A importância do BNDES nas políticas regionais

04 de outubro de 2022

 

Por Audrey Andrade Gomes, Felipe Teixeira, Gustavo Mendes de Almeida, Henrique Mario de Souza, Júlia Cardoso de Magalhães e Laura do Espírito Santo Silva (Foto: Agência Brasil)

 

O Banco já cumpriu importante papel no desenvolvimento interno e na ação das empresas brasileiras no exterior, em especial na América Latina. Uma possível administração democrática e desenvolvimentista precisará recuperar essa importante ferramenta para as empresas brasileiras aqui e no exterior

 

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já cumpriu um importante papel na política externa brasileira. Ao financiar empresas brasileiras que atuam no exterior – em especial empreiteiras e exportadoras -, o órgão cumpriu papel importante na integração continental. No entanto, desde o segundo governo Dilma Rousseff, seus desembolsos de crédito vêm caindo. Como assinala o economista Paulo Gala, professor da FGV-SP,  “em plena crise, a situação do BNDES é pior ainda, com uma redução constante e mais forte do volume do desembolso”.

Desde  2015 se disseminou a ideia de que o BNDES é uma instituição com uma  “caixa preta”, onde predominaria a corrupção, assinala Gala. Nunca se encontrou nada.

A participação de sua carteira de crédito na economia brasileira encolheu para níveis inéditos em 2021, retirando do país uma importante ferramenta de investimentos e ações anticíclicas na crise. Entre 2016-17, o governo federal forçou o banco a transferir ao Tesouro cerca de R$ 163 bilhões. Entre 2018-21, essa devolução somou R$ 290 bilhões. Nessa mesma época, o BNDES extinguiu a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), inferior às praticadas pelo mercado, e a substituiu pela Taxa de Longo Prazo (TLP), mais cara, dificultando o financiamento das empresas.

Uma futura administração democrática e desenvolvimentista precisará recuperar o papel deste que já foi o maior banco de desenvolvimento do mundo não apenas para alavancar o desenvolvimento, como para possibilitar a ação de empresas brasileiras no exterior. Ou seja, como apoio à política externa brasileira.

 

Surgimento e transformação do BNDES

 

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, ainda sem o “S” de Social) surge em 1952 como importante mecanismo formulador e executor das  agendas desenvolvimentistas de diferentes governos. Em seu início, foi formulado como uma autarquia federal que previa o investimento principalmente em setores de infraestrutura. Com a constituição de empresas estatais, o Banco passa também a investir na iniciativa privada e no setor industrial do país. Ainda na década de 1960, o banco começa a descentralizar suas operações, o que viabiliza a iniciação de linhas de financiamento nos setores agropecuários e de pequenas e médias empresas. 

 

O BNDE ainda foi peça fundamental nas políticas de substituição de importações das décadas anteriores às crises internacionais, incentivando setores de bens de capital, insumos básicos, bem como segmentos de bens duráveis, além da informática e microeletrônica. É por intermédio da Lei 5662/71 que, em 1971, o banco é enquadrado como uma empresa pública. A importante integração das responsabilidades de ordem social à missão do banco ocorreu apenas a partir da década de 1980, quando em maio de 1982 passou a possuir em seu nome a expressão desse compromisso, como Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social . 

 

Na década de 1990, acompanhando a trajetória neoliberal que se instituía, bem como as recentes políticas estatais, o BNDES passou a estimular a descentralização regional, bem como teve grande participação na privatização de grandes estatais brasileiras, ao tornar-se órgão responsável em diversas frentes do Programa Nacional de Desestatização (PND). É nessa década, também, que o órgão passa a apresentar outra preocupação, incluindo, a partir de então, classificação de risco ambiental em seus projetos. Do mesmo modo que, em 1995, tem início o apoio ao setor cultural por meio de investimentos na produção cinematográfica e na preservação do patrimônio histórico e artístico nacional. 

 

Em 1996, foi criada a Área de Desenvolvimento Regional e Social (AS) com o propósito de executar projetos que se tornaram prioritários para o Banco. Passa a existir a preferência pela atuação junto às empresas que assumem maior responsabilidade social, que possuam melhores índices de geração de emprego e que promovam treinamento e qualificação da mão de obra. Seu objetivo era “Promover a articulação interna do Sistema BNDES, formular sua política de atuação e implementar ações nos campos social – em particular nas questões ligadas ao trabalho – regional e ambiental” (BNDES, Anexo I à Resolução 859/96, de 05/02/96). Em 2000, cria-se o Plano Estratégico 2000-2005 que passa a estruturar uma “Agenda de Mudanças”, e a prioridade desta, além de aprofundar o desenvolvimento social, é o fortalecimento do mercado de capitais, a fim de criar empresas que pudessem competir em escala mundial.

 

Infraestrutura: Impactos econômicos e integração Sul-Sul

 

Os investimentos em infraestrutura oriundos do BNDES foram extremamente importantes para o crescimento econômico do Brasil no final dos anos 1990. O país estava em crise financeira desde a década de 1980 e, consequentemente, o Estado havia perdido sua capacidade de expansão e manutenção da infraestrutura, gerando a deterioração de seus serviços.

 

A partir de meados de 1996, o Brasil passa a receber investimentos em infraestrutura, o que faz com que haja um aumento de 2% para 2,7% em relação ao PIB. Esse crescimento gerou estabilidade econômica, condições favoráveis de financiamento e aumento da participação do capital privado no setor. Com a elevação do investimento do governo em infraestrutura, ciência e tecnologia, o crescimento da produtividade total que estava em queda nas últimas décadas voltou a crescer significativamente.

 

A competitividade das exportações brasileiras também obteve um aumento substancial, graças ao aumento dos investimentos no setor de transportes, que é um dos setores que mais promovem crescimento econômico, além de aumentarem o retorno dos insumos e incentivar investimentos privados e gerar mais empregos.

 

O BNDES – através de empresas brasileiras contratadas no exterior – também investiu indiretamente em infraestrutura nos demais países da América Latina (Argentina, Equador, Cuba, Peru, Chile, Bolívia, Uruguai, Colômbia etc.). Tais investimentos também foram cruciais para o desenvolvimento e crescimento econômico desses Estados.

 

BNDES e as exportações de serviços na América Latina

 

Os financiamentos à exportação dos bens e serviços são um dos segmentos pelo qual o BNDES orienta seus investimentos. Nessas operações, os recursos são investidos no Brasil para a empresa brasileira que irá vender para o exterior, e as dívidas ficam para o país estrangeiro. O financiamento do BNDES não cobre, por exemplo, bens adquiridos no exterior ou gastos com a mão de obra de trabalhadores locais. Ele cobre exclusivamente os bens e serviços de origem brasileira utilizados na obra. O Banco financia as exportações a fim de garantir a competitividade das empresas brasileiras no mercado externo e a geração de empregos em território nacional. 

 

No Brasil, o Governo Federal é responsável por estabelecer as operações, os países de destino das exportações, as principais condições contratuais do financiamento (valor, prazo, equalização da taxa de juros e seguros) e os mitigadores de risco soberano do país. Após essas operações aprovadas, o processo chega ao BNDES em sua parte final, onde é enquadrado e analisado. 

 

O apoio à exportação de serviços de engenharia é o principal meio para a geração de empregos na cadeia produtiva nacional. Dessa forma, ao lado do BNDES, o governo brasileiro desenvolveu uma política de exportação integrada para incorporar o setor de serviços. Esse apoio às exportações busca agregar valor nas transações comerciais, melhorar o saldo do serviço e, ademais, o país apresenta avanços no setor de construção. 

 

Na América Latina, os principais mercados envolvendo a exportação de bens e serviços de empresas brasileiras, com o apoio do BNDES, são a Argentina e a Venezuela. Entre 1998 e 2017, cerca de US $10,5 bilhões foram desembolsados para empreendimentos em 15 países, sendo que US $12,6 bilhões retornaram de dívidas e juros, até dezembro de 2021. Desse total, US $2 bilhões da Argentina, US $1,5 bilhão da Venezuela e US $ 0,7 bilhão do Equador. Vale ressaltar que em 2003, um Conselho de  Ministros do Governo Federal reduziu as taxas de juros da Argentina, Equador, Venezuela e República Dominicana. O programa de financiamento à exportação de serviços de engenharia foi criado em 1998. 88% do total de US $10,5 bilhões em desembolsos ocorreram no período entre 2007 e 2015.

 

O protagonismo do BNDES conta com sua internacionalização, principalmente na América Latina, atuando como fonte de financiamento para o capital brasileiro no exterior, com ênfase na exportação de serviços de construção civil e engenharia. Dessa forma, buscava-se consolidar a presença do Brasil na região para assegurar a estabilidade econômica na América do Sul. 

 

Os investimentos no setor industrial pelo BNDES

Bancos de Desenvolvimento são importantes incentivadores da indústria. No Século XX diversos países optaram por criar essas instituições visando financiar o desenvolvimento industrial em seus países. No Brasil não foi diferente, o BNDE na sua criação e posteriormente BNDES, foi um grande ator na industrialização do Brasil. 

Nos seus primeiros anos, o investimento era majoritariamente no setor público. Mas no fim da década de 1960, com a intenção de igualar as empresas privadas nacionais com as multinacionais e as nacionais do setor público, o setor privado passou a receber a maioria dos investimentos. O fomento à indústria na década de 1970 foi por meio de estudos que identificavam novos setores importantes que o setor privado poderia atuar.

Em 1984, o Banco apresentou o Plano Estratégico 1985-1987, essas diretrizes afirmavam que a industrialização é o motor básico do desenvolvimento, nesse contexto o Banco tinha objetivo de retomar o desenvolvimento industrial do Brasil, aproveitando os recursos naturais do país, além disso, desenvolvendo tecnologias de ponta, e quando necessário adaptar e absorver tecnologias importadas. O objetivo era que o Brasil pudesse acompanhar o desenvolvimento mundial com igualdade. O Plano via o Banco como principal fomentador.

Um processo de mudança no perfil do BNDES passou a ocorrer. Outro plano estratégico foi lançado, esse contemplava os anos de 1988-1990. O princípio de a industrialização ser o motor básico de desenvolvimento permaneceu, porém, a premissa de desenvolvimento de tecnologia nacional foi descartada, de modo que a importação de tecnologia era aceita no plano. 

A partir desse momento o Banco, em convergência com os governos brasileiros que seguiram, passou a atender uma agenda liberal e de privatizações, como já mencionado. No setor industrial diretrizes gerais que buscavam competitividade, por meio de capacitação tecnológica e investimento em empresas de alta tecnologia. O BNDES tinha grande importância nesse cenário. O objetivo de tornar o setor industrial competitivo no cenário mundial, fez com que a maioria dos investimentos do BNDES fosse para a área da indústria.

Perspectivas de futuro

O governo que tomar posse no dia 1º de janeiro de 2023 deve estar ciente da necessidade em reconstruir o BNDES e da importância que o banco terá no desenvolvimento brasileiro ao longo dos quatro próximos anos. 

No aspecto nacional, a reconstrução do BNDES deve ter como intuito a promoção e a retomada de obras públicas no Brasil. O exemplo dos pesados investimentos estatais realizados no âmbito do New Deal, a partir de 1933, que permitiu a redução dos efeitos da  crise de 1929 nos EUA, poderia ser tomado agora como norte para a superação da crise econômica e social em nosso país. Através desse impulso é possível reduzir a taxa de desemprego no Brasil, além do aumento geral da renda dos trabalhadores. Tais ações podem gerar efeitos multiplicadores em toda a economia nacional. Ademais, a retomada dos projetos de obras públicas poderá cumprir seu caráter básico de desenvolvimento da infraestrutura do país. 

Franklin Roosevelt, presidente dos Estados Unidos entre 1933-45, inaugurou a tradição de definir os primeiros 100 dias como decisivos para um governo. A partir desse período se pode vislumbrar como a administração se desenrolará ao longo dos quatro anos de mandato.  Essa lembrança apenas corrobora a ideia de que medidas de grande magnitude, com capacidade de reduzir o desemprego e promover renda, possuem grande importância para solidificar as bases para o governo ascendente. 

Na seara internacional, o Brasil precisará recuperar a importância de suas empresas no exterior, e o investimento do BNDES é fundamental para isso. Eram as empreiteiras brasileiras que outrora exportavam serviços a mais de 50 países.  No entanto, a partir do uso político da Operação Lava Jato  por autoridades judiciais no Brasil, as punições por denúncias de corrupção afetaram não apenas os agentes, mas também as empresas. Houve um verdadeiro desmantelamento das grandes corporações de engenharia civil a partir daí. 

Por hora, o investimento deverá ser direcionado a empresas que já estão consolidadas e que, a partir de sua atuação externa, poderiam gerar mais divisas ao Brasil, que aqui exemplificamos em dois segmentos: produtos de alto valor agregado e energia. Tendo isso como norte, apresentamos duas possibilidades para investimentos do BNDES com o intuito de aprofundar a presença do Brasil no exterior: Embraer e Petrobras. 

Nascida em 1969, como uma empresa estatal, a EMBRAER vem se consolidando nas últimas décadas como uma das maiores fabricantes de jatos comerciais do mundo. Fruto do investimento científico, materializada pelo surgimento de institutos como o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e o CTA (Centro Técnico Aeroespacial), possibilitando a arrancada inicial do que se constitui hoje como um conglomerado transnacional brasileiro, possuidor de um portfólio variado de produtos, que abrange aviação comercial, executiva, agrícola e militar, com unidades produtivas espalhadas por quase todos os continentes do globo. 

Criada em 3 de outubro de 1953, a Petrobras foi pioneira na exploração, produção e comercialização de petróleo e outros hidrocarbonetos fluidos, além de alguns gases raros existentes no país. Analisando do ponto de vista econômico-financeiro, utilizando parâmetros como patrimônio líquido, ativo fixo operacional, faturamento, lucro líquido e número de empregados, a Petrobras é a maior empresa brasileira, de extrema relevância para a geração de renda nacional e investimento na indústria. No entanto, durante o governo Bolsonaro, a petrolífera foi reduzida a uma mera exportadora, deixando o país refém da importação de combustíveis e derivados.  

Os dois exemplos mencionados nasceram como esforço nacional para dar soberania ao Brasil, seja através da produção de bens de alto valor agregado, seja com a exploração de petróleo e outros elementos energéticos. O Brasil precisa se inserir no mundo contemporâneo com bases sustentadas em artigos que permitam que o país caminhe cada vez mais para romper com os laços de dependência.

 

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