O que o Projeto de Nação dos militares diz sobre geopolítica mundial e Amazônia

12 de julho de 2022

Por Anna Bezerra, Flávio Rocha, Larissa Gradinar e Vinícius Bueno (Foto:Unsplash)  

 

Além de atacar o globalismo, o “Projeto de Nação”, documento dos Institutos Sagres, Federalista e General Villas Bôas, ligados a lideranças conservadoras, militares da reserva e ao governo Bolsonaro com diretrizes a serem implementadas no país até 2035, traz visões que apontam para o fortalecimento da vigilância do Estado no terreno da segurança cibernética e novos ataques à legislação de proteção ao meio ambiente e à população indígena na Amazônia. 

Às vésperas de uma eleição extremamente polarizada e transformadora, o Projeto de Nação é um importante documento que estabelece algumas normas que provavelmente serão adotadas em caso de um segundo mandato bolsonarista. Assim, instrumentos como a “desideologização”, o fortalecimento democrático, o fortalecimento da base industrial de defesa, o extermínio da radicalização e a esperança de uma reconstituição da “coesão social” são pontos-chave para entender como a bancada militar quer o Brasil de alguns anos à frente.

O tema intitulado “O Futuro da Democracia no Ocidente” discute como o Brasil estará após um longo período de turbulências e “lideranças patrimonialistas corruptas”. Entre os objetivos está “fortalecer a democracia por meio de reformas institucionais para sanear as disfuncionalidades do Estado, neutralizar a corrupção, o poder de ideologias radicais de qualquer natureza e valorizar o civismo e o liberalismo econômico com responsabilidade social.” (Projeto de Nação, 2022, p. 32). Além disso, o texto adota como diretriz o aperfeiçoamento dos sistemas políticos e jurídicos, e o aperfeiçoamento dos sistemas de ensino através do que seus autores chamam de “sentimento cívico”. 

Outro tema intitulado “Ameaças à soberania e a outros interesses do Brasil em seu Entorno Estratégico”, assim como o anterior, coloca a falta de coesão política interna como um grande desafio a ser enfrentado pelo país. Dessa forma, esse tópico estabelece um debate sobre a dificuldade do Brasil de preservar sua plena soberania para explorar seu patrimônio. Como diretrizes, o tema quatro estabelece o fortalecimento da base industrial de defesa (BID), o estabelecimento de um “papel proativo na busca de cooperação regional” (Projeto de Nação, 2022, p. 34), por meio do Itamaraty e da integração da segurança cibernética do setor público e privado. Em relação a esse último ponto, cabe ressaltar que nas várias versões dos documentos que constituem a Estratégia Nacional de Defesa, o exército brasileiro tem como responsabilidade designada cuidar da defesa cibernética em escala nacional.

Além dos debates acerca da geopolítica mundial, o Projeto de Nação também discorre sobre a  questão da Amazônia. O tema trinta e um do eixo Segurança e Defesa Nacional aborda a “Integração da Amazônia ao Brasil”. Nele, se discute a integração da região ao poder nacional e às demais regiões do país. Com esse objetivo, o projeto prevê investimentos públicos e privados na infraestrutura de transporte da região, bem como de telecomunicações e energia elétrica, somados ao controle de fronteiras e ao desenvolvimento de um mercado local.

Curiosamente, não existe indicação, no documento, de um temor de que os investimentos privados possam constituir uma ameaça à soberania nacional no mesmo patamar que ONGs. Considerando-se que interesses privados internacionais de grandes corporações do primeiro mundo, especializadas na exploração de recursos minerais e no desenvolvimento de biotecnologias costumam receber o apoio explícito dos governos dos seus países de origem (ou seja, existe a combinação de poder econômico com poder político num contexto do acirramento da competição entre EUA e China), causa espanto que a grande preocupação dos militares que chancelam esse documento se concentre exclusivamente em ONGs.

Algumas diretrizes do projeto se destacam e vão na contramão do esperado para um desenvolvimento sustentável. Uma delas é a implantação do Zoneamento Econômico e Ecológico (ZEE) Regional, que visa a remoção das “restrições de legislação indígena e ambiental, que se conclua serem radicais, nas áreas atrativas do agronegócio e da mineração” (Projeto de Nação, 2022, p. 83). Outras diretrizes destacadas têm como objetivo incentivar o aumento da produtividade nas áreas ocupadas pelo agronegócio e mineração, aumentar o valor dos produtos em questão e promover incentivos fiscais para o desenvolvimento da indústria 4.0 nesse contexto.

A questão que se coloca, com a possibilidade de vitória da oposição de esquerda, é como os autores desse documento e seus apoiadores, tanto militares da ativa como da reserva e seus aliados na extrema-direita, irão aplicar essas concepções para a defesa de seus interesses num enfrentamento com o governo eleito já a partir de 2023.

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