Como as Forças Armadas brasileiras se posicionam diante da corrida presidencial brasileira e a disputa geopolítica global?

18 de abril de 2022

 

Por Flávio Rocha, Anna Bezerra, Diego Jatobá, Felipe Lelli, João de Oliveira, Julia Lamberti, Lais Surcin, Larissa Gradinar, Lucas Ayarroio, Roberto Silva e Vinícius Bueno (Foto: Agência Brasil)

 

Perto de completar dois meses de guerra na Ucrânia, mais do que um confronto direto entre Moscou e Kiev, o que mais se aproxima da definição do estado da geopolítica global que presenciamos é uma guerra por procuração, onde a Rússia está em confronto indireto com os Estados Unidos e a OTAN. No meio do fogo, a Ucrânia surge como um campo de batalha e é, até o presente momento, o país que arcará com as maiores perdas nesse confronto.

 

No Brasil, o governo Bolsonaro vem dando sinais dúbios em relação ao conflito. O presidente visitou oficialmente a Rússia apenas uma semana antes do início da guerra, num exercício de independência em relação aos EUA. Nessa viagem, todos os militares integrantes da mais alta cúpula do governo acompanharam o chefe de estado brasileiro, e ocorreram encontros de alto nível entre eles e suas contra-partes russas.Também estiveram presentes os três comandantes das Forças Armadas. 

 

Além disso, entramos no processo eleitoral de 2022, e todas as pesquisas sérias apontam para um enfrentamento entre o atual ocupante do Palácio do Planalto, Jair M. Bolsonaro, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nos pronunciamentos oficiais, entrevistas, falas e atitudes dos dois políticos, tanto o tema da guerra na Ucrânia, como a relação com as Forças Armadas ganharam destaque nesse começo de campanha presidencial. 

 

Os militares, obviamente, tratam de se preparar para a disputa, e a ocupação de cargos civis por militares no executivo é um ponto de atenção. O governo de Jair Bolsonaro (PL), de acordo com levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), apresentou mais de 6 mil ocupações de cargos civis por militares, em julho de 2020. Em 2021, como resultado, o Congresso Nacional passou a discutir a politização das instituições militares brasileiras e o envolvimento de militares em cargos públicos civis. Uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), a PEC 21/2021, de julho de 2021, foi encaminhada para votação com a intenção de vetar a participação de militares em cargos públicos civis. No entanto, a PEC de autoria da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), ainda aguarda parecer da relatora da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, a deputada Chris Tonietto (PSL-RJ). Recentemente, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva indicou a intenção de demitir mais de 8 mil militares em cargos comissionados.

 

Além dos cargos federais – secretarias, ministérios etc –, os militares também ocuparam as estatais, como a Petrobras. A companhia, por sua vez, vem sofrendo fortes pressões políticas em razão dos sucessivos aumentos dos preços dos combustíveis. Em 2021, o Senado Federal já questionava o presidente da estatal, General Joaquim Silva e Luna – indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, em abril de 2021 – sobre a política de preços da empresa. Em março deste ano, com a guerra na Ucrânia, os combustíveis já acumulavam mais de 24% de alta desde o começo do ano, utilizando como justificativa o mercado internacional que elevou o preço do barril de petróleo após a invasão russa em território ucraniano. Nesse contexto, o presidente Bolsonaro anunciou a demissão do presidente da Petrobras e o general Joaquim Silva e Luna deixará de ocupar a presidência, após o preço da gasolina superar R$7,00 na maior parte do país.

 

O presidente Bolsonaro foi criticado em relação ao comando da estatal, ainda que a empresa tenha justificado as alterações como consequência do conflito Rússia-Ucrânia. Apesar da remanescente pressão política decorrente da política de preços, a companhia atingiu seu lucro recorde em 2021. O valor equivalente a R$106,6 bilhões representa um crescimento de 1.400% em comparação ao ano anterior. Ainda antes do conflito se tornar uma conveniente justificativa, a estatal apontou a alta de 77% no preço do barril de  petróleo (Brent), como uma das razões que tornou esse recorde possível. A mesma métrica indica que o aumento do barril de petróleo em 2022, por decorrência dos conflitos na Ucrânia, respaldam um aumento de receita da petrolífera estatal. Porém, o presidente estadunidense Joe Biden anunciou acordo para liberação de reservas de barris de petróleo a partir de maio de 2022, provocando o recuo do preço do petróleo Brent. A queda não foi projetada no valor do combustível para o consumidor final1. Para assumir a presidência da Petrobras, foi indicado o nome do economista Adriano Pires, que recusou o cargo, tendo em vista que, segundo o artigo 17 da Lei das Empresas Públicas e das Sociedades de Economia Mista, teria que abrir mão da sua consultoria Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

 

A mudança, no entanto, não seria drástica, uma vez que Adriano Pires já manifestou posicionamentos sobre a gestão da Petrobrás semelhantes aos de Silva e Luna. No artigo publicado no dia 19 de outubro de 2021, Pires manifestou seu apoio ao posicionamento de Silva e Luna sobre a estatal seguir preços do mercado internacional para não correr risco de desabastecimento e declara: “Ou seja, se as importações dos combustíveis não forem viabilizadas, haverá risco de desabastecimento, ou o acionista da Petrobras pagará a conta”. Ele declarou também que a única solução definitiva é a privatização porque o prevalecimento dos benefícios corporativos e das práticas monopolistas contrárias aos interesses do Brasil é resultado do sistema de economia mista.

 

Ainda que a demissão represente uma interferência do governo, a indicação do economista teria sido bem-vista pelo mercado tanto por se tratar de um especialista, quanto pelas declarações favoráveis ao Preço de Paridade de Importação (PPI), favorecendo a receita da companhia. Em contrapartida, o subprocurador do Ministério Público (MP) junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, solicitou que se investigue eventual conflito de interesses na decisão por se tratar de um ano eleitoral.

 

Com o conflito entre Rússia e Ucrânia, o mercado de petróleo enfrenta um período de maior volatilidade – preços da commodity se equiparando aos de 2008. A Europa depende energeticamente da Rússia: gás (40%), petróleo (30%) e carvão (39%)18. Isso evidencia uma necessidade estratégica de diversificar as fontes de energia e seus fornecedores. 

 

Nesse contexto, diferentes perspectivas surgem a respeito de como o Brasil poderia interpretar a importância estratégica e os impactos do petróleo. Pires afirma que se o Brasil tivesse vendido refinarias seria menos dependente na importação de derivados. Mais do que isso, onde há concorrência nas atividades de refino não houve grandes alterações de preços nesse período de guerra, segundo o economista.

 

Passado isso, o novo presidente da Petrobras é o ex-secretário do MME, José Mauro Coelho. Apesar de, mais uma vez, a indicação ser uma pessoa do mercado, é evidente a influência dos militares na decisão, vide que o Ministério de Minas e Energia (MME), que faz a indicação, é presidido por um representante da Marinha, o Almirante Bento Albuquerque.

 

Também vale a pena lembrar que o ex-dirigente da estatal, o General Silva e Luna, teve a sua imagem arranhada com a divulgação do bônus milionário a que ele teria direito, no valor de R$1,45 milhão. Gerou a percepção de que certa classe de militares tem uma situação financeira que vai de vento em popa, com Silva e Luna vivendo uma fase econômica muito generosa. Nesse sentido, o oficial do exército foi a face mais evidente, no início de 2022, de toda uma casta de fardados que usufruem de gordas prebendas no governo Bolsonaro – ou seja, que exercem um patriotismo muito bem pago por uma empresa estatal e que foi repetidamente elogiado por integrantes do mercado financeiro.

 

Braga Netto como possível vice-presidente de Bolsonaro nas eleições: a continuidade dos militares no governo

 

Em 21 de março, o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL) insinuou que o General Walter Braga Netto poderia ser seu companheiro de chapa, como vice-presidente. O militar Braga Netto ficou conhecido por assumir o cargo de Coordenador Geral da Assessoria Especial para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos RIO 2016, de 2013 a 2015 e, posteriormente, ser nomeado Interventor Federal na Área de Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro, em 2018.

 

Braga Netto, no entanto, iniciou sua trajetória no governo Bolsonaro em fevereiro de 2020, ao ser nomeado Ministro de Estado Chefe da Casa Civil. Em abril de 2021, Netto assumiu o Ministério da Defesa, consagrando sua carreira militar como bem sucedida, e permaneceu no cargo durante um ano, até primeiro de abril de 2022, período no qual o até então Ministro se tornou uma importante ferramenta de apoio ao Presidente. 

 

Ao assumir o cargo de vice, ele poderia ampliar o apoio da frente militar ao Presidente,  reforçando a ligação deste com as Forças Armadas e reaproximando a parcela mais conservadora de seu eleitorado. Dessa forma, Braga Netto poderá ser um símbolo com capacidade de engajar a militância bolsonarista numa eleição que tudo indica ser muito polarizada. Entretanto, segundo o cientista político Hilton Cesário Fernandes, essa decisão não deve angariar uma quantidade significativa de votos para Bolsonaro.

 

Outra vantagem que Bolsonaro garantirá, se a parceria se oficializar, de acordo com o próprio presidente, é “um vice que não tenha ambições de assumir minha cadeira ao longo de um mandato”, um mecanismo importante para diminuir — mais ainda — as chances de um possível impeachment. Isso porque o fantasma do impeachment assombra o presidente por meio da memória ainda recente do afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. 

 

Ademais, o presidente Bolsonaro sempre temeu por uma possibilidade de impeachment, visto que possui uma relação conturbada com o sistema político. E, no final, pela força motriz de um processo de impeachment ser de cunho mais político do que jurídico e destacar a relação entre o Executivo e o Legislativo, Bolsonaro precisa dar uma atenção especial a esse tema. Por mais que o presidente pudesse indicar alguém do Centrão como seu vice, ele poderia estar mais alinhado com os interesses do Congresso e ser considerado um bom nome para substituir Jair Bolsonaro. Em resumo, o que essa indicação mostra é a preocupação do presidente com sua reeleição e, mais que isso, em caso de vitória, como sustentar de maneira segura o seu mandato. Bolsonaro quer mais que um simples vice-presidente, ele quer alguém de sua confiança, que não coloque seu possível cargo em risco e, segundo ele, ajude, também, a governar o Brasil e que não sirva “apenas” para ganhar as eleições. 

 

O general começou a chamar a atenção da chamada “grande imprensa” por sua possível candidatura como vice de Bolsonaro. Um levantamento feito pelo jornal O Globo mostrou que Braga Netto teria distribuído cerca de R$401 milhões dos recursos do Ministério da Defesa para senadores que apoiam o presidente Bolsonaro em seu governo. Esses recursos viriam do chamado orçamento secreto.

 

Mudança no Ministério da Defesa e a troca de comando no Exército Brasileiro 

 

Com a renúncia do General Braga Netto, o então comandante do exército Paulo Sérgio Nogueira foi nomeado ao cargo de ministro da defesa. Em discurso, o presidente Bolsonaro apontou que Nogueira se destacava dos ministros antecessores pois “tem a tropa (Forças Armadas) em suas mãos”, e que o novo ministro contribuirá para colocar o Brasil no rumo da “normalidade”. Em seu primeiro evento público, o General apontou como seu principal objetivo no cargo o retorno dos militares brasileiros às missões de paz organizadas pela Organização das Nações Unidas. Contudo, existem problemas maiores para o General Nogueira lidar ao assumir o cargo de ministro da defesa, como o escândalo do orçamento secreto deixado pelo seu antecessor, que liberou mais de R$ 401 milhões a senadores aliados ao presidente para a construção de campos de futebol e quadras esportivas, por exemplo – locais fora do escopo de defesa.

 

Com a saída de Nogueira do comando do Exército Brasileiro, entra no cargo o General Marco Antônio Freire Gomes. Antigo chefe do Coter, Comando de Operações Terrestres, um dos principais cargos na estrutura da força terrestre, e que engloba também o IGPM, Inspetoria Geral das Polícias Militares. O IGPM é um órgão que tem como objetivo coordenar e conduzir ações de controle sobre as PMs e os Corpos de Bombeiros Militares. A nomeação de Freire Gomes simboliza uma tentativa de intensificar a relação entre governo e polícias militares para a candidatura de Jair Bolsonaro nesse ano de eleições, uma vez que o presidente acredita que Freire Gomes será mais inclinado a concordar com suas opiniões e oferecerá menos resistência aos pedidos do governo federal que seu antecessor, que determinou a vacinação da tropa do Exército Brasileiro e abertamente recomendou o não-compartilhamento das fake news.

 

A nota de saudação ao Golpe de 64 publicada pelo Ministério da Defesa 

 

Na véspera do aniversário de 58 anos do início da ditadura militar no Brasil, as Forças Armadas se juntaram para assinar, junto com o até então Ministro da Defesa, Braga Netto, uma nota de saudação ao Golpe de 1964. 

Publicada no dia 30 de março pelo próprio Ministério da Defesa, a nota defende que “nos anos seguintes ao 31 de março de 1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização, de segurança, de crescimento econômico e de amadurecimento político, que resultou no restabelecimento da paz no País, no fortalecimento da democracia, na ascensão do Brasil no concerto das nações e na aprovação da anistia ampla, geral e irrestrita pelo Congresso Nacional.” Além disso, a nota se refere às “ideologias totalitárias” em ascensão no século XX, como uma “ameaça à liberdade e à democracia”. 

 Na nota, o golpe é chamado de “Movimento de 1964”, responsável, de acordo com as próprias Forças Armadas, por ser um “marco histórico na evolução da política brasileira.”  Segundo Rodrigo Lentz, pesquisador do Instituto Tricontinental, o golpe militar “é um elemento estruturante de uma coesão ideológica dentro das Forças Armadas”. Assim sendo, a nota declara que as Forças Armadas se fortaleceram e evoluíram a serviço de seu soberano, o próprio “povo brasileiro”. 

 Por fim, a nota de saudação ao Golpe Militar é encerrada de forma elogiosa aos próprios militares, apontando o “legado de paz” deixado no Brasil pela ditadura: “cabe-nos reconhecer o papel desempenhado por civis e por militares, que nos deixaram um legado de paz, de liberdade e de democracia, valores estes inegociáveis, cuja preservação demanda de todos os brasileiros o eterno compromisso com a lei, com a estabilidade institucional e com a vontade popular.”

 A visita de Bolsonaro à Rússia

 

Em meio às tensões no conflito entre Rússia e Ucrânia, o presidente Jair Bolsonaro (PL) participou de uma viagem diplomática com o presidente russo Vladimir Putin. O presidente brasileiro estava acompanhado de uma comitiva com vários militares de alto escalão, o que gerou polêmica e incômodo com os EUA. Há algum tempo, é conhecido o interesse dos militares brasileiros e do governo Bolsonaro em tornar o Brasil um parceiro estratégico importante da OTAN. Acredita-se que há vantagens para as Forças Armadas e para a indústria brasileira, como possibilidades de terem acesso a tecnologias e contratos de defesa vantajosos. Justamente por conta dessas expectativas, gerou um estranhamento o encontro entre Bolsonaro e Putin. 

 

Todavia, algumas informações que surgiram na imprensa brasileira podem diminuir esse estranhamento. A recusa dos EUA em ajudar o Brasil a desenvolver seu projeto de submarino nuclear teria levado o governo brasileiro a procurar alternativas. Os Estados Unidos demonstraram pouco interesse em ajudar o Brasil e partiu do Itamaraty a busca por outros parceiros. As negociações estavam avançadas antes do conflito russo com a Ucrânia. Ainda segundo a imprensa, o Almirante Flávio Rocha, da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, esteve na Rússia no final de 2021 para acertar os termos do encontro entre os presidentes, quando a escalada de conflito entre Moscou e Kiev aumentava de tensão. 

 

Em fevereiro, ocorreu o encontro entre os presidentes e a comitiva de Bolsonaro, que era composta por diversos militares do alto escalão. Apesar do governo insistir que a viagem não atrapalharia a relação do Brasil com a OTAN, o desconforto foi generalizado e Bolsonaro teve que lidar com questões para as quais não estava plenamente preparado. A viagem à Rússia foi mal vista por Washington, que cobrou explicações.

 

A relação do Brasil com a OTAN tem sido delicada, com acenos favoráveis e desfavoráveis. Segundo a Folha de S. Paulo, em reportagem de Ricardo Della Colleta, o Brasil tem buscado se integrar ao centro de defesa cibernética da OTAN e está encontrando resistência. E para complicar ainda mais, o jornal “New York Times” revelou a prisão de um casal norte-americano acusado de tentar vender segredos acerca de tecnologia nuclear para o Brasil. A prisão foi realizada pelo FBI em outubro de 2021, mas a divulgação ocorreu próxima da viagem de Bolsonaro a Moscou. 

 

A Guerra na Ucrânia: escalada dos orçamentos militares na OTAN e cooperação brasileira com a Turquia 

 

Cerca de um mês após o início da escalada do conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia, diversos países europeus e da OTAN já reagiram com o aumento dos seus respectivos orçamentos militares. Até março, sete países da Europa prometeram subir seus gastos com defesa, incluindo Bélgica, Romênia, Itália, Polônia, Noruega e Suécia — país que é muito conhecido por sua posição pacifista. A maior surpresa veio de Berlim, com o novo Chanceler Olaf Scholz anunciando um aumento no orçamento militar de 1,53% para mais de 2% do PIB alemão em 2022, além de um pacote de modernização de 100 bilhões de euros. Essa medida colocará o país como o maior orçamento militar da Europa, ultrapassando a França e o Reino Unido. Em 2021, o orçamento total da área de defesa alemã foi de 47 bilhões de euros; em 2022, esse montante será de 2% do PIB somado aos 100 bilhões de euros prometidos. Com o orçamento de defesa fortalecido, a Alemanha passa também a ser um “player” mais importante na própria OTAN, capaz de se impor melhor na mesa de decisões. 

 

No campo internacional, a expectativa é de que a Alemanha ultrapasse países como a Índia e a Rússia em gastos militares totais, passando a ocupar o terceiro lugar na classificação mundial, atrás apenas dos EUA e China.

 

Essa “corrida armamentista” chega poucos anos depois das tensões entre Washington e Berlim sobre gastos militares na OTAN. Em 2019, a então chanceler alemã Angela Merkel resistiu às pressões do presidente Donald Trump em relação ao orçamento de defesa da Alemanha. Trump afirmou durante um encontro na cúpula da OTAN que os aliados europeus — e, principalmente, a Alemanha — não gastavam o suficiente com suas áreas militares e que os aliados estavam se “aproveitando” dos Estados Unidos. 

 

Outros países também estão seguindo a linha de investimentos militares graças às tensões internacionais. O presidente americano Joe Biden protocolou em março um plano que aumentaria em 4% o orçamento do Departamento de Defesa, com o total chegando a $813 bilhões de dólares no ano fiscal de 2023. Esse valor seria usado para auxiliar a Ucrânia, realizar novos investimentos em áreas estratégicas e se resguardar de possíveis ameaças da Coreia do Norte e do Irã. 

 

Esse aumento geral de orçamentos militares não é apenas um efeito da guerra na Ucrânia. Ele reflete, também, o acirramento da competição geopolítica global, que atinge não só grandes potências como EUA, China e Rússia, mas também os demais países da OTAN e países do Sul Global, como Índia e Paquistão. A última vez que uma rivalidade política entre dois poderes aconteceu, a Guerra Fria, resultou num curto mas intenso período de crescimento da indústria bélica brasileira. Há um reflexo disso no Brasil.

 

Também em março, o Ministério da Defesa brasileiro assinou, por intermédio da Secretaria de Produtos de Defesa, um Acordo de Cooperação de indústria de defesa com a presidência das indústrias militares da Turquia. A expectativa é que esse acordo contribua para o desenvolvimento de condições apropriadas para pesquisa, produção e modernização do setor militar brasileiro. Segundo o Ministério da Defesa, esse acordo também cria bases para o intercâmbio de pesquisadores, o compartilhamento de informações técnicas e a aquisição de equipamentos produzidos em conjunto. Segundo o Secretário de Produtos de Defesa, Marcos Degaut, o acordo de cooperação é “uma parceria que não se baseará apenas na compra e na venda, mas em uma verdadeira cooperação, com troca de conhecimento que resulte em desenvolvimentos tecnológicos, soluções relevantes e avanços para o setor de Defesa”

Também em relação à modernização do setor de infraestrutura militar, o Exército Brasileiro e a Embraer celebraram durante a FIDAE, no Chile, um contrato para o desenvolvimento e a implantação da fase dois do Programa Estratégico do Exército para o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON). O projeto de vigilância visa proteger as fronteiras do Brasil com seus dez países vizinhos. Em vista do projeto, o EB realizou a compra de quatro radares Saber M60 2.0, também da Embraer. A aquisição está prevista no Planejamento Estratégico do Exército Brasileiro de 2020–2023, e é fruto de uma parceria iniciada em 2010, com desenvolvimento 100% nacional. O equipamento servirá na proteção de pontos estrategicamente vitais para o Brasil, como indústrias, usinas e instalações do governo. 

O exército brasileiro analisa a guerra na Ucrânia: resumos doutrinários 

 

Assim como instituições militares de outros países, como França e Alemanha, o Centro de Doutrina do Exército (C Dout Ex), órgão subordinado ao Comando de Operações Terrestres (Coter), acompanhou e analisou publicamente a guerra entre a Rússia e a Ucrânia através do Observatório de Doutrina (OD). O Observatório de Doutrina, organizado com mais de 60 especialistas, foi criado para acompanhar o recente conflito no Leste Europeu, colhendo lições nos níveis operacional e tático, com vistas a contribuir com a constante evolução da Doutrina Militar Terrestre. Durante o acesso aos denominados Resumos Doutrinários, publicados entre os dias 25 de fevereiro a 7 de março, foram divulgados 10 resumos (1 por dia), em livre acesso, disponíveis no Portal de Doutrina do Exército. Porém, segundo o jornalista Rubens Valente, foram publicados o total de 16 resumos até o dia 16 de março.

Os resumos trataram de ações táticas e estratégicas, atualização das operações, narrativas em curso, capacidade operativa de manobra, capacidade operativa de apoio de fogo, capacidade operativa cibernética, capacidade operativa de comunicação social, impactos do conflito, hipóteses de andamento e outros assuntos operacionais. Esse produto informativo produzido pelo Exército, permitiu ao público externo, apesar do pouco tempo em que ficou acessível, conhecer, mesmo que superficialmente, como as Forças Armadas acompanham e analisam a guerra na Ucrânia. 

 

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