao mesmo tempo, acompanhar de perto tudo que diz respeito ao desenvolvimento da vertente nuclear em países como o Brasil.
Aos militares brasileiros interessa aprofundar os laços de ligação estratégica com os Estados Unidos, como já foi discutido repetidas vezes no OPEB desde o primeiro ano do governo Bolsonaro. No setor aeroespacial, existe a cooperação em torno da Base de Alcântara, no qual a Força Aérea deu sinal verde para que os recursos fossem captados e ignorou qualquer discussão em torno da impossibilidade de destinar o dinheiro do aluguel para o desenvolvimento de um Veículo Lançador de Satélites Nacional.
As três forças tem estreitado a cooperação técnica e política com as suas contrapartes nos Estados Unidos, especialmente no âmbito da participação na estrutura hirárquica do Comando Sul, situado na Flórida. Esse relacionamento faz parte do conjunto de interesses de política externa executado em termos institucionais e políticos por parte de marinha, exército e aeronáutica.
Considerando-se a situação volátil do ambiente político brasileiro, pode-se imaginar que o governo estadunidense está se posicionando de modo a garantir os seus interesses com ou sem a presença do presidente Bolsonaro depois de 2022. Isso valeria tanto para a reeleição do atual ocupante do Palácio do Planalto como para a vitória de um candidato da direita moderada ou para o retorno do presidente Lula, caso sejam mantidas as tendências apontadas por quase todas as pesquisas eleitorais.
No processo de manter seus interesses, há que se levar em consideração a competição com a China e a Rússia. Os militares procuram sinalizar um alinhamento geopolítico com as posições de Washington, mas não explicam abertamente a natureza dessa posição. Internamente, eles agem para manter o seu papel histórico na política nacional depois das próximas eleições. Então, é lógico que o governo Biden procure explorar essa presença maciça das forças armadas no Estado brasileiro ao seu favor, ao mesmo tempo em que corteja outros setores políticos em âmbito civil.
Pode-se concluir a análise do papel dos militares, tanto na política doméstica como no âmbito da defesa/política externa, relembrando alguns pontos que tem sido observados no OPEB na análise da conjuntura atual: os militares brasileiros agirão ostensivamente, e nos bastidores, para garantir seus três grandes interesses: 1) os institucionais, ou seja, maiores fatias no orçamento para executarem as suas funções; 2) os prebendários, que são salários, comissões e acúmulos de postos de poder e ganhos pecuniários no relacionamento com o aparato do estado, e isso tanto para oficiais da ativa como para os da reserva; e 3) os políticos, isto é, continuarem mantendo o seu papel histórico como tuteladores/fiadores da república brasileira e do poder civil, seja em ambiente democrático ou em regimes autoritários.
Desses interesses, o mais difícil de ser desafiado no regime democrático brasileiro é, obviamente, o terceiro. Acrescente-se a isso que há uma dimensão externa que não pode ser negligenciada: a ligação que as Forças Armadas, em causa própria, vão estabelecendo com os interesses estratégicos dos Estados Unidos.
Publicado origalmente em 07 de agosto de 2021 na coluna do OPEB no Brasil de Fato.