Brasil enfrenta novos desafios no BRICS e no Novo Banco de Desenvolvimento

01 de dezembro de 2021

Por Filipe Porto, Rafael Almeida Ferreira Abrão, Vanessa C. Pitondo Rodrigues
(Foto: NDB)

Durante o período de política externa dos governos de Lula e Dilma Rousseff, o BRICS fez parte de uma plataforma de projeção dos interesses brasileiros e de reforma institucional do sistema internacional. Contudo, desde o golpe de 2016, o grupo tem se transformado cada vez mais em uma plataforma para negociação prática comercial.

Desde 2006, o agrupamento de países que forma o BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – tem aprofundado suas possibilidades de cooperação. O BRICS agrupa as cinco maiores economias emergentes do mundo, com uma população total estimada em cerca de 3,2 bilhões de pessoas e correspondendo, em 2017, a mais de 23% da economia mundial. Desde as primeiras cúpulas, realizadas anualmente, as propostas de cooperação se estenderam por diferentes áreas como ciência e tecnologia, promoção comercial, energia, saúde, inovação e combate a crimes transnacionais.

Paralelamente antiquado sistema financeiro internacional de Bretton Woods, refletido na atualidade pela baixa representatividade dos países emergentes em instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, o BRICS criou, em 2014: i) o Arranjo Contingente de Reservas (ACR), com o objetivo de assegurar a liquidez e estabilidade financeira dos países membros em meio a possíveis crises na balança de pagamentos; e ii) o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), cuja fundação visou criar um novo canal de financiamento de projetos de infraestrutura.

Durante o período de política externa dos governos de Lula e Dilma Rousseff, o BRICS fez parte de uma plataforma de projeção dos interesses brasileiros e de reforma institucional do sistema internacional. Contudo, desde o golpe de 2016, o BRICS tem se transformado cada vez mais em uma plataforma para negociação prática comercial. Há ainda que se destacar a maior equidade nas decisões do NBD em comparação com outras instituições internacionais, sendo que os cinco países têm o mesmo peso em votações e possuem espaço no organograma da instituição.

Política alucinada

A potencialidade do NBD como fonte de recursos o manteve distante das críticas e da alucinada política externa de alinhamento aos Estados Unidos promovida por Bolsonaro e especialmente pelo ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. No entanto, a inexistência de um projeto de desenvolvimento criou uma grande dificuldade de apresentar projetos de infraestrutura aptos a concorrer aos recursos do banco.

A temporária ausência brasileira no NBD foi interrompida com o surgimento da Covid-19, quando o banco flexibilizou sua posição de apenas financiar projetos de infraestrutura e passou a desempenhar um papel significativo no enfrentamento à pandemia, destinando cerca de 10 bilhões de dólares no combate à COVID-19 nos países membros. Em abril de 2020, o Brasil foi beneficiado com um empréstimo de US$ 1 bilhão, que foram destinados ao pagamento do auxílio emergencial.

O Brasil e o NBD em 2021

Desde a fundação do NBD, foram aprovados aproximadamente US$ 5 bilhões destinados a projetos no Brasil, divididos em setores como infraestrutura, transporte, proteção ambiental, energias renováveis, desenvolvimento urbano e saneamento, além de recursos emergenciais para o combate da pandemia de Covid-19. De acordo com fala de Marcos Troyjo durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), o Brasil pode ter aproximadamente de US$ 6 a 7 bilhões de novos recursos aprovados entre 2022 e 2026.

No começo de 2021, o Brasil recebeu um empréstimo de U$ 1 bilhão do NBD, resultante de um projeto aprovado em julho de 2020, que tinha como objetivo o pagamento do auxílio emergencial. Este montante foi recebido pelo Ministério da Cidadania, juntamente com a verba de outras instituições, como o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e o Banco Mundial, e, se somados, correspondem a um endividamento em dólar de US$ 4 bilhões.

Já no mês de outubro, o BNDES recebeu um empréstimo de U$ 500 milhões para projetos sustentáveis, que segundo documento do NDB “[…] visa aumentar o investimento em projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas no Brasil, em linha com os compromissos do Brasil de redução de GEE no Acordo de Paris de 2015”. Assim, o financiamento abarcará setores de energias renováveis, resíduos sólidos e mobilidade urbana sustentável, entre outros. Algumas análises chamam atenção para a falta de transparência na atuação do banco, que não mantém uma relação direta com a sociedade civil e recorre a velhas práticas de investimento, sem diálogo com preocupações sociais e ambientais. Dessa forma, a maioria dos projetos não contariam com uma avaliação dos danos socioambientais, e acaba por agir como instituições financeiras tradicionais.

Outros projetos relacionados à infraestrutura foram aprovados pelo banco, como o Programa do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) de Infraestrutura Urbana, Rural e Social para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Projeto de Mobilidade e Desenvolvimento Urbano de Sorocaba e o Projeto de Infraestrutura de Transporte para o Desenvolvimento Regional do Pará.

Por fim, é interessante ressaltar que os empréstimos tomados no NBD estão em atraso: em janeiro de 2021, o Brasil não pagou uma parcela de U$ 292 milhões para o banco,  que o orçamento do país não era suficiente.

Perspectivas futuras

O endividamento em moeda estrangeira pode se relacionar com diversos desafios para a economia brasileira como a atual desvalorização do real em relação à moeda estadunidense e o aumento dos preços internos atrelados ao dólar. O não pagamento também possui efeitos negativos para a imagem do país no exterior.

É interessante notar que, em meio a maior fragilidade da situação econômica no Brasil, o discurso do governo Bolsonaro se tornou mais convergente com o funcionamento do NBD em comparação com o ano passado, em que a crítica do multilateralismo estava mais presente. Não obstante, a política externa do governo Bolsonaro nos remete a um contexto de incertezas nos BRICS, uma vez que o agrupamento não é visto de forma estratégica pelo Brasil. Diante disso, cabe pensar sobre quais são as perspectivas de atuação do Estado brasileiro no NBD. Torna-se necessário refletir acerca do papel do NBD para o desenvolvimento nacional: Qual a importância da participação brasileira nessa iniciativa? Quais os seus benefícios e quais estão sendo os seus impactos negativos sobre o endividamento e questões socioambientais? Estas reflexões devem definir a atuação do Brasil no banco nos próximos anos, especialmente se o país almejar a  retomada do seu projeto de desenvolvimento.

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