Condições para adesão à OCDE podem fazer o Brasil voltar a olhar para o meio ambiente?

12 de julho de 2022

Por Bianca Lima, Cássia Lima, Sofia Spada e Diego Azzi (Foto: Herve Cortinat/OCDE) 

 

A OCDE anunciou oficialmente o plano de adesão do Brasil à organização, após aprovação consensual entre os seus 35 países-membros. Trata-se de um roteiro que orientará o trabalho de análise concreta da candidatura que o Brasil formalizou em 2017, durante o curto governo de Michel Temer.

A OCDE se caracteriza por ser uma organização de governança plurilateral, liderada pelos EUA e a UE, com foco no desenho das chamadas “boas práticas” para políticas públicas em democracias de mercado. Um de seus principais objetivos declarados é o crescimento econômico sustentável, e seus membros são orientados a assumir o compromisso de usar suas fontes econômicas com eficiência, promover o desenvolvimento científico e tecnológico, buscar por políticas orientadas para o crescimento econômico e estabilidade financeira, e fazer uso dos instrumentos da OCDE em relação a uma grande variedade de temáticas.

Ao menos desde 1990, o Brasil vem se envolvendo progressivamente em projetos, organismos e atividades da OCDE, mas para ser admitido como membro pleno é necessário assumir um compromisso mais profundo com a organização e seus métodos. Dessa forma, é importante que caso o Brasil leve a termo a membresia plena, que o faça traçando uma estratégia assertiva e soberana – e que não se mobilize movido por voluntarismos conjunturais e motivações de curto prazo.

O Brasil já se destaca por ser o país não-membro participante do maior número de instâncias e projetos da OCDE, e que já aderiu ao maior número de instrumentos legais da organização, 105 de 254, em 2022. O governo federal anuncia ainda que o país deverá se tornar o primeiro país não-membro a concluir o processo de adesão aos Códigos de Liberalização do Movimento de Capitais e de Operações Correntes Intangíveis, instrumentos emblemetáticos. Mesmo assim, para tornar-se membro pleno, será necessária ainda a modificação de diversas políticas públicas e peças de legislação, visando acordo com os padrões e as normas preconizadas pela Organização.

Uma temática bastante relevante para a OCDE nos últimos anos tem sido a de Meio Ambiente e Crescimento Verde, com o objetivo correlato de promover estudos e orientações políticas em prol da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. Assim, um ponto a se considerar no debate público é a sistematização da política ambiental adotada pela OCDE e que tipo de alterações o Brasil terá que realizar em sua política ambiental doméstica no intuito de convergir com as políticas e as orientações encabeçadas pela OCDE, fortalecendo sua candidatura ao passo que avança ações em linha com a Agenda 2030. Poderá o processo de adesão do Brasil à OCDE exercer condicionantes fortes o suficiente para redirecionar o país para uma retomada dos esforços de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável?

A estratégia principal da OCDE neste campo vem sendo a do chamado Crescimento Verde, que significa o fomento do crescimento econômico e do desenvolvimento na mesma medida em que se mantém o fornecimento de recursos e de serviços ambientais. A Organização defende que, sem a inserção dessa estratégia, a tendência é que os gastos para recuperação do capital natural se inflem, com a possibilidade de levar ao esgotamento de recursos naturais, o que estagnaria o processo produtivo e a acumulação econômica.

Os elementos essenciais dessa visão são que o crescimento econômico e conservação do capital natural se reforcem mutuamente e que políticas tornem a poluição mais cara, desincentivando-a. Como indicadores, são avaliados a produtividade ambiental e dos recursos; os ativos econômicos e ambientais; a qualidade de vida ambiental, oportunidades econômicas e as respostas políticas.

Como centro produtor de trabalhos e estudos sobre políticas públicas, a visão política ambiental da OCDE é focada em melhora da coerência política, promoção de investimentos no desenvolvimento sustentável, apoio ao crescimento inclusivo e bem-estar, busca pela garantia da sustentabilidade do planeta, promoção de parcerias, fortalecimento da disponibilidade e da capacidade de dados; e facilitação do acompanhamento e revisão. As ações temáticas possuem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como plano de fundo, e são guiados pelo Comitê de Política Ambiental e pelo Comitê dos Químicos, com um total de 11 áreas dentro da proteção ambiental.

A OCDE possui cartas de recomendações e decisões para cada um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que devem seguidas por seus membros, sendo as decisões de caráter jurídico vinculante – ou seja, possuem implicação de cumprimento legal -, enquanto as recomendações possuem apenas a força moral da revisão mútua dos pares para promover a adesão e implementação voluntárias.

Há hoje doze decisões relacionadas ao Meio Ambiente em vigor, as quais giram em torno da gestão de resíduos e substâncias perigosas, a disponibilização e compartilhamento de informações a respeito de químicos, bem como decisões a respeito da produção e gerenciamento seguro destes, principalmente visando a prevenção da poluição por movimentos transfronteiriços. Já as recomendações são bem mais extensas e englobam todos os ODS e, apesar de serem instrumentos jurídicos não vinculantes, são importantes para avaliar o alinhamento da política ambiental dos países com as normas da OCDE e a coesão do espírito de like-mindedness (pensamento comum) entre os membros. 

Avaliando o desempenho ambiental brasileiro

Em 2021, a OCDE lançou o relatório “Avaliação do progresso do Brasil na implementação das recomendações previstas na Avaliação de Desempenho Ambiental e na promoção de seu alinhamento com o acervo básico da OCDE sobre meio ambiente”, documento traduzido ao português pela Conectas Direitos Humanos.

A avaliação do alinhamento da política ambiental do Brasil em relação aos requisitos para adesão à OCDE seguiu os seus próprios instrumentos jurídicos, quais sejam: o princípio do poluidor pagador, a avaliação ambiental, a prevenção e controle integrado da poluição, o desempenho ambiental do governo, os instrumentos econômicos e fornecimento de informações ambientais, a gestão dos recursos hídricos, a conservação da biodiversidade, energia e poluição do ar, transporte e resíduos.

O Brasil apresentou alinhamento com as recomendações sobre o acesso à informação ambiental, porém a avaliação aponta que são necessárias melhorias a respeito da gestão ambiental do país como um todo, considerando a periodicidade dos relatórios de avaliação ambiental e a melhoria dos indicadores ambientais.

O documento da OCDE evidencia a necessidade de o país melhorar a integração entre as informações ambientais públicas com o desempenho ambiental do setor privado. Sobre a gestão dos recursos hídricos, a recomendação da OCDE deixa clara a necessidade da criação de comitês locais de gestão e a importância de fortalecer o controle de pesticidas nos corpos hídricos.

A avaliação aponta o novo marco legal do saneamento de 2020 como estando de acordo com as recomendações da OCDE mas, no entanto, o PL 2021 que representa uma mudança na gestão nacional de recursos hídricos, mostra divergências entre as recomendações e a política ambiental nacional, como o enfraquecimento dos comitês regionais das bacias hidrográficas.

Em relação à gestão de resíduos sólidos, o Brasil tem o compromisso de até 2024 encerrar os aterros sanitários a céu aberto e retomar a recuperação de resíduos, estagnada desde 2010. Contudo, o país apresentou avanços no tema, como o aumento na taxa de coleta de resíduos sólidos e um aumento na participação da coleta seletiva (em 2020 o percentual da coleta seletiva nacional foi de 2,2%). Todavia, apesar dos avanços na gestão de resíduos sólidos, a avaliação aponta que falta ainda uma regulação sobre os resíduos classificados como perigosos e sua correta e segura disposição.

O quesito do desmatamento e da proteção da biodiversidade foi o que apresentou menor alinhamento com as recomendações da OCDE, sendo o principal ponto de adequação necessária a respeito da prevenção e monitoramento do desmatamento e de maior clareza sobre a compensação ambiental. Os estudos de impactos ambientais (EIA, em inglês) também devem ser aprimorados, considerando a integração entre política ambiental e política pública e uma adequação no rigor da prevenção e controle da poluição.

Sobre o princípio do poluidor-pagador, contido no artigo 4º, VIII da Lei 6.938/81, o relatório afirma que o país está parcialmente de acordo com a OCDE, mas ainda é preciso que o Brasil diminua e eventualmente cesse os subsídios para as atividades poluentes, como os subsídios à produção de combustíveis fósseis. Na prevenção e controle da poluição, falta alinhamento com os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e planejamento do uso da terra e uma melhora substantiva no desenvolvimento ambiental dos empreendimentos governamentais. A OCDE recomenda também que o Brasil tenha metas mais claras a respeito da promoção de compras públicas “verdes” e que haja um acompanhamento mais transparente dos gastos ambientais.

Houve uma expansão das taxas de resíduos e água a nível nacional, mas falta a implementação da recomendação sobre impostos especiais para o consumo de energia por parte de todos os setores e a sua devida vinculação com os parâmetros ambientais e a tributação de veículos integrada a critérios ambientais. O setor energético foi o que apresentou maior coesão com as recomendações da OCDE, sendo bem avaliado pelo documento devido principalmente à eficiência energética do país e sua matriz amplamente composta por geração hidrelétrica.

Atuação recente da representação do Brasil na OCDE

Desde 2019, o Itamaraty tem produzido boletins informativos sobre a participação do Brasil na OCDE, nos quais é possível notar qual tem sido a imagem que o Brasil tenta exibir perante a Organização. Dentre os 24 boletins analisados, que vão do período de janeiro de 2019 a fevereiro de 2022, 12 mencionam aspectos relacionados ao meio ambiente. Junto com outros temas como saúde, energia, agricultura, governança pública, desenvolvimento sustentável e indústria, o meio ambiente foi um dos assuntos mais mencionados nos boletins divulgados pelo Itamaraty.

No tema ambiental, as pautas mencionadas pela representação brasileira em Paris são diversas, tratando da participação do Brasil em reuniões de comitês, fóruns e grupos ambientais, como o Comitê de Política Ambiental (EPOC), o Grupo de Trabalho sobre Performance Ambiental (WPEP), Grupo de Trabalho sobre Biodiversidade, Água e Ecossistemas (WPBWE), Fórum sobre Crescimento Verde e Desenvolvimento Sustentável, Fórum Global de Meio Ambiente e do Clima, GT Conjunto de Agricultura e Meio Ambiente, Comitê de Política Ambiental, além de mencionar formas de financiamento públicas e privadas para o desenvolvimento sustentável – como a participação do BNDES no contexto nacional e o Projeto OCDE Prosperity Fund -, a relação entre meio ambiente e agricultura, e políticas ambientais.

A contribuição do Brasil para os temas, entretanto, é sempre abordada de forma genérica ou positiva, ou destacando quais foram os aspectos gerais tratados nas reuniões e quais são os desafios globais relacionados às mudanças climáticas, ao uso de plástico, à redução de emissões de carbono, etc. Quando é diretamente mencionada a contribuição brasileira, são destacados os pontos positivos da política ambiental do país perante a OCDE. No boletim informativo nº 37, divulgado em julho de 2021, há uma menção à performance ambiental do Brasil, analisada pelo relatório “Evaluating Brazil’s progress in implementing Environmental Performance Review recommendations and promoting its alignment with OECD core acquis on the environment”, no qual o boletim do Itamaraty informa que “o relatório reconhece, de modo geral, a solidez da legislação ambiental brasileira, mas aponta também necessidade de aperfeiçoamento na implementação de políticas na área”.

Parcialmente correta, tal síntese não reflete, de fato, os resultados observados no relatório. Apesar de mencionar que o Brasil possui uma gama de políticas ambientais que, em alguns aspectos, vão além do esperado pela OCDE para a proteção ambiental, o relatório destaca que urge uma melhor fiscalização e rigidez na implementação das leis já existentes. Além disso, são explicitamente mencionados problemas ambientais recentes que o Brasil apresentou, tais como o pior derramamento de petróleo no mar na história do país, rompimento de barragens de mineração e o aumento recorde do desmatamento.

Portanto, a expressiva aparição do tema ambiental nos boletins diplomáticos denota um esforço do governo brasileiro em mostrar-se engajado com o tema e em preservar a imagem do país no exterior, dada a necessidade de adequar-se aos parâmetros defendidos pela OCDE. No entanto, a discrepância entre discurso e realidade é gritante. Como apontado pelo documento “Lacunas de governança socioambiental no Brasil: utilizando o processo de acessão à OCDE para fortalecer os direitos humanos e a proteção ambiental”, elaborado pelo OECD Watch, Conectas e FIDH, as falhas da governança ambiental no Brasil – que “vão desde leis ou regulamentos ruins, subfinanciamento de ministérios ou políticas-chave, falhas na execução e na responsabilização, falha na transparência e na participação social, a repressão a críticas – estão causando graves danos ao Estado de Direito, aos direitos humanos e ao ambiente”.

Os dados, porém, contradizem o discurso da diplomacia ambiental brasileira, e mostram que o desmatamento vem batendo recordes históricos desde o início do governo Jair Bolsonaro em 2019. Como adverte a ONG ambientalista WWF, “em maio deste ano, os números de queimadas e desmatamento bateram recordes na Amazônia — as queimadas tiveram 184% de crescimento em relação à média do mês de maio nos últimos dez anos e perdeu 2.867 km entre janeiro e maio, batendo o recorde de devastação pelo terceiro ano consecutivo”.

Assim, a postura da diplomacia ambiental brasileira na OCDE segue uma estratégia que tenta enfatizar a suposta qualidade formal do arcabouço legal do país, enquanto se esforça para descolar o governo federal e minimizar a sua responsabilidade sobre as políticas socioambientais de fato implementadas e seus devastadores resultados.

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