O desempenho latino-americano nas Olimpíadas e a política nos esportes

24 de agosto de 2021

Por Davi Reis Procaci Gonçalves, Júlia Luvizotto Nóbrega, Luiza Gouvêa e Rios Cobra e Tatiane Anju Watanabe (Foto: EsporteNewsMundo)

A América Latina e o Caribe saíram das Olimpíadas de Tóquio 2020 com 70 medalhas, 22 de ouro, 22 de prata e 26 de bronze. Para além de diversão e distração em tempos pandêmicos, o evento esportivo levantou questões sobre a própria pandemia, o papel político das competições e a importância de políticas públicas de incentivo ao esporte, de modo a fugir de um discurso meritocrático e seletivo, principalmente nos países em desenvolvimento

Aconteceu, entre os dias 23 de julho e 8 de agosto, em Tóquio, a 32ª edição das Olimpíadas de Verão. O evento esportivo, originalmente marcado para o ano de 2020, foi adiado por um ano com o início da pandemia do coronavírus, na esperança de em 2021 ser realizado de forma mais segura. Segundo o Primeiro Ministro do Japão, Yoshihide Suga, as Olímpiadas serviriam como “prova de que a humanidade venceria o coronavírus”. 

Protocolos de vacinação dos visitantes, testagem obrigatória e uso de máscaras – além de outros protocolos – foram instaurados e o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, afirmou que a realização do evento não representaria riscos ao público. Não foi esse o caso. 

Contrariando expectativas da organização do evento, atletas na Vila Olímpica e outros participantes testaram positivo, e Tóquio passou por uma quarta onda de contágios desde abril. O Japão, que ao início da competição,  exibia 22% da população totalmente vacinada, viu sua população indignada com a promoção dos jogos. 

Em 24 de agosto começam as Paraolimpíadas, e a situação do país não melhorou, sendo agora atingida fortemente pela altamente transmissível variante Delta. No último dia 17, o governo japonês anunciou que estenderá o estado de emergência em Tóquio e outras sete cidades até 12 de setembro, tendo em vista a pressão sobre o sistema de saúde. 

Medalhas e organização social

A Olimpíada de Tóquio foi surpreendente para alguns países latino-americanos. Com a menor delegação desde as Olimpíadas de 1964, 60 atletas, Cuba conseguiu se manter em segundo lugar no quadro geral de medalhas do subcontinente, totalizando 15 pódios. A ilha, que tem apenas 11,3 milhões de habitantes, possui resultados que poucos países na América Latina conseguiram ter. O boxe aparece como “carro chefe” das medalhas cubanas, com quatro conquistas em Tóquio. Apesar de existir um comparativo negativo quando relacionamos com o quadro de medalhas de anos anteriores, vale lembrar que Cuba é, historicamente, a maior potência olímpica latino-americana. O Brasil ficou em primeiro lugar no ranking de medalhas, mas a população brasileira é  aproximadamente vinte vezes maior. Somos 211 milhões de habitantes para 21 medalhas no total – apenas 6 a mais do que o segundo colocado -, de modo que uma análise da proporção medalha/ população demonstra a potência olímpica que é Cuba.

O terceiro lugar no pódio dos países latino-americanos e caribenhos é da Jamaica, com 9 medalhas, 4 de ouro, 1 de prata e 4 de bronze. O país se destaca nas modalidades de atletismo, e manteve tal tradição neste ano, apesar da quantidade de medalhas ter diminuído nesta que é a primeira Olimpíada pós Usain Bolt. Dentre os atletas destaque, a velocista jamaicana Elaine Thompson-Herah quebrou o recorde olímpico no sprint de 100 metros e também levou o ouro nos 200m.

A Colômbia foi outro país que se superou em Tóquio, conseguindo o seu terceiro melhor resultado na história dos jogos, totalizando cinco medalhas. Sua delegação contou com menos da metade dos competidores em relação à última edição dos jogos, foram apenas 70 pessoas competindo em Tóquio. Outro país que brilhou nos jogos foi a República Dominicana, que nunca havia subido ao pódio mais de duas vezes em uma mesma edição e em 2021 conquistou 5 medalhas. Mesmo com apenas 10 milhões de habitantes, os dominicanos superaram países como Argentina, que teve apenas 3 medalhas, e o Chile, que não conquistou nenhuma.

Fonte: Poder 360 (clique na imagem)

Esporte como política externa

Os jogos olímpicos, além de campo de disputa entre atletas de todo o mundo, é historicamente utilizado como parte da estratégia de política externa. Países como Estados Unidos, Japão, Grã-Bretanha, China e Rússia investem massivamente em seus atletas, tendo em vista o prestígio internacional das medalhas e usam-nas como projeto político-estratégico. Isso pode ser observado durante momentos históricos, como no período entre guerras, durante o qual países vitoriosos nas olimpíadas tinham interesse na vitória como demonstração de força estatal, como a vitória da Alemanha em 1936, que buscava manifestar a sua suposta superioridade no cenário internacional. No período correspondente à Guerra Fria, as duas potências, Estados Unidos e União Soviética, se revezaram nas primeiras colocações do quadro de medalhas.  

O esporte, portanto, tem sido utilizado pelos países como uma ferramenta para auxiliar na sua inserção e consolidação no sistema internacional, podendo influenciar na propagação de uma imagem positiva perante a sociedade mundial. Assim, é possível observar um crescimento dos investimentos estatais no esporte, na medida em que os Jogos Olímpicos e também outros eventos esportivos como a Copa do Mundo de futebol se consolidaram e popularizaram. Hoje em dia se observa uma substituição de atletas amadores por cada vez mais atletas especializados, financiados através de uma poderosa indústria, não somente movida por dinheiro estatal, mas também privado, havendo patrocínios, premiações e produtos licenciados. 

Observando essa importância político-estratégica nas vitórias alcançadas nos jogos olímpicos, há uma forte atuação dos Estados para se manter no topo do quadro de medalhas, seja financiando estruturas esportivas, auxiliando economicamente atletas e seus técnicos, ou até utilizando outro método de contagem de medalhas, como fizeram os estadunidenses nesta edição dos jogos. Dessa forma, muitos estudos apontam a relação do PIB com o sucesso olímpico, observando que países com melhores indicadores econômicos, ao possuírem melhores instalações para treinamentos, técnicos mais especializados, e maiores investimentos no geral, obtêm melhores desempenhos (como pode ser constatado no ranking de medalhas). Contudo, essa relação PIB-desempenho olímpico não se reflete de forma rígida quando se observa a América Latina, considerando que o país latino-americano com maior número de medalhas ganhas nos jogos olímpicos de 1896-2020 é Cuba, como se observa no gráfico abaixo:

Fonte: Statista (clique na imagem)

O gráfico, contendo informações dos jogos olímpicos entre 1896-2018, sofreu alterações com as Olimpíadas de 2021, mas não impactou a posição de liderança cubana, que se explica a partir de alguns fatores, como o aumento de professores de educação física no país – antes da revolução de 1959 Cuba contava com 800 professores de educação física, número que cresceu para 84 mil em 2012 -; diversificação do investimento em uma gama mais variada de esportes; a obrigatoriedade e centralidade do esporte como disciplina nas escolas, fazendo com que alunos com maior potencial fossem encaminhados para centros esportivos especializados do governo federal; o esporte não como fomentador de negócios e potencial de lucro, como nos Estados Unidos, mas como importante fonte de geração de empregos, e relacionando-o ao desenvolvimento humano e nacional, havendo, portanto, programas e projetos financiados e elaborados de forma centralizada pelo governo cubano. 

No entanto, Cuba é o único caso excepcional latino-americano. Quando se observa os próximos países no ranking – Brasil (2º), Argentina (3º) e México (4º) -, a relação PIB-desempenho olímpico não pode ser descartada, mesmo sempre precisando considerar os investimentos estatais no esporte, aliado a tudo isso. 



Brasil e as políticas de incentivo ao esporte

Desde a instituição do Bolsa-Atleta, através da Lei n° 10.891 de 2004, nota-se uma melhora significativa da posição brasileira no quadro de medalhas olímpicas. Fomos da 22ª posição em 2004 para a 12ª posição no ranking dos jogos de 2020/2021, com mais que o dobro das medalhas obtidas antes da implantação do programa. Trata-se de um dos maiores programas de patrocínio individual de atletas no mundo, beneficiando atletas de alto rendimento que obtêm bons resultados em competições nacionais e internacionais de sua modalidade. O Bolsa-Atleta tem como objetivo garantir condições mínimas para que se dediquem, com um pouco mais de condições, ao treinamento e competições locais, sul-americanas, pan-americanas, mundiais, olímpicas e paralímpicas, representando o Brasil nessas competições.

Nos Jogos Rio 2016, 77% dos 465 atletas convocados para defender o Brasil eram bolsistas, sendo que apenas o ouro do futebol masculino não teve bolsistas. Nos Jogos Paralímpicos do mesmo ano, o Brasil contou com 286 atletas, sendo que 90,9% foram bolsistas e todas as medalhas vieram com atletas que recebiam o apoio do programa federal. 

Desde o ano de 2010 não há reajuste nos subsídios pagos, mesmo a Rio 16 sendo a maior e melhor vitrine do sucesso do programa. Desde o golpe parlamentar de 2016 o programa vem sofrendo com cortes de orçamento. Entre os anos de 2017 e 2018 a redução foi de 41% do valor. Em seguida, com sua política de desestruturação do país, o presidente Jair Bolsonaro extinguiu o Ministério dos Esportes, fundado em 1995 por FHC, o incorporou ao Ministério da Cidadania e reduziu ao mínimo o número de servidores atuando no setor, cerca de 500 funcionários terceirizados foram demitidos, no Bolsa Atleta foi reduzido de 18 funcionários para 3.

Desde 2017, com os cortes no orçamento da pasta, o governo tem atrasado sistematicamente o mês de lançamento do novo edital, de tal forma a provocar “buracos” entre o último mês do pagamento anterior e o início do próximo. Em 2020 não foi lançado o edital do Bolsa Atleta, segundo a presidência, devido a suspensão das competições esportivas devido à pandemia do Coronavírus. O edital foi lançado apenas no começo de 2021. O valor investido para a preparação para a Tóquio 2020 foi 17% menor que o valor investido para Rio 2016, segundo levantamento realizado pelo Estadão via Lei de Acesso a Informação (LAI).

Segundo levantamento realizado pelo ge.globo.com, dos 301 atletas que foram a Tóquio, 242 recebem a Bolsa, sendo que 83 deles ganham as duas menores categorias, menos de R$ 2.000,00/mês. Ainda existem 33 que se sustentam graças a outras profissões, como motoristas de aplicativos ou professores de educação física. O levantamento ainda traz que 131 atletas competiram sem patrocínio e que 41 precisaram fazer uma “vaquinha” para conseguir viajar.

Embora a narrativa da grande mídia seja quase sempre de que esses atletas são heróis que superam a falta de infraestrutura, falta de acompanhamento técnico (nutricionista, preparador físico, fisioterapeuta, etc.) e falta de verba para se manter, a realidade é que se tratam de trabalhadores precarizados, que com um baixíssimo investimento trazem um grande retorno para a imagem e para a economia do Brasil. O governo federal tem se vangloriado das conquistas dos nossos atletas, porém eles venceram suas competições não por conta do investimento federal na preparação e condicionamento dos atletas, mas apesar da falta de investimento. 

Política esportiva eficiente é política pública universal para a juventude e não a exaltação de abnegados valorosos que surgem como exceções e não como fruto de investimentos coletivos perenes.



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