Agronegócio e seca

05 de outubro de 2021

Por Bruno Castro, Gabriel Carneiro, Leonardo Poletto, Mariana Pessoa e Naomi Takada
(Foto: Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/Veja)

O modelo agroexportador brasileiro já se provou danoso do ponto de vista socioeconômico, não gerando empregos qualificados e renda para os brasileiros, e cada vez mais, se mostra insustentável do ponto de vista ambiental. A crise hídrica atual é apenas uma camada de um problema mais profundo.

O modelo econômico agroexportador brasileiro não só corrobora com o processo de degradação ambiental, como é o um dos responsáveis pelo agravamento da crise hídrica a partir da intensa substituição da vegetação nativa por produção agrícola e pastagem. De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, durante os anos de 2019 e 2020 com o aumento do desmatamento, foi registrado um cenário incomum de seca extrema seguido por queimadas. Além disso, esse modelo agroexportador faz uso consuntivo da água, isto é, diminui a disponibilidade quantitativa da água, espacial e temporalmente. Desta forma, na atual conjuntura de escassez hídrica e baixa precipitação, a baixa disponibilização de água impacta diretamente as famílias e os mais diversos setores produtivos.

As usinas hidrelétricas são responsáveis por 62% do abastecimento de energia elétrica do país. Desta forma, com o baixo índice pluviométrico deste ano, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) divulgou em seu relatório que o país passa pela pior crise hidrológica desde 1930, tratando a crise hídrica como uma excepcionalidade. Contudo, o ciclo da água está diretamente relacionado ao clima. As mudanças climáticas impactam substancialmente os regimes das chuvas, de forma que a atual crise hídrica sucede anos de baixos índices pluviométricos em determinadas regiões.  

O último relatório publicado pelo IPCC aponta que as mudanças na biosfera terrestre desde 1970 são consistentes com o aquecimento global. Além disso, a comparação de chuvas e média de temperaturas deve ser comparada com os anos recentes, e assim, percebe-se que as condições climáticas têm piorado no período recente. Assim, o agronegócio brasileiro, embora não seja o principal responsável pelo aquecimento global, contribui para com ele e, portanto, sabota a sua própria viabilidade.

O Ministério de Minas e Energia (MME), evitando ao máximo a utilização dos termos “racionamento” ou “risco de apagão”, optou por levar a utilização das hidrelétricas ao seu limite máximo, sem um planejamento estruturado de médio-longo prazo. A Câmara de Regras Excepcionais para a Gestão Hidroenergética (CREG) determinou ao ONS que operem os correspondentes reservatórios até o limite físico de exploração energética. Alguns reservatórios já passaram a operar com cotas inferiores à sua cota mínima operacional oficial.

Outras soluções paliativas adotadas para suprir a demanda do abastecimento energético foram o aumento da produção pelas usinas termelétricas e a importação de energia da Argentina e do Uruguai, o que acarretou em um aumento expressivo no custo da energia elétrica.

Nos últimos meses a bandeira de escassez hídrica – vermelha patamar 2 – teve seu preço adicional aumentado. Antes de julho essa bandeira tarifária adicional era de R$ 6,24 e de setembro a abril do próximo ano será de R$ 14,20 para cada 100 kWh, representando um aumento de mais de 100% na tarifa extra em um curto espaço de tempo. Como existe um limite para a redução de consumo de energia pelas famílias, isso significará um aumento do custo de vida. Paralelamente, os custos de produção de bens básicos, que usam energia elétrica, também aumentaram, contribuindo novamente para o encarecimento da vida dos brasileiros.

A insustentabilidade do modelo no longo prazo 

A inserção internacional brasileira se deu através da exportação de produtos primários desde os primórdios da sua formação. Este modelo econômico consiste na produção de matérias primas agrícolas em massa com a finalidade de exportação para os países compradores, em sua maioria países desenvolvidos. A principal produção e exportação do Brasil é a soja, e seu principal comprador atualmente é a China.

É um dado conhecido que o setor agroexportador gera pouco emprego e muita renda para uma quantidade de pessoas muito pequena comparado com setores industriais e envolve baixa capacidade de encadeamento. A maior parte da soja exportada pelo Brasil é em grãos, quase sem processamento nenhum. 

Contudo, o aumento e a tendência de crescimento da demanda pelas commodities agrícolas gera preocupação por aumentar, consequentemente, a demanda por maiores áreas de terras cultiváveis e por recursos hídricos. A centralidade que o modelo agroexportador detém na economia brasileira, com seu modelo de uso intensivo de solos e recursos hídricos é progressivamente contestada pela continuidade e a acentuação do sistema. Na medida em que se aprofunda o aquecimento global, os estresses bióticos decorrentes de períodos de seca excepcionais aumentam a imprevisibilidade das safras, ameaçando a viabilidade da produção.

Ademais, o desmatamento decorrente da expansão das plantações, bem como a degradação dos solos, manifestam-se como mecanismos internos da produção que, no médio prazo, tornam cada vez mais custoso e difícil sua continuidade, uma vez que drenam os insumos necessários para sua procedência. Esse processo é evidenciado nos relatórios técnicos do Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que acusam crescentes perdas econômicas na produção de soja no período de 2016-2020 pelos atípicos e prolongados períodos de estiagem.

Outro ponto que merece destaque é o fato de que ao exportarmos carne e soja – majoritariamente em grão – estamos exportando toda a água necessária para essa produção. Estima-se que o Brasil exporta 54,8 bilhões de metros cúbicos de água por ano em commodities agrícolas. Quando os países europeus e, principalmente  a China, compram os produtos agrícolas brasileiros, significa que estes países não precisam destinar gigantescas áreas para a criação de gado e produção de soja e outros bens agrícolas e nem utilizar as grandes quantidades de água necessárias para a produção desses bens. Os custos ambientais deste processo recaem sobre os brasileiros.

A própria continuidade do modelo contribui para a acentuação do aquecimento global, tanto ao emitir carbono com os desmatamentos quanto por reduzir a flora responsável por absorver o carbono disponível na atmosfera. Neste sentido, além dos próprios entraves ecológicos – e, portanto, econômicos – internos à continuidade do modelo, o discurso internacional de proteção do meio ambiente e combate ao aquecimento global coloca um crescente custo político à sua continuidade.

A necessidade de um modelo socioambiental mais sustentável

Por causa desta necessidade constante de expansão – maiores quantidades de terras e maiores safras -, o modelo agroexportador exibe enormes fragilidades frente aos efeitos do agravamento da crise ambiental tanto no curto quanto no longo prazo. Mesmo em seus ciclos de maior sucesso no passado, este modelo de inserção econômica mostrou-se incapaz de aproveitar possíveis ganhos para garantir ao Brasil um caminho de desenvolvimento duradouro e inclusivo. Revelando-se, assim, insustentável em termos socioeconômicos e também ambientais.

Além disso, deve-se ressaltar que, ao que tudo indica, a destruição do meio ambiente continuará se acentuando apesar do modelo agroexportador brasileiro, uma vez que fenômeno do aquecimento global é, como o próprio nome diz, global. A crise ambiental mundial, desta forma, por si só consiste no maior entrave, tanto biótico quanto político, para a própria manutenção deste modelo no longo prazo. O modelo do agronegócio, na medida que ignora a crise ambiental, possui um componente negacionista que impede que busque soluções para suas próprias crises.

Enquanto perdurar o modelo agroexportador, este estará vulnerável às crises hídricas e ambientais cada vez mais graves e recorrentes, sendo que a persistência do modelo contribui para o agravamento do estresse ambiental, colocando em risco seu próprio futuro. Em termos socioeconômicos também é altamente questionável que este modelo seja capaz de promover desenvolvimento sustentável de longo prazo com redução das desigualdades. Portanto, se faz necessário que o Brasil repense o seu modelo de inserção econômica e se prepare para uma transição para um novo modelo que seja mais sustentável, tanto em termos socioeconômicos quanto de preservação do meio ambiente. 

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