Violação de direitos humanos pela guerra na Ucrânia alcança patamar da II Guerra Mundial

18 de abril de 2022

 

Por Ana Júlia Martins Dias Felizardo, Barbara Rodrigues de Souza, Lavínia Matos Costa, Scarlett Rodrigues da Cunha e Gilberto M. A. Rodrigues (Foto: Unsplash)

 

A invasão da Ucrânia pela Rússia está sendo marcada por um alto número de pessoas em situação de refúgio, morte de civis, discriminação contra africanos/as e asiáticos/as, além da violência sexual contra mulheres ucranianas. 

Desde o começo da guerra formaram-se operações de proteção humanitária aos civis na Ucrânia e às pessoas refugiadas do conflito, com mais de dez agências da ONU atuando no território para apoio financeiro, médico e alimentar. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), juntamente com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), doaram milhares de colchões, latas de alimentos, mantas térmicas e kits higiênicos para a população em Lugansk, Dnipro e Lviv, além da Organização Mundial da Saúde que contribuiu com a entrega de mais de 100 toneladas de materiais médicos. Segundo o porta-voz da Cruz Vermelha, Tommaso Della Longa, em entrevista ao Vatican News, o maior problema é levar os materiais de ajuda humanitária até as regiões de conflito, o que requer maior apoio econômico para que a Cruz Vermelha possa intervir efetivamente.

Enquanto a guerra prossegue e o cenário se torna cada vez mais crítico, com o número de civis mortos ultrapassando 1.800, investigações sobre possíveis crimes de guerra são realizadas pelo Escritório do Procurador do Tribunal Penal Internacional e por autoridades da Ucrânia, tendo como base supostas evidências de prováveis ataques deliberados a civis e a locais proibidos pelo Direito Internacional Humanitário (DIH). A Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) também tem investigado atos que violam o DIH dentro do território ucraniano por parte de soldados russos, até mesmo violações cometidas contra prisioneiros/as de guerra por parte da população da Ucrânia. Além disso, os comportamentos discriminatórios e racistas nas fronteiras com países vizinhos e violências contra as mulheres também têm sido alvo de investigações por organizações internacionais.

Vale ressaltar também que algo inédito aconteceu, a Rússia foi suspensa do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em 7 de abril, a partir do suposto Massacre de Bucha, que levou à morte de 400 civis ucranianos. Esse movimento de exclusão da Rússia de órgãos internacionais, na esteira das sanções contra o país por Estados ocidentais ou alinhados com os EUA e a União Europeia, ao mesmo tempo em que ecoa a indignação internacional pela visão de cenas trágicas e inaceitáveis de mortes e destruição, coloca um problema para a ONU manter-se minimamente neutra para o diálogo com Moscou e a realização de investigações independentes sobre as violações de Direito Internacional promovidas pelos ataques russos.

Migração e refúgio

As migrações forçadas de pessoas ucranianas tiveram lugar assim que a guerra se iniciou. Segundo o ACNUR, de 24 de fevereiro a 12 de abril, foram contabilizados 4.656.509 indivíduos que deixaram o território da Ucrânia sendo, em sua maioria, mulheres e crianças. Os destinos imediatos são os países fronteiriços, como a Polônia – que recebe o maior número de migrantes, chegando a 2.669.637 – Romênia, Hungria, Rússia, Moldávia, Eslováquia e Bielorrússia. O deslocamento interno de pessoas na Ucrânia para o oeste do país é igualmente alto. 

Diante desse cenário catastrófico, em que milhões de pessoas cruzaram as fronteiras da Ucrânia em menos de um mês – algo equiparado apenas à Segunda Guerra Mundial em relação à Europa – a União Europeia (UE) ativou sua Diretiva de Proteção Temporária (2002/55/CE) a movimentos massivos de pessoas deslocadas, possibilitando que cada país membro adote medidas mais amplas para proteger pessoas oriundas da Ucrânia.

Já nos países receptores, esses migrantes recebem ajuda humanitária pelos próprios Estados, os quais são auxiliados pelo ACNUR, por outros órgãos de acolhimento da ONU e até mesmo pela União Europeia. Na Polônia, por exemplo, a população migrante foi autorizada a permanecer nos centros de acolhimento caso não tivessem nenhum familiar ou amigo (a) residente no país. Esses centros oferecem alimentos e atendimento médico. Contudo, com o crescente número de migrações forçadas, o país não está conseguindo arcar com todas as demandas, solicitando ajuda à UE. Na Hungria, por outro lado, a estrutura estatal de recepção e apoio a pessoas refugiadas foi desmantelada pelo governo de Orbán, e apenas ONGs, como o Comitê Helsinque da Hungria, prestam alguma assistência. 

Essa nova realidade tem provocado mudanças profundas na realidade ucraniana. Esse é o caso de Yuliia, seu marido e seu filho, moradores da cidade de Bucha e que se juntaram aos mais de 7,1 milhões de cidadãos(ãs) deslocados(as) internamente no país, segundo relato da OIM. Depois de semanas na estrada, a família chegou até a província de Zakarpattia, no extremo oeste do país, para onde centenas de moradores (as) de outras regiões se deslocaram após as investidas russas. 

O número de pessoas obrigadas a irem para outras províncias do país vem crescendo cada vez mais rápido desde o fim de março, representando um aumento de 10% no número de cidadãos removidos internamente desde a primeira pesquisa feita em 16 de março. Além disso, é estimado que mais de 50% das famílias deslocadas têm crianças e mais de um terço dessas indicaram que não tiveram renda no último mês, segundo a OIM. As regiões mais próximas das fronteiras, como mostrado anteriormente, acabam sendo o principal destino da população ucraniana que busca por mais segurança na proximidade com os países vizinhos.

Racismo e violência de gênero contra migrantes

Diante de um conflito armado, o racismo e violência são usados como arma de guerra. Relatos acerca de comportamentos discriminatórios e racistas nas fronteiras da Ucrânia com países vizinhos são inúmeros. Isaac, um nigeriano que residia na Ucrânia quando a Guerra estourou, relatou à BBC que ouviu na fronteira da Polônia funcionários dizendo que “não estavam atendendo africanos”. Dentre as situações racistas como a de Isaac, a União Africana (UA) também registrou momentos em que pessoas negras e asiáticas foram retiradas de transportes coletivos que levavam ucranianos/as aos países vizinhos para dar lugar às pessoas brancas, demonstrando o quanto a comoção pelas vidas refugiadas é seletiva. O racismo estrutural e sistêmico se coloca como uma arma tão letal que tem impedido a passagem de africanos/as e indivíduos de outras origens para um lugar seguro, demonstrando que até mesmo nos momentos de crise humanitária é negado o direito à vida e à proteção para esses grupos em função do privilégio branco

A fim de proporcionar uma resposta institucional, diversas organizações internacionais têm denunciado os atos de racismo cometidos no âmbito da guerra, em especial um grupo de 67 professores e professoras de universidades e entidades brasileiras, de Portugal, Moçambique, Guiné Bissau, Angola e França que protocolaram uma carta de denúncia às práticas racistas na Câmara dos Deputados no Brasil no dia 11 de abril.

Vale destacar que no epicentro de todo esse conflito, encontram-se também as mulheres ucranianas, vítimas da violência sexual, psicológica e física. Segundo os relatos coletados pela equipe da BBC News, 25 meninas e mulheres, entre 14 a 24 anos, foram estupradas durante uma ocupação em Bucha. Dentre elas, nove estão grávidas e escutaram de soldados russos que “eles iriam estuprá-las a ponto delas não quererem contato sexual com nenhum homem, para impedi-las de terem filhos ucranianos”. Esses e outros relatos disparam um “alerta” para uma crise de proteção, como mencionado por Sima Bahous – diretora executiva da ONU Mulheres – ao Conselho de Segurança no dia 11 de abril.

Essas e outras situações de violência denunciadas vão provocar cicatrizes e marcas na vida dessas pessoas, muitas irreparáveis. Tal cenário demanda a necessidade e urgência de uma resposta institucional dos órgãos internacionais em relação à análise, responsabilização e mitigação das violações ao direito humanitário e aos direitos humanos durante a guerra na Ucrânia.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *