Lições da Cúpula das Américas: o que os Estados Unidos e a China têm a oferecer à América Latina?

12 de julho de 2022

Por Ana Luísa da Cunha, Kethelyn Santos, Luccas Gissoni e Rafael Abrão (Foto: Unsplash) 

 

Em junho de 2022, os Estados Unidos sediaram a nona edição da Cúpula das Américas. A ideia original para a realização destes encontros, cuja primeira edição ocorreu em 1994, era estreitar laços e aprofundar a cooperação entre os países do continente no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). Os Estados Unidos, que sempre consideraram o espaço geográfico latino-americano como o seu “quintal”, viram a oportunidade de sediar a reunião, em Los Angeles, como um momento propício para que o governo de Joe Biden retome parte da influência estadunidense na América Latina e consiga fazer frente à expansão da influência política e econômica da China na região. Os países latino-americanos têm sido pressionados pelos Estados Unidos a não estreitarem laços com a China em projetos estratégicos. Mas afinal, o que as duas potências têm a oferecer aos países da região?

 

Três países latino-americanos não foram convidados a participar desta edição da Cúpula das Américas – Venezuela, Nicarágua e Cuba – sob a alegação do país anfitrião de que violam os princípios democráticos do encontro. A Venezuela é estrangulada por uma série de sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos. As sanções proíbem todas as transações de pessoas físicas e jurídicas com empresas que tenham operações em território estadunidense, limitando seu acesso ao sistema financeiro internacional, as operações das empresas venezuelanas no exterior e de empresas estrangeiras na Venezuela. Isso atinge especialmente a empresa estatal de petróleo, a PDVSA, que corresponde à maior parte das atividades econômicas de um país que tem parte considerável da sua economia baseada no petróleo.

 

Enquanto as sanções são responsáveis por grande parte das dificuldades econômicas da Venezuela, a China tem se apresentado como uma alternativa, tornando-se a principal parceira comercial, financeira e política do país. A relação com a China tem sido fundamental para que a Venezuela consiga crédito e liquidez em moeda conversível, por meio de contratos que asseguram o fornecimento de petróleo venezuelano para a China, e tem sido essencial para a recuperação econômica da Venezuela e para contornar as sanções impostas pelos Estados Unidos.

 

A Nicarágua, outro ausente, também é um país para o qual a China tem se transformado em um importante parceiro em substituição aos EUA. A aproximação entre a China e a Nicarágua se estabeleceu a partir de dezembro de 2021, quando o país da América Central rompeu relações diplomáticas com o governo de Taipei e passou a reconhecer o governo em Beijing como a legítima representação da China. Tal aproximação ocorreu após o não reconhecimento por parte da Organização dos Estados Americanos (OEA) do resultado das eleições presidenciais quando Daniel Ortega foi reeleito.

 

Para a China, as relações diplomáticas representam a possibilidade de estabelecer acordos de cooperação e ampliar as relações comerciais com a América Central, que historicamente se vê sob a influência dos Estados Unidos e concentra o maior número de países que mantêm laços diplomáticos com Taiwan. Já para a Nicarágua, tal aproximação representa uma política externa mais independente e um afastamento da esfera de influência de Washington. 

 

Há ainda o caso do Brasil, que tem sido pressionado pelos Estados Unidos a auxiliar o seu interesse de reduzir a influência da China na América Latina.  Cabe destacar, por exemplo, a pressão para que o lançamento do edital para implementação da tecnologia 5G no Brasil restringisse a atuação de empresas chinesas, particularmente a gigante Huawei. O Embaixador dos Estados Unidos no Brasil chegou a afirmar que o país “sofreria as consequências”, caso optasse pela tecnologia chinesa. Entretanto, a tecnologia oferecida pelas concorrentes da Huawei era mais custosa e tornaria a implementação da rede 5G mais onerosa para as operadoras brasileiras, o que acabou fazendo com que o governo brasileiro não criasse regras para restringir a participação de empresas chinesas. Estabeleceu-se, no entanto, a construção de uma rede restrita para o governo federal, que afastasse supostas falhas de segurança da tecnologia chinesa e supostos casos de espionagem.

 

Outro exemplo similar de pressão é o caso da Argentina, que recebeu uma visita relâmpago de representantes do governo de Joe Biden, com o objetivo de impedir que o país optasse por construir uma usina nuclear com tecnologia chinesa. A aproximação entre Argentina e China ocorreu pelo interesse chinês nos vastos recursos naturais argentinos, especialmente produtos como soja, carne, e diversos outros insumos agrícolas. Em contrapartida, a cooperação com a China tem aliviado as dificuldades econômicas da Argentina, contornando as imposições do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ampliando o acesso do país às importações de bens de capital e de manufaturados chineses, sem depender de suas reservas escassas em dólar.

 

Recentemente, a Argentina aderiu ao projeto chinês de investimentos em infraestrutura, a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI). Antes da entrada, o país já havia garantido financiamentos expressivos em infraestrutura, como o observatório espacial chinês, instalado na província argentina de Neuquén, na Patagônia, a construção de um gasoduto e uma linha de alta tensão de 132 km para fibra óptica na província de Entre Ríos, pela Corporação Nacional de Importação e Exportação da China (CNTIC), além da negociação de uma linha de crédito para financiar a importação de equipamentos chineses e modernizar o parque industrial argentino.

 

A partir da observação destes exemplos e da realização da Cúpula das Américas, é possível concluir que os Estados Unidos têm encontrado dificuldades para manter o mesmo grau de influência que historicamente exerceu sobre a América Latina. Estas dificuldades estão relacionadas à ascensão política e econômica da China, mas também com a falta de propostas reais dos Estados Unidos para os problemas dos países latino-americanos. A China tem se apresentado como uma alternativa concreta para auxiliar em projetos de interesse para o desenvolvimento da região. Desse modo, enquanto a China oferece investimentos em infraestrutura ou linhas de financiamento, os Estados Unidos têm, em contrapartida, oferecido apenas o discurso de que a cooperação com a China não é benéfica para a região. Cabe à América Latina explorar as relações que melhor atendem às suas necessidades.

 

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