O colapso da proteção dos direitos humanos na Amazônia

12 de julho de 2022

Por Barbara Rodrigues de Souza, Gabrielle Duarte Cunha, Gabrielle Lui Santana, Lucas Lourenço Balestra e Gilberto M. A. Rodrigues (Foto: Unsplash) 

 

O brutal assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips em junho passado, em Atalaia do Norte, no Amazonas, evidencia o colapso da proteção dos direitos humanos a ativistas dos direitos indígenas, dos povos originários e do meio ambiente na Amazônia.

Dom era um jornalista britânico, colaborador do The Guardian, casado com a brasileira Alessandra Sampaio, e sensível aos problemas da Amazônia. Bruno foi servidor da Funai durante nove anos, um dos mais experientes indigenistas do país, que se dedicava a apoiar a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari. E foi nessa área que os dois foram vistos pela última vez, com a intenção de realizar pesquisas para a produção de um livro sobre o meio ambiente que seria chamado “Como salvar a Amazônia”.

As investigações que se seguiram ao desaparecimento do indigenista e do jornalista trouxeram à tona os homicídios, e inclusive os prováveis suspeitos, que se entregaram à delegacia alguns dias depois. Existe a hipótese de que os assassinatos foram cometidos por conta de pesca ilegal realizada pelo suspeito. A Univaja sustenta a existência de um grupo ligado ao crime organizado que teria comandado os pescadores a cometer os crimes. Em 7 de junho, a polícia federal prendeu o principal suspeito de ser mandante do crime, Rubens Villar Coelho, conhecido como “Colombia”, de nacionalidade peruana, o que pode levar à conexão dos assassinatos de Bruno e Dom ao crime organizado internacional[1].

Violação dos direitos humanos no ativismo ambiental brasileiro

Infelizmente, o caso de Bruno Pereira e Dom Phillips não é algo isolado, segundo a ONG internacional Global Witness[2]. Entre 2009 e 2019 haviam sido registradas cerca de 139 mortes de ambientalistas, e, em 2020, o Brasil ocupou a quarta posição como país mais perigoso para ambientalistas e indigenistas. Tais dados comprovam um histórico tenebroso que assola o país e vem se tornando cada vez mais ameaçador diante das políticas ambientais precárias e a escassa fiscalização imposta pelo governo federal, que estimula o garimpo, extrativismo e pesca ilegais e contribuem de maneira determinante a construir um cenário de insegurança e violência contra ativistas da causa ambiental e dos direitos humanos.

O descaso com as políticas ambientais não é novidade no atual governo, que registrou recorde de desmatamento em 2020 em relação à última década, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Foram realizados profundos cortes orçamentários no IBAMA e na FUNAI comprometendo a fiscalização de violações ambientais e a garantia da soberania dos povos indígenas sob as suas terras.  Além de diversas outras ações que vão cada vez mais na contramão das tendências mundiais de desenvolvimento sustentável e consciência ambiental. Em uma palestra realizada a policiais federais e investigadores estrangeiros, o procurador do Ministério Público Federal (órgão com competência para proteger a população e as terras indígenas na justiça), Luís de Camões Boaventura, declarou que “[…] a autarquia indigenista, a FUNAI, infelizmente não existe mais no Brasil”[3]. Assim, os movimentos ambientais representam uma fonte de resiliência e resistência à preservação da floresta diante do cenário de desgoverno e falta de ação estatal, principalmente na região da Amazônia.

O assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips evidenciou a tragédia que vem ocorrendo na região, a tornando visível para diversas organizações. Houve uma paralisação dos servidores da FUNAI[4], que reivindicava não só justiça por Bruno e Dom, como também melhorias gerais nas condições de segurança e trabalho para atuar em causas indígenas e de preservação, algo que se provou extremamente precário durante a atual gestão da FUNAI.

Além disso, a ONU, por meio de seu órgão executivo de direitos humanos, emitiu uma nota cobrando um posicionamento do governo brasileiro mais incisivo em medidas de proteção ambiental e de apoio aos indígenas contra ameaças ilegais, reforçando a importância dos órgãos públicos voltados para esses assuntos, dado que “ataques e ameaças contra defensores de direitos humanos ambientais e povos indígenas, incluindo aqueles em isolamento voluntário, continuam persistentes”.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) declarou que irá incluir o assassinato de Dom Phillips no Programa Tim Lopes, atividade responsável pela investigação de assassinatos de jornalistas em funções. Tal medida confirma a desconfiança de instituições perante as investigações dos órgãos policiais ligados ao governo.

Impacto e repercussão internacional

“Dom Phillips, o jornalista que morreu tentando alertar o mundo sobre a guerra contra a natureza” é a frase expressa na capa do jornal britânico The Guardian do dia 17 de junho, que traz à tona a discussão ao redor do mundo sobre a luta velada entre aqueles que ameaçam a natureza e aqueles que tentam protegê-la.

Diversos foram os veículos de comunicação internacionais que noticiaram o sumiço e a descoberta do assassinato de Bruno e Dom, como The New York Times, Le Monde, BBC News, Washington Post, Al Jazeera, El Pais e The Telegraph[5]. Além de narrarem fatos relevantes para a compreensão do caso, como a confissão dos responsáveis pelo crime e a forma como a tragédia se deu, jornais como Al Jazeera e El Pais abordam também a postura atual e negativa do governo brasileiro frente ao ocorrido.

Nesse cenário acompanhado internacionalmente, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) enviaram, em 20 de junho, uma declaração à Secretaria do Conselho de Direitos Humanos da ONU denunciando as violências contra indígenas[6].

 

[1] https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/07/08/prisao-mandante-colombia-dom-bruno-ingenista-jornalista-assassinatos-am.htm

[2] https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/brasil-e-o-quarto-pais-do-mundo-que-mais-mata-ativistas-ambientais-diz-ong/

[3] https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2022/07/08/procurador-luis-camoes-mpf-funai-nao-existe-garimpo-terras-indigenas.htm

[4] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/06/23/servidores-da-funai-fazem-paralisacao-para-cobrar-justica-por-bruno-e-dom.htm?cmpid=copiaecola

[5] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/desaparecimentos-de-bruno-e-dom-geram-repercussao-na-imprensa-internacional/

[6] https://climainfo.org.br/2022/06/20/junto-com-bruno-e-dom-morre-tambem-a-imagem-do-brasil-no-exterior/

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