12 de julho de 2022
Por Mikael Servilha, Gustavo Rocha Botão e Leonardo Brandão Rocha (Foto: Jay Louvion/OMC)
A recente 12ª Conferência Ministerial (CM-12) da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, na Suíça, reuniu representantes dos 164 países-membros para discutir os rumos do comércio mundial após mais de dois anos de pandemia, inflação mundial e crise nas cadeias produtivas.
As conferências ministeriais da OMC, iniciadas em Singapura no ano de 1996, são uma instância decisória da organização e estão previstas para ocorrer a cada dois anos. Originalmente prevista para junho de 2020 em Nursultan, no Cazaquistão, foi adiada para junho. Além do hiato de quase cinco anos entre esta e a 11° Conferência, realizada no final de 2017 em Buenos Aires – Argentina -, outras questões, como acesso a vacinas e alimentos, também reforçaram as expectativas para a 12° rodada de negociação ministerial da OMC.
A Conferência Ministerial deste ano teve como foco as discussões a respeito da reforma da OMC, do destravamento do Órgão de Solução de Controvérsias, regulação do comércio de serviços, proposta de suspensão dos direitos de propriedade intelectual sobre vacinas contra a Covid-19, redução dos subsídios à pesca, moratória sobre transmissões eletrônicas e questões relativas à agricultura e segurança alimentar. As decisões são tomadas por meio do consenso entre os 164 países-membros.
Antes do evento, a delegação brasileira na OMC defendeu tornar as conferências anuais, em vez de bienais, sob o argumento de que o intervalo entre as Ministeriais gera incertezas e exerce pressão sobre os membros da organização para obtenção de resultados substanciais, o que dificulta as negociações. Além disso, temendo o fortalecimento da Índia como exportadora de grãos em razão da guerra na Ucrânia, a delegação brasileira defendeu a criação de estoques de grãos pelos países mais pobres, desde que cumprissem com sua função de garantir a segurança alimentar, mas não fossem usados para distorcer os preços do mercado, não podendo os grãos servir como ração de animais e nem para reexportação. Essa era a pauta prioritária para o Brasil na Conferência Ministerial. Em relação à pesca, a posição brasileira é em favor da proibição de subsídios à atividade pesqueira, que tendem a favorecer os países desenvolvidos, contrariando os interesses brasileiros no setor.
Paralelamente, e na esteira de liberalização comercial, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou um documento se posicionando em favor da restauração do Órgão de solução de controvérsia, do combate aos subsídios industriais e agrícolas, bem como advogando por uma renovação permanente da moratória sobre transmissões eletrônicas. Tais posicionamentos alinhados com a recente posição do governo brasileiro, revelam-se também como uma caixa de ressonância da agenda estadunidense sobre esses temas.
Pacote da 12° Conferência
Os resultados da 12° Conferência abarcaram um acordo sobre subsídios à pesca, a renovação da moratória sobre transmissões eletrônicas, uma decisão ainda insuficiente sobre flexibilização dos direitos de propriedade intelectual para o enfrentamento da Covid-19, entre outros. A solução permanente sobre estoques públicos para enfrentamento da insegurança alimentar, um dos temas mais urgentes que se colocavam por pressão de diversos países em desenvolvimento, não foi negociada.
Não limitado ao pacote negociado, fato é que a reunião ministerial deste ano se deu em um contexto de múltiplas pressões acumuladas. De um lado, as big pharmas e big techs advogaram respectivamente por uma flexibilização limitada sobre direitos de propriedade intelectual e pela renovação da moratória sobre transmissões eletrônicas. De outro, a sociedade civil e diversos países em desenvolvimento reforçaram as demandas por soluções concretas, sobretudo em matéria de acesso à vacinas e alimentos.
Esses últimos, destacam também a não garantia de assentos à sociedade civil e às delegações de diversos países em desenvolvimento nas mesas de negociações. Somado a isso, questionamentos foram levantados sobre o atual mandato e a capacidade da OMC de responder às crises globais que se impõem atualmente. Foram nesse sentido as diversas manifestações realizadas em Genebra, do lado de fora do prédio da OMC.
Nesse contexto, em discursos institucionais, como o da Diretora Geral da Organização Ngozi Okonjo-Iweala, o balanço é de que a 12° Ministerial alcançou um “pacote histórico” e que foram adotados “acordos multilaterais – de escala e alcance que a OMC não obtinha desde meados da década de 1990 – que ajudarão as pessoas, as empresas e o planeta”. Na mesma linha, Anabel González, diretora-geral adjunta da OMC, enalteceu formas alternativas de “progredir”, em referência: à decisão ministerial sobre direitos de propriedade intelectual de vacinas contra a Covid-19 e às iniciativas conjuntas, também chamadas de negociações plurilaterais.
Análises mais críticas, porém, sublinham que a 12° Conferência reforçou traços anti-democráticos e anti-transparentes da OMC, bem como concluiu com resultados pró-corporativos, anti-trabalhistas e anti-desenvolvimento. É nesse sentido que Deborah James contesta a legitimidade da organização atualmente, em especial pelos processos pouco participativos e transparentes que imperaram nas negociações conduzidas na reunião deste ano.
Mais do que isso, destacou-se também um preocupante cenário, onde o multilateralismo cada vez mais parece deixar de ser regra na OMC. Muitas negociações importantes foram levadas à salas fechadas, sem a participação de diversas delegações, e do encorajamento institucional para a condução de temas às iniciativas conjuntas na plataforma da OMC, como as plurilaterais sobre comércio eletrônico, que rompe com princípios multilaterais ao reservar a deliberação sobre novas regras, em temas específicos, à um grupo auto-seletivo de membros que convergem em alguns aspectos.