Novas aproximações com os EUA: ensaios de uma ruptura democrática?

21 de setembro de 2021

Por Tatiana Berringer, Gabriel Soprijo, Thiago Fernandes, Fernanda Ribeiro, Flávia Mitake e Gabriela Leite
(Foto: Poder360)

Em meio a um cenário de crise política interna e constantes ameaças à democracia no Brasil, o governo Bolsonaro aproxima-se de representantes das áreas de segurança e defesa estadunidense, como Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, e William Burns, diretor da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA).

Reação dos EUA à crise política e à possível iminência de um golpe no Brasil

Donald Trump, mesmo não estando mais na presidência dos EUA, parece ainda exercer influência política no Brasil. Recentemente, Eduardo Bolsonaro, filho do Presidente Jair Bolsonaro, realizou uma visita a Steve Bannon, um dos principais articuladores da eleição de Trump nos EUA. O deputado brasileiro, além de rever o republicano, foi convidado a falar em uma conferência cujo o principal tema era fraude eleitoral. Na sua exposição foi apresentado como “o terceiro filho do Trump dos trópicos”, e pontuou uma série de inverdades, mostrou imagens das motociatas realizadas por Bolsonaro e trechos das lives do presidente. Em alguns momentos do encontro, Bannon chegou a pontuar que “Bolsonaro vencerá Lula em 2022 e que essas eleições seriam as mais importantes da história da América do Sul”. Segundo João Filho (2021), “O evento foi um verdadeiro intercâmbio entre golpistas, que dividiram suas experiências de enganar a população sobre as eleições.” 

Logo após Joe Biden, o atual presidente dos EUA, anunciou a realização de uma cúpula sobre a democracia, para os dias 9 e 10 de dezembro. O encontro pretende reunir uma série de líderes mundiais, com o objetivo de fortalecer coletivamente, buscando uma espécie de renovação democrática diante dos novos autoritarismos da última década. Buscar-se-à dar um enfoque maior aos direitos humanos e o combate à corrupção. O governo brasileiro, se posicionou, afirmando ter interesse em participar, o que parece ser um movimento pendular. O núcleo mais próximo ao presidente mantém a articulação com a direita trumpista e outros membros seguem uma relação com o governo Biden. Essa relação, na verdade, passa uma articulação forte entre CIA, Departamento de Estado e governo Bolsonaro.  

Dia 5 de agosto, em meio à crise política no Brasil, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, encontrou-se com o presidente Bolsonaro no Palácio do Planalto. Este foi o primeiro encontro direto de um representante oficial do governo Biden com o presidente do Brasil. A visita de Sullivan, junto a uma comitiva de diretores sêniores, reforça os vínculos bilaterais e a importância da parceria estratégica entre Brasil e EUA. Durante a visita, o representante estadunidense abordou assuntos prioritários para o presidente Biden: a tecnologia 5G no Brasil, a preservação da Amazônia, a estabilidade política na América do Sul e a parceria para combater a covid-19 e melhorar o acesso às vacinas.

Além de Bolsonaro, Sullivan também esteve com o secretário Especial para Assuntos Estratégicos da Presidência, almirante Flávio Rocha, e com ministros de diferentes áreas: das Relações Exteriores, Carlos Alberto França; da Defesa, Braga Netto; das Comunicações, Fábio Faria; do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Augusto Heleno. Visando abrir um canal paralelo com os governos estaduais, Sullivan também se reuniu com governadores do Consórcio Interestadual da Amazônia Legal, Hélder Barbalho (Pará), Marcos José Rocha dos Santos (Rondônia) e Wilson Lima (Amazonas) para debater questões como o combate ao desmatamento e às mudanças climáticas.

A visita de Sullivan pode ter sido a primeira de um representante oficial do governo estadunidense com o presidente Bolsonaro, mas não foi a primeira reunião do presidente com um representante da área de segurança e defesa dos EUA. No dia 1o. de julho, o diretor da CIA, William Burns, fez uma visita inesperada ao Brasil, sendo recebido em uma audiência no Palácio do Planalto, a qual não fazia parte da agenda oficial de Bolsonaro. Na ocasião, além do presidente brasileiro, estavam presentes o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno; o ministro da defesa, Walter Braga Netto, e o diretor-geral da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem. À noite, houve outro encontro, que envolveu Heleno e Luiz Eduardo Ramos, ministro da Casa Civil, na casa de Todd Chapman, embaixador estadunidense no Brasil, o qual já havia anunciado que deixaria o posto ainda em julho. 

Pouco divulgada na mídia norte-americana, os temas discutidos nesta visita não foram revelados de maneira oficial pelas autoridades brasileiras, gerando um clima nebuloso. Em um ambiente bastante desfavorável a Bolsonaro, cujo nome era novamente levantado pela CPI da Covid-19 sob acusações de prevaricação no caso Covaxin, fez-se a dúvida se não passaria de uma mera cortina de fumaça. Ao mesmo tempo, diante de conhecidos episódios marcados pela influência estadunidense na política brasileira e as conturbadas falas antidemocráticas do presidente a respeito das eleições de 2022, há bastante preocupação em torno da aproximação com os EUA neste sentido. 

Bolsonaro justificou seu encontro com Burns referindo-se ao cenário político da América do Sul com desconfiança, mais uma vez acenando para um golpe de Estado no ano que vem: “A gente analisa como estão as coisas. Na Venezuela o pessoal não aguenta mais falar, mas olha a Argentina. Para onde está indo o Chile? O que aconteceu na Bolívia? Voltou a turma do Evo Morales e mais ainda: a presidente que estava lá com um mandato tampão está presa, acusada de atos antidemocráticos. Estão sentindo alguma semelhança com o Brasil?”, afirmou o presidente. Sob o temor da ameaça à democracia brasileira, a Associação de Juristas pela Democracia (ABJD) enviou um ofício ao MRE solicitando informações sobre as pautas discutidas com Burns. O deputado federal Glauber Braga (PSOL – RJ) também assinou um requerimento por mais informações a respeito do encontro e solicitou, junto ao deputado David Miranda (PSOL – RJ), a convocação de Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos à Comissão de Relações Exteriores da Câmara. 

Um fato importante para se analisar este caso é que antes de chegar ao Brasil, William Burns visitou a Colômbia, país que passa por uma convulsão social profunda, com graves violações de direitos humanos por parte do Estado. Contudo, os governos dos dois países da América do Sul, apesar de muito mais alinhados à administração Trump e adeptos de posições políticas bastante avessas aos valores sustentados por Joe Biden, mostram-se como aliados importantes do governo estadunidense para fazer frente à influência chinesa na região, um dos pilares da atual política externa estadunidense.

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