Brasil, Estados Unidos e o primeiro mês de Guerra na Ucrânia

04 de abril de 2022

 

Tatiana Berringer, Gabriel Soprijo, Tuany Nascimento, Fernanda Antoniazzo e Marina Tedesco Alvarenga (Foto: Alan Santos/PR)

 

A eclosão do conflito entre Rússia e Ucrânia em fevereiro desencadeou um afastamento nas relações Brasil-EUA, que já estavam estremecidas desde as eleições de 2020, quando Bolsonaro declarou apoio a Trump e Biden criticou a política ambiental do governo brasileiro. Exemplos disso são a viagem de Bolsonaro à Rússia, uma semana antes do início da Guerra, o voto do Brasil na ONU e o voto do Brasil na Unesco e na OIT.

 

Viagem de Bolsonaro à Rússia 

Em fevereiro, Bolsonaro viajou para a Rússia. Apesar do convite de Vladimir Putin ao presidente brasileiro ter sido feito em dezembro de 2021, quando avistava-se o início da guerra, Bolsonaro optou por prosseguir com a viagem neste momento politicamente delicado, despertando reprovação dos EUA.

 

Para a porta-voz da Casa Branca Jen Psaki, a visita de Bolsonaro à Rússia faz parecer que o Brasil “está do outro lado de da maioria da comunidade global”. Outro porta-voz da Casa Branca afirmou que “o Brasil, como um país importante, parece ignorar a agressão armada por uma grande potência contra um vizinho menor, uma postura inconsistente com sua ênfase histórica na paz e na diplomacia”.  

        

A postura de Bolsonaro durante a visita não seguiu a orientação dos EUA, que havia pedido, em tratativas entre o secretário de Estado estadunidense, Antony Blinken, e o Ministro Carlos França, de que fosse entregue a Putin uma mensagem de princípios. Mesmo tendo assumido o status de Aliado Prioritário Extra-Otan durante o governo Trump, Bolsonaro, contrariamente, afirmou ser solidário à Rússia.—  Ele disse “somos solidários a todos aqueles países que querem e se empenham pela paz. Temos uma colaboração intensa [com a Rússia] nos principais foros internacionais, onde defendemos a soberania dos Estados, o respeito ao direito internacional e a Carta das Nações Unidas”. Além disso, declarou que a guerra na Ucrânia seria “uma boa oportunidade para a gente”

Essa declaração repercutiu de maneira bastante negativa na imprensa norte-americana. O jornal Washington Post publicou uma matéria sobre a declaração, em que afirmava que Bolsonaro estava usando a guerra como uma justificativa para explorar terras indígenas  Além disso, por meio de uma nota do Departamento de Estado, os EUA afirmaram que não haveria momento pior para Jair Bolsonaro expressar solidariedade à Rússia, e que isso enfraquece a diplomacia internacional, que está direcionada a evitar um “desastre estratégico e humanitário”. A posição do presidente brasileiro pode se tornar um fator potencialmente negativo e acentuar uma piora nas relações bilaterais com os Estados Unidos, já frias durante o mandato de Joe Biden.

 

Enxurrada de fake news

A  visita gerou ainda uma série de polêmicas. Houve uma enxurrada de fake news, que foram compartilhadas perpetuando a ideia de que o presidente brasileiro teria evitado uma guerra entre Ucrânia e Rússia. 

O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles foi responsável por compartilhar uma montagem falsa de uma foto de Bolsonaro e Putin apertando a mão com o logo da “CNN” e o seguinte texto: “Putin sinaliza recuo na Ucrânia, presidente Bolsonaro evita a 3ª Guerra Mundial”. Além dessa publicação, o ex-ministro chegou a simular a capa da revista americana Time, com o seguinte conteúdo: “Prêmio Nobel da Paz 2022: Bolsonaro, o homem que poderá definir o futuro do planeta”. Todavia, após publicar essas mensagens, e obter resposta negativa da CNN, que desmentiu a notícia, Salles negou que se tratava de algo sério e comentou que era apenas uma “brincadeirinha”

 

O Ministro do Turismo Gilson Machado também ajudou a compartilhar fake news sobre o tema em uma entrevista, onde disse que Bolsonaro levou uma “mensagem de paz” e impediu a guerra. Esse pronunciamento aconteceu depois que Salles já havia afirmado que seus posts se tratavam de uma mentira. Além disso, uma série de perfis bolsonaristas criaram uma montagem de Putin, em um vídeo no qual ele teria declarado abertamente que Jair Bolsonaro o convenceu a  evitar a guerra. Algumas publicações já passam de 100 mil visualizações no Facebook. Em um levantamento exclusivo feito pela Quaest para a CNN, foi constatado que 22% das pessoas que tiveram alguma interação com essas notícias nas redes sociais escreveram ou acreditaram que ele foi responsável pelo recuo das tropas. 

 

As votações do Brasil na ONU 

No dia 25 de fevereiro, dois dias após a invasão da Rússia à Ucrânia, o Conselho de Segurança da ONU se reuniu para votar uma resolução que condenava a intervenção do presidente russo Vladimir Putin. A resolução foi vetada pela Rússia, único país a votar contra, mas cujo voto tem poder de veto, e recebeu 11 votos favoráveis, além da abstenção da China, Índia e Emirados Árabes. O Brasil foi um dos países a votar a favor da condenação à invasão russa. O embaixador brasileiro na ONU, Ronaldo Costa Filho, afirmou que “o enquadramento do uso da força contra a Ucrânia como um ato de agressão, precedente pouco utilizado neste Conselho, sinaliza ao mundo a gravidade da situação”, e pediu a retirada de tropas e a retomada imediata do diálogo diplomático. Reafirmou ainda a posição do Brasil como um país que procura manter o espaço do diálogo, porém condena o uso da força contra a integridade territorial de um Estado-membro. O Estado brasileiro, até então, não havia se posicionado formalmente sobre o conflito. Apesar de o vice-presidente Hamilton Mourão ter afirmado que o país não era neutro, mas sim contrário à invasão, um dia antes da votação na ONU o presidente Jair Bolsonaro, em uma transmissão ao vivo nas redes sociais, desautorizou Mourão, argumentando que quem se posiciona sobre tais assuntos é o presidente. Desde então, não se sabia ao certo qual seria a posição do governo brasileiro quanto à questão, mas as pressões tanto internas quanto externas levaram o embaixador brasileiro a se colocar contra a invasão.

No dia anterior à votação, a embaixada americana no Brasil publicou uma declaração em que afirmava que “a violação russa da soberania da Ucrânia e suas fronteiras reconhecidas internacionalmente é uma tentativa não provocada e injustificável de desestabilizar os princípios básicos do direito internacional.” Tal declaração pode ter influenciado a posição da diplomacia brasileira. No mesmo documento, a embaixada afirmou que pedia “claramente e firmemente” uma desescalada do conflito e retorno à diplomacia, deixando claro o que estava exigindo do Brasil . 

O voto brasileiro pode ser interpretado também sob uma perspectiva de pressão internacional, justamente por ter havido um temor acerca do posicionamento do país devido às recentes declarações de Jair Bolsonaro. Houve movimentações de outros Estados para garantir o voto do Brasil em diversas ocasiões precedentes à votação no Conselho, como telefonemas do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, pedido de condenação à Rússia vindo do chefe da missão da embaixada ucraniana no Brasil, Anatoliy Tkach e uma reunião em Brasília com membros da União Europeia.

 

Voto do Brasil na Unesco e na OIT

No dia 16 de março, na votação da resolução contra a Rússia analisada pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o governo brasileiro mudou de posição, e absteve-se junto aos demais países do BRICs (China, Índia, África do Sul e, por fim, Rússia, que votou contrariamente). Essa mudança de posicionamento pode ser considerada um reflexo da relutância do Brasil, criticada pelo governo americano, em se posicionar em relação ao conflito, que já estava em evidência desde o início da invasão.  Segundo Brasília, a abstenção foi em favor de uma desescalada da tensão. Essa posição mais neutra quanto à questão russo-ucraniana se manteve também na votação de uma resolução na Organização Internacional do Trabalho (OIT), que visava ampliar o isolamento diplomático da Rússia, em que o Brasil mais uma vez se absteve, acompanhado dos BRICs. Essa última votação, no entanto, mostrou que não apenas o Brasil, como demais países emergentes e dependentes tanto da Rússia quanto dos Estados Unidos, estão adotando uma posição de neutralidade, pois enxergam que não seria benéfico para eles transformar Putin em um pária internacional. Apesar da pressão estadunidense, uma posição clara contra a Rússia poderia significar um afastamento com o principal fornecedor de fertilizantes do Brasil, e a abstenção pode fazer parte de um jogo de alcance de margem de manobra do Estado brasileiro em um cenário político conturbado e de forte pressão internacional sobre a política ambiental brasileira.

 

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