16 de novembro de 2021
Por Diego Azzi, Letícia Lelis, Letícia Oliveira e Pedro Lagosta
(Foto: Canal Rural)
Durante a conferência, o Brasil apresentou uma transição no discurso anti-globalista e agressivo que vigorou até meados de 2021, para uma postura que busca colaborar com a construção de acordos no plano multilateral. Entretanto, mesmo com estas aparentes mudanças, a atuação não foi suficiente para afastar a desconfiança, recuperar credibilidade e, o mais importante, que é melhorar a imagem do país.
Prevista para encerramento na sexta e prorrogada por um dia, a Conferência das Partes das Nações Unidas sobre as mudanças do clima (COP 26) em Glasgow (Escócia, Reino Unido) teve como destaques o documento final do Acordo de Paris, os mercados de carbono e o financiamento deste pacto. Soma-se a isso, o papel do Brasil, como um dos mais recentes “antagonistas” da crise climática que, numa clara mudança de estratégia em relação à gestão Ernesto Araújo-Ricardo Salles, tentou ser discreto e buscou o consenso com outros países, em meio a denúncias que minam sua confiança nos assuntos climáticos.
Já era esperado que Glasgow avançasse na aprovação do chamado livro de regras para a implementação do Acordo de Paris (2015). Segundo o presidente da COP 26, Alok Sharma, a cúpula não trouxe soluções para todos os compromissos previstos no Acordo. As delegações dos países europeus, declararam que acreditam que chegaram no melhor resultado do acordo.
Ficou definido que as metas devem ser alcançadas em 2030, em vez de 2025; e que serão revisadas anualmente e não a cada cinco anos. O aumento do prazo para o alcance das metas trouxe grandes críticas da comunidade científica, uma vez que este aumento tornará impossível a diminuição da temperatura da superfície terrestre para 1,5 graus. O texto do acordo feito na COP 26, já conta com mais de 79 artigos incorporando uma diversidade de temas que vão desde questões financeiras até questões sociais; e esta abrangência excessiva, também despertou ceticismo. Outro ponto sobre a conferência é que o anfitrião – governo britânico – estaria se utilizando deste espaço para fins políticos, ao tentar se estabelecer como uma liderança pós COP 21 de Paris; sendo representado inclusive na tentativa de um acordo muito mais ambicioso do que o de 2015.
As duas maiores potências do mundo, EUA e China, que também são os maiores emissores de gases poluentes, apresentaram uma declaração conjunta durante a COP 26, enfatizando a parceria para o combate às questões climáticas. O plano foi anunciado por Xie Zhenhua, enviado especial da China para Glasgow, apontando que a declaração é o resultado de encontros entre os dois países desde o começo do ano. O texto detalha em 16 pontos as principais preocupações e ações buscadas pelas duas potências, demonstrando estarem alarmados com os dados apresentados em relatórios sobre as mudanças climáticas, apontando que estão trabalhando em um plano para lidar com a lacuna entre as promessas e as ações.
O foco do plano apresentado está na busca por soluções para questões como emissão de CO2 e metano, desmatamento e uso de combustíveis fósseis, além de afirmar o comprometimento com o Acordo de Paris. A declaração traz um ar de “esperança” e reafirmou o “protagonismo” de ambos países na COP26, visto que o evento tem apresentado grande polarização entre as partes, principalmente em relação à questão do financiamento, e foi duramente criticado por organizações da sociedade civil. O posicionamento chinês e estadunidense fez com que outros países se movimentassem, impulsionando o diálogo e a conclusão do texto final neste sábado.
A China e os Estados Unidos também declararam que iriam vetar as importações de produtos ligados ao desmatamento ilegal. Esta questão possui impacto direto em relação às commodities brasileiras – visto que ambos países estão entre seus maiores compradores. Por outro lado, o controle destes produtos depende de legislações e políticas de desmatamento domésticas e externas; nesses aspectos, o cenário brasileiro torna-se complexo com a existência de uma possível “Lei Rural de Licenciamento Ambiental” – que propõe medidas frouxas, que descentralizam e minimizam a fiscalização, afetando principalmente regiões que não possuem uma legislação consolidada, como a Amazônia. Assim, com esta lei, haveria uma fiscalização, mas com critérios fragmentados e de difícil detecção; e dessa forma, as exportações a estes países poderiam continuar.
Mercado de Carbono aprovado e financiamento ao Sul Global em aberto
Um dos pontos centrais da COP26 foi a discussão e regulamentação do mercado de carbono. Este mecanismo de compensações tem o objetivo de comercializar a emissão de poluentes estabelecendo cotas que permitam a sua utilização. As cotas serão transformadas em créditos de carbono e comercializadas como títulos financeiros. No contexto global, os países emissores – ou seja, que extrapolam as cotas estabelecidas – comprariam esses títulos dos países que cumpriram o acordo com sobras. O que estes mercados de carbono realmente querem estabelecer é um certo custo aos poluidores e incentivo ao cumprimento das metas.
A discussão sobre o mercado de carbono também está presente no livro de regras do Acordo de Paris, expresso em seu artigo 6, no qual busca acordar mecanismos para flexibilizar as metas de redução de gases de efeito estufa dos países, por iniciativas privadas ou não.
Este novo “jargão” das negociações climáticas já havia sido apresentado durante as discussões do Protocolo de Kyoto em 1997. Entretanto, ainda que esta solução convença e atraia apoiadores, devido à sua simplicidade, ela também possui implicações questionáveis sobre a sua eficácia em relação ao próprio Acordo de Paris, pois, ao se utilizar de cotas também se estabelece uma margem ampla para manter a emissão. Outro ponto questionável é que suas métricas não avaliam os efeitos cumulativos que estas emissões terão ao longo do tempo, e que qualquer emissão é tratada de forma igual, independentemente se com relação a países ricos ou aos mais pobres. Além do mais, para compensar este custo, o artigo 6 estabelece os Resultados de Mitigação Internacionalmente Transferidos (ITMOs), no qual a meta de um país pode ser transferida para outro (idem, 2021a). Assim, muitos poluidores poderão recorrer à prática de Green Grabbing, no qual terras estrangeiras são vendidas a empresas para compensar suas emissões, como por exemplo, para reflorestar estas áreas. Entretanto, na grande maioria das vezes estas práticas desconsideram as populações nativas e comunidades tradicionais que já a habitavam ou seu entorno. Iniciativas similares já existem no plano nacional como o Programa Adote um Parque, do Governo Federal.
Em Glasgow, com a busca pela implementação efetiva do Acordo de Paris, o debate sobre o mercado de carbono, parece finalmente avançar após anos de impasses entre os países. O financiamento foi um dos maiores obstáculos da conferência. Muitos países do G77 mostraram desapontamento com o andar das negociações, apontando principalmente os artigos 7 e 8 do Acordo de Paris. Os países em desenvolvimento estão cobrando um financiamento de 100 bi US$ anuais, que foi prometido até 2020 pelos países mais ricos. Este financiamento é importante, pois sem ele torna-se impossível a meta de redução global dos gases de efeito estufa e a construção de infraestruturas para zonas afetadas pelos desastres ambientais. Uma das falhas deste atraso está no artigo 8 do Acordo de Paris, que não estabelece um compromisso ou uma base para o financiamento dos projetos.
A posição brasileira em relação à implementação do mercado de carbono estava sendo um obstáculo, pois buscava maiores benefícios para os países emergentes e também a implementação da “dupla contagem”, como forma de fazer com que a compra de créditos entrasse na contagem do balanço de emissões. Durante a COP 26, porém, o Brasil abriu mão de sua postura mais rígida e buscou ser mais cooperativo com os outros países. De acordo com Joaquim Neto, Ministro do Meio Ambiente, a ideia não é abandonar a postura do governo apresentada na COP 26, mas sim ter maior diálogo para o avanço das discussões. Em relação à dupla contagem, não aceita por norte-americanos e europeus, a delegação brasileira mudou sua posição e se colocou contrária a essa possibilidade, para atender às pressões internas do setor empresarial e do setor agropecuário, os quais vão se beneficiar se houver andamento do mercado de carbono, devido à capacidade de conseguirem créditos por meio da redução de emissões.
Brasil apresenta tom ameno e busca cooperar
A comitiva brasileira chamou a atenção desde antes do início da conferência pelo fato de ser a maior em número de inscritos. Dentre os participantes, notou-se a ausência do presidente da República (Jair Bolsonaro, sem partido), do atual Ministro das Relações Exteriores (Carlos França) e a grande participação de lobistas, governadores estaduais, mas esvaziada de ambientalistas, indígenas e da sociedade civil que tradicionalmente compõe a delegação brasileira. Desde a pandemia, fortaleceu-se a paradiplomacia dos governadores em compromissos internacionais nos quais o Planalto não expressa grandes interesses, para não perder parcerias e negócios importantes.
Durante a conferência, o Brasil apresentou uma transição no discurso anti-globalista e agressivo que vigorou até meados de 2021, para uma postura que busca colaborar com a construção de acordos no plano multilateral. A preocupação principal das negociações brasileiras foi assegurar que as exportações não fossem prejudicadas, caso não assumisse compromissos mais ambiciosos. Mesmo com estas aparentes mudanças, a atuação não foi suficiente para afastar a desconfiança, recuperar credibilidade e, o mais importante, que é melhorar a imagem do país, já que os principais atores internacionais estão plenamente cientes do profundo desacordo entre discurso e prática do Brasil – mais conhecido como greenwashing. Ainda, o discurso oficial de propaganda do Brasil como líder do futuro sustentável veio abaixo com a divulgação pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), de que o mês de outubro foi registrado como o pior mês de desmatamento desde o início dos registros em 2016.
Dos compromissos mais importantes firmados em Glasgow, o Brasil se comprometeu de forma não obrigatória, com a redução de 30% das emissões até 2030, com a atualização da sua Contribuição Nacional Determinada (NDC) de 43% para 50% até 2030, e manteve a meta de neutralidade climática até 2050. Ao final da conferência, a representação do Brasil enfatizou que não trabalhou pelo acordo de combate às mudanças climáticas apenas nas últimas duas semanas, mas que se empenhou nos últimos anos e meses, tentando resgatar sua atuação histórica nos assuntos climáticos.
Artigo publicado originalmente em 14 de novembro em 2021 na coluna do OPEB no Brasil de Fato.