Por que o Brasil precisa de política cambial ativa

20 de setembro de 2022 

Por Bruno Castro Dias da Fonseca, Isabela Temístocles Gomes, Natália Martinho, Gabriel Carneiro e Pedro Vahamonde Rangel[1] (Foto: Pixabay)

 

Embora políticas para administrar o câmbio sejam vistas pelos economistas liberais como uma intervenção negativa, a instabilidade e a volatilidade do câmbio real-dólar são em parte fruto de especulação financeira, evidenciam a vulnerabilidade do Brasil a pressões externas e prejudicam o desenvolvimento nacional  

 

A taxa de câmbio, em especial a relação entre o real e o dólar, quase que diariamente angaria manchetes nos principais jornais do país, e a cobertura midiática desse componente macroeconômico é justificada pela incidência do preço do dólar sobre produtos básicos da economia nacional e ativos financeiros. Ocorre que além da taxa de câmbio em si, sua estabilidade também é crucial para uma atividade econômica devidamente coordenada. 

Enquanto a taxa é determinante para o nível dos preços e controle dos estoques, a estabilidade é fundamental para balizar expectativas de investimentos, tornando necessário debater formas de garantir uma taxa de câmbio alinhada a objetivos de desenvolvimento, incluindo a regulamentação de fluxos financeiros.

Mas se, por um lado, os jornais dão muito palanque à taxa de câmbio, por outro, há pouco espaço para política cambial. Esse fenômeno se deve à leitura de que qualquer intervenção do Estado prejudica o livre funcionamento do mercado e afasta os investidores internacionais, prejudicando a economia nacional e as contas públicas. 

É por esse motivo que a atual política cambial tende a deixar o câmbio flutuante conforme as pressões exógenas, atuando somente em contenções pontuais que representem ameaças de solavancos repentinos. Contudo, existem ferramentas para o governo brasileiro atuar na taxa de câmbio, subsidiando um debate relevante, porém interditado pela mídia tradicional. Autor do livro “Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil: Teoria, Institucionalidade, Papel da Arbitragem e da Especulação” (Editora FGV), Pedro Rossi – Doutor em Ciência Econômica pela UNICAMP, discute as alternativas que apresentaremos após um breve panorama externo. 

No cenário internacional, a administração do câmbio já vem sendo discutida. Em documento oficial, até o Fundo Monetário Internacional (FMI) reconhece os impactos significativos da taxa de câmbio no crescimento e na inflação, admitindo que o controle da mesma tem sido uma ferramenta importante para administrar a volatilidade em países periféricos.

A entidade também afirma que políticas cambiais intervencionistas têm se mostrado efetivas para lidar com crises externas temporárias e controlar suas repercussões sobre a taxa de inflação. Ainda, o FMI expressou que a quantidade de intervenção empregada por um país também aparenta ser mais relevante para administração do câmbio do que a mera presença de seu respectivo banco central no mercado internacional. 

O mesmo trabalho também traz o exemplo da Rússia, que enfrentava, em 2014, uma grande depreciação da moeda causada pela queda no valor do barril de petróleo e pelas sanções econômicas de outros países impostas devido à invasão da Crimeia. Em resposta à crise, o Banco Central da Rússia reduziu as expectativas de depreciação do câmbio, mitigando os efeitos subsequentes na inflação. Além disso, foram criadas outras medidas complementares para garantir a estabilidade do sistema financeiro. Apesar de ter gerado, inicialmente, uma redução das condições de liquidez no mercado internacional de câmbio, elas logo voltaram à normalidade. A taxa de inflação foi estabilizada e reduzida, revelando os efeitos positivos do controle de câmbio diante de crises externas temporárias.  

A China também é mundialmente reconhecida por sua política cambial intervencionista. No caso chinês, porém, esse mecanismo não é utilizado somente para manejar crises temporárias. Ao contrário da maioria dos países, a China não tem taxa de câmbio flutuante, o valor de sua moeda é atrelado ao dólar americano com uma taxa de referência que é atualizada diariamente, permitindo que o valor do câmbio flutue em um intervalo pré-determinado. Essa política favoreceu as exportações do país, pois o yuan mantém-se desvalorizado, tornando os preços dos produtos chineses mais competitivos no  mercado mundial. Essa política também favoreceu o crescimento exponencial da reserva de dólares chinesa.

Dessa forma, percebemos que o controle da volatilidade do câmbio é um instrumento possível para uma melhor administração econômica do país, sendo reconhecido até mesmo por entidades de postura mais liberal, como o FMI. Questiona-se, assim, se não seria o momento de o Brasil encarar sua política cambial com mais seriedade.

Brasil: volatilidade do câmbio, autonomia do Banco Central e Novo Marco Cambial

Pensar na forma que a discussão internacional acerca da política cambial se aplica ao Brasil exige repensar os argumentos frente aos próprios desafios do nosso país. A principal particularidade do Brasil está na elevada volatilidade do câmbio real-dólar em comparação com outras moedas. 

Para Rossi, essa condição decorre de dois fatores: uma taxa de juros estruturalmente elevada e a excessiva desregulamentação do mercado de câmbio, que o deixa vulnerável a fluxos financeiros especulativos. O principal efeito negativo dessa volatilidade se expressa no agravamento dos períodos de baixa do ciclo econômico, isto é, a elevada volatilidade do câmbio dificulta a recuperação em períodos de desaceleração da economia nacional.

Rossi aponta que o desarranjo macroeconômico contemporâneo passa pelas mencionadas instabilidade e volatilidade do câmbio real-dólar. O governo de Jair Bolsonaro, em particular, desfez diversas estratégias voltadas à estabilização do câmbio propostas por governos anteriores, assim como realizou duas grandes mudanças que afetam a proposição e a execução de política cambial: a instituição da autonomia do Banco Central por meio da lei sobre a autonomia do Banco Central de 2021 e a aprovação do Novo Marco Cambial. 

O principal impacto da tal da autonomia do Banco Central está na dificuldade que o poder executivo poderá ter para realizar uma sintonia fina dos mecanismos da política cambial, uma vez que as diretrizes e orientações gerais da política cambial ainda serão definidas no âmbito do Conselho Monetário Nacional (CMN). No caso do Novo Marco Cambial, Rossi aponta para dois pontos que irão acentuar a volatilidade da moeda nacional e geram preocupação: a possibilidade de conversão, por parte de pessoas físicas, de contas em real para dólar; e a nova possibilidade de estrangeiros se financiarem com moeda doméstica.

Para Rossi, uma nova política cambial que vise enfrentar o problema da volatilidade do câmbio passa pela retomada de práticas anteriores como uma política ativa de swaps cambiais, bem como por maior regulação do mercado de câmbio, em particular do mercado de derivativos futuros, como forma de reduzir o impacto desestabilizador da especulação financeira, assim como do mercado e taxa de câmbio.

A industrialização e experiência no primeiro governo Dilma

Além das questões da especulação cambial, independência do Banco Central e lei do câmbio, Pedro Rossi comentou sobre o debate entre câmbio e industrialização, e enfatizou algumas políticas cambiais do primeiro governo Dilma, visto que estas foram importantes no que tange ao controle da especulação e volatilidade cambial.

Na visão do professor, a relação entre taxa de câmbio e industrialização é importante, mas não tão relevante quanto os novos desenvolvimentistas consideram. Para ele, além de ser difícil definir o nível do câmbio propício a se industrializar, não é um interruptor de luz que liga e desliga empresas da competição com os estrangeiros. Neste sentido, defende que não existe automatismo nesse processo, em virtude da taxa não atuar sozinha. Um período longo de valorização cambial, por exemplo, pode desmontar uma estrutura produtiva, que uma desvalorização não conseguirá remontar, pois o empresário já trocou de ramo ou, então, a cadeia produtiva ao redor – necessária àquela produção – já foi desmontada. Além dessa questão, a desvalorização abrupta pode ter efeitos deletérios para a indústria, no curto prazo, pelo fato de haver contratos fechados com fornecedores internacionais, fazendo que a desvalorização aumente os custos e gere inflação.

A política cambial, porém, é, sim, um dos vários elementos que podem influenciar na indústria e, consequentemente, no desenvolvimento nacional. Sempre que o Brasil se industrializou houveram várias ferramentas trabalhando em consonância como política de juros, de crédito, industrial e cambial para criar um ambiente propício à industrialização. No governo Lula e Dilma, inclusive, discutiu que houveram avanços em alguns desses aspectos, mas não foram tão coerentes, por ter uma taxa de câmbio extremamente valorizada.

No entanto, ele pondera que no primeiro mandato da presidenta tiveram políticas cambiais importantes para controle da especulação e volatilidade. Para o primeiro tópico, o governo fez um imposto sobre posições vendidas que ultrapassavam certo limite, regulou o mercado interbancário e os fluxos de capitais. No que tange a volatilidade, usou o controle do mercado de derivativos e na compra e venda de reservas internacionais e swaps. O Banco Central (BC), dessa forma, fazia o Real flutuar em uma determinada faixa e impedia com que o mercado conseguisse enfrentá-lo. Contudo, ao longo do tempo essa política de câmbio mais ativa foi migrando para algo mais “amigável” ao mercado com swaps diários, até o ponto deste último definir a taxa de câmbio.

A política cambial e diferentes projetos de “Brasil”

Devido a sua importância e centralidade macroeconômica, a definição (ou ausência de) políticas cambiais mexe diretamente com interesses nacionais e projetos de diferentes “Brasis”. Desde o governo de Michel Temer, o mercado financeiro tem sido o ator principal na definição da taxa de câmbio – apesar de existem instrumentos de controle, por parte do Banco Central, que são capazes de reduzir o impacto da vulnerabilidade nacional em relação a agentes externos.

O atual movimento em favor de ainda maior liberalização pode ser visto, portanto, com preocupação, principalmente ao considerar todo impacto que o movimento especulativo já causou em países em desenvolvimento, principalmente durante a escalada neoliberal dos anos 1990.

Com a chegada das eleições e novas políticas de governo, fica em aberto se presenciaremos a manutenção de um mercado de câmbio responsivo à liquidez global diária, ou se voltaremos a ter instrumentos de gerenciamento que garantam um novo projeto, que favorece um processo de reindustrialização e que se aproveite de experiências internacionais em defesa de uma política de câmbio ativo como instrumento de desenvolvimento. Não há por que interditar o debate de antemão.

[1] Os autores agradecem a colaboração do professor Giorgio Romano Schutte.
 

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