Comércio Brasil-China e seus três pilares: soja, petróleo e minério de ferro

24 de abril de 2021

Por Luiz Gustavo Ferreira da Silva, Rafael Almeida Ferreira Abrão, Vanessa Cristina Pitondo Rodrigues e Vitor Gabriel da Silva

Dados do Ministério da Economia assinalam que mais de 99% das importações brasileiras da China são de produtos da indústria da transformação, revelando-se assim uma clara assimetria nas relações entre os dois países. O Brasil vende majoritariamente commodities de baixo valor agregado, e importa produtos de maior valor agregado. Dados do comércio apresentados demonstram que os ataques do governo brasileiro à China se traduziram em mera retórica, ao menos do ponto de vista econômico

A China é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009 e as relações comerciais entre os países têm se tornado cada vez mais intensas. Nos dois primeiros anos da gestão Bolsonaro, como argumentamos aqui e aqui, a dinâmica comercial não foi afetada pelas tensões diplomáticas. Em 2021, não está sendo diferente. Segundo dados do Ministério da Economia (ME), no primeiro trimestre de 2021, em comparação com o mesmo período de 2020, a corrente de comércio entre os países cresceu 19,5%, e as exportações brasileiras para a China 28%. Os destaques das vendas brasileiras (ver tabela 1) têm sido a soja, o petróleo e o minério de ferro. Somados, os 3 produtos constituíram 79% das exportações brasileiras para a China entre janeiro e março de 2021, refletindo a continuidade da pauta de exportações para a China que nos últimos anos foi dominada – sempre em mais de 70%, de acordo com dados do ME – pelos mesmos três produtos.

Tabela 1. Exportações brasileiras por produto no primeiro trimestre (janeiro-março, US$)

Produto 

2019

2020

2021

Grãos de Soja

$4.397.784.405,00

$4.376.358.464,00

$4.639.350.908,00

Minério de Ferro

$2.316.769.165,00

$2.743.140.066,00

$5.698.769.434,00

Petróleo

$3.525.168.113,00

$3.272.068.381,00

$6.502.815,00

Fonte: Comex Stat.

Em contrapartida, dados do ME assinalam que mais de 99% das importações brasileiras da China são de produtos da indústria da transformação, revelando-se assim uma clara assimetria nas relações entre os dois países, evidenciada pelo fato de que o Brasil vende majoritariamente commodities de baixo valor agregado, e importa da China produtos de maior valor e complexidade tecnológica. Tal padrão comercial pode ser explicado pela forma distinta através da qual os países têm se inserido na economia política internacional ao longo das últimas décadas, condicionados tanto por suas políticas domésticas como pela estrutura da economia internacional.

Principal produtor de soja

O Brasil é o principal produtor mundial de soja, seguido pelos Estados Unidos e a Argentina, que juntos concentram cerca de 80% da produção mundial. A soja e seus subprodutos podem ser utilizados na produção de diversos itens alimentícios, como chocolate, massas e temperos, além de ser matéria prima para o biodiesel, óleo, manteiga e maionese, e um ingrediente importante para a nutrição de suínos, aves e bovinos. Entre os maiores consumidores no mercado internacional, estão a China e a União Europeia, que representam conjuntamente cerca de 71% das importações mundiais.

A China é, de longe, a maior consumidora e importadora de soja do mundo, sendo responsável por 61% das importações em nível mundial. A demanda chinesa tem crescido desde os anos 1990, em decorrência da elevação de renda da sua população, que implica o aumento do consumo de carnes, alimentos ricos em gorduras e processados. Segundo dados do Ministério da Economia, no primeiro trimestre de 2021, o Brasil exportou cerca de US$ 8,09 bilhões de soja, essencialmente em grãos, e, em menor grau, como óleo ou farinha de soja, sendo que, 58,14% do total foram destinados à China, seguido pela Tailândia, com 5,26%, e Países Baixos, com 4,06%, denotando a importância da China para o mercado brasileiro de soja. 

Embora em milhões de dólares o valor seja superior ao valor exportado no ano passado, a quantidade em quilogramas foi reduzida, consistindo em 11,722 milhões de toneladas em 2021, contra 12,588 milhões de toneladas exportadas em 2020. A redução decorre dos atrasos provocados pela chuva no Brasil, que diminuiu o ritmo da colheita e do escoamento para o exterior

Cabe ressaltar ainda que foram relatadas queixas da China em telegramas enviados ao Itamaraty, que alegam a presença de excessos de glifosato na soja brasileira, agrotóxico que é banido em diversas partes do mundo pelo alto grau de toxicidade em humanos e animais, e, ademais, somam-se reclamações de contaminação de coronavírus nas embalagens de carnes e pescados importados. Em resposta, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento afirmou em nota oficial que o fluxo comercial de produtos agrícolas permanece fluído, sem interrupções e segue monitorando os casos relatados não somente pela China, como também pela Rússia.  

Ainda que seja o quarto maior país do mundo em extensão territorial, a China possui apenas 8% de suas terras aráveis, acabando assim por priorizar a produção de outros produtos agrícolas em detrimento da soja, como arroz, milho e trigo. A curto e médio prazo, não há substitutos para a produção brasileira, mesmo existindo algumas notícias relatadas pela mídia sobre a busca chinesa por soja no continente africano, na tentativa de diversificar seus fornecedores e reduzir a dependência da importação de grãos do Brasil. Por outro lado, o mercado brasileiro de soja é dependente das exportações chinesas, por ser a maior fonte consumidora mundial.

Minério de ferro

Em relação aos minérios, o Brasil é reconhecido líder do setor, destacando-se o minério de ferro, o cobre, o ouro, o alumínio e o nióbio. Segundo o Anuário Mineral Brasileiro de 2020, o valor total das exportações das principais substâncias metálicas brasileiras totalizou US$ 48,64 bilhões. Nesse quadro, a China tem papel fundamental para o setor extrativo, sendo o principal destino das exportações minerais brasileiras, representando 32,73% do valor total exportado (US$ 15,93 bilhões). Entre os principais produtos minerais vendidos para o país, estão: ferro, nióbio, cobre, manganês, níquel, alumínio, zinco, cromo e estanho. 

O comércio de minério de ferro é uma parte relevante das relações comerciais entre a China e o Brasil, tendo passado por três fases distintas: i) crescimento lento (1973-2000); ii) crescimento rápido (2000-2011); e, por fim iii) declínio gradual (2011 até o período recente). Na indústria siderúrgica, a China é um país com enorme demanda por minério de ferro devido à sua constante urbanização, enquanto o Brasil é o segundo maior exportador de minério de ferro, tendo a China como principal destino das suas exportações. 

A urbanização e a expansão da atividade econômica da China são os principais impulsionadores do aumento do comércio internacional, o investimento chinês no setor extrativo brasileiro se tornou muito significativo para ambos os países, cujo exemplo recente é a estratégia adotada pela China de aquisição de projetos maduros no Brasil, como a divisão de nióbio e fosfato da Anglo American pela China Molybdenum (CMOC), por US$ 1,5 bilhão.

Petróleo

Quanto ao petróleo, apesar da queda registrada nos preços internacionais, a redução na demanda mundial e as dificuldades das empresas petrolíferas executarem trabalhos em meio a adoção de medidas de distanciamento social e contenção da Covid-19, a produção de petróleo no Brasil alcançou níveis recordes em 2020. Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), as exportações brasileiras chegaram a 62,1 milhões de barris em maio daquele ano, uma alta de 41% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Dessa forma, a China expandiu as suas importações de petróleo durante a pandemia,  mesmo com a queda na sua demanda interna, fomentando o aumento das exportações brasileiras. Isso porque as refinarias chinesas viram na queda dos preços internacionais uma oportunidade de abastecer seus estoques e, como resultado, a China passou a ser o destino de 70% das exportações de petróleo do Brasil.

No primeiro trimestre de 2021, o movimento foi parcialmente invertido e a Petrobras reduziu as exportações de petróleo para a China, sendo que no ano anterior o país chegou a ser o destino de 90% da produção da empresa. 

O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, em sua última entrevista no cargo, declarou que apesar da demanda chinesa continuar elevada, refinar petróleo tem se tornado mais atraente do que vendê-lo cru, o que redirecionou parte da produção para o mercado interno. As exportações de petróleo do Brasil para a China recuaram em cerca de um terço em janeiro e fevereiro. Como consequência, a empresa vendeu 37% a mais de óleo diesel em março de 2021, em comparação com o mesmo mês do ano anterior, e 15% a mais do que em março de 2019, sendo a maior parte do volume destinada ao mercado brasileiro.

Para a China, ter acesso à energia barata passou a ser uma prioridade da sua política externa a partir de 1993, quando se tornou importadora líquida de petróleo, e, sobretudo, nos anos seguintes, em que se tornou cada vez mais dependente de importações, superando os Estados Unidos como maior consumidor mundial de energia em 2011.

Expectativas

As exportações das três principais commodities brasileiras foram beneficiadas pela recente alta dos preços internacionais, que nos últimos 12 meses ultrapassou 100% em alguns casos, como o petróleo e o minério de ferro, pressionados pela recuperação da demanda internacional. 

A expectativa é de que a recuperação econômica pós-pandemia continue a ampliar a demanda global por produtos primários pelos próximos anos, especialmente na China e nos Estados Unidos, que devem crescer aproximadamente 6% em 2021, continuando a beneficiar produtores como o Brasil por meio da apreciação dos preços de produtos como minério de ferro, soja, açúcar, petróleo e outras commodities que têm forte peso na balança comercial brasileira.

Os dados do comércio apresentados demonstram que os ataques do governo brasileiro à China se traduziram em mera retórica, ao menos do ponto de vista econômico, dado o evidente fortalecimento das relações comerciais entre os dois países no período recente. Até o momento, prevaleceu a visão chinesa de longo prazo, cuja compreensão é de que o governo Bolsonaro resulta de uma sazonalidade de turbulências, e, portanto, assim como o governo Trump, um dia acabará. Dessa forma, apesar do fomento de ideais xenofóbicas relacionadas às ideologias de ultradireita do governo de Jair Bolsonaro, os interesses econômicos são de maior importância para o Brasil, dado o alto grau de interdependência nas relações comerciais Brasil-China.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *