Como a Guerra na Ucrânia é vista por Lula e Bolsonaro

18 de outubro de 2022

 

Por Caio Vitor Spaulonci, Giovana Martins, Laryssa Bastos, Melissa Souza e Tatiane Anju Watanabe (Foto: Pixabay)

 

Os dois presidenciáveis mantêm posição considerada “neutra” e defendem resolução pacífica para o conflito, porém, além de criticar os países diretamente envolvidos na guerra, Lula aponta falhas dos EUA e Europa por insistirem na entrada da Ucrânia na OTAN, e Bolsonaro investe contra as sanções dos EUA contra a Rússia

 

 

Dia 30 de Setembro, Vladimir Putin assinou a anexação das regiões de Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhzhia à Rússia, o que corresponde a 15% do território ucraniano. Em resposta, diversas autoridades internacionais se colocaram contra as ações lideradas por Moscou na Ucrânia. Nesse cenário de grandes tensões nacionais e internacionais, como os dois candidatos à presidência do Brasil, Jair Messias Bolsonaro e Luiz Inácio “Lula” da Silva, se posicionam em relação ao conflito russo-ucraniano?

 

Desde o início do conflito, em fevereiro, Bolsonaro tem adotado um tom de neutralidade. Poucos dias antes do início dos combates, o presidente esteve na Rússia e se encontrou com o presidente Vladimir Putin para tratar, principalmente, da compra de fertilizantes para o agronegócio brasileiro. Dias depois, ao ser pressionado pela comunidade internacional para condenar a invasão, o presidente declarou que o Brasil adotaria uma postura neutra para não “trazer as consequências do embate para o país”. 

 

Já em setembro, no discurso de abertura na Assembléia Geral da ONU, em Nova York, Jair Bolsonaro voltou a falar da guerra. Defendeu um “cessar-fogo imediato, a proteção de civis e não-combatentes, a preservação da infraestrutura crítica para assistência à população e a manutenção de todos os canais de diálogo entre as partes em conflito”. 

 

Em seu discurso, Bolsonaro também fez um apelo ao diálogo entre os envolvidos para pôr fim ao conflito e garantir a paz. Além disso, também criticou a adoção de sanções econômicas unilaterais e seletivas impostas à Rússia, colocando-se contra o isolamento diplomático e econômico. Além disso, justificou que “as consequências do conflito já se fizeram sentir nos preços mundiais de alimentos, de combustíveis e de outros insumos. Esse impacto coloca a todos na contramão dos objetivos do desenvolvimento sustentável”. 

 

A posição do Brasil sobre o conflito vem gerando críticas antes mesmo da guerra começar. A visita de Jair Bolsonaro a Vladimir Putin no início de março, embora tenha agradado ao governo russo, suscitou fortes críticas da comunidade internacional, principalmente por parte dos Estados Unidos, que, através do Departamento de Estado, afirmou: “O momento em que o presidente do Brasil se solidarizou com a Rússia, enquanto as forças russas estão se preparando para potencialmente lançar ataques a cidades ucranianas, não poderia ser pior”.

 

Já em julho, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, criticou a posição do Brasil de se manter neutro, ressaltando a responsabilidade dos líderes de se posicionarem em tempos de guerra, e colocando a neutralidade como uma grande aliada à escalada do conflito e aos objetivos dos países agressores.

 

O ex-presidente Lula se pronunciou contra a guerra desde o início, em 24 de fevereiro. Na ocasião, afirmou: “É lamentável que, na segunda década do século 21, a gente tenha países tentando resolver suas divergências, sejam territoriais, políticas ou comerciais, através de bombas, tiros, ataques, quando tais situações deveriam ter sido resolvidas numa mesa de negociação”. 

 

Em todas as suas declarações, Lula afirma a necessidade de paz, e dos países envolvidos chegarem a um acordo para acabar com o conflito. Em uma entrevista para a revista Time, no dia 4 de maio, entre outros assuntos, o ex-presidente responsabilizou tanto Zelensky, quanto Putin pela guerra, afirmando de maneira enfática que: “Ele [Zelensky] quis a guerra. Se ele não quisesse a guerra, ele teria negociado um pouco mais”.

 

Também, Lula responsabilizou os Estados Unidos e a Europa: “Putin não deveria ter invadido a Ucrânia. Mas não é só o Putin que é culpado, são culpados os Estados Unidos e é culpada a União Europeia. Qual é a razão da invasão da Ucrânia? É a Otan? Os Estados Unidos e a Europa poderiam ter dito: ‘A Ucrânia não vai entrar para a Otan’. Estaria resolvido o problema.”

 

Lula tem mantido uma visão diferente dos governos ocidentais aliados aos EUA: ele não se posiciona de forma incondicional em apoio à Ucrânia, que responsabiliza somente o presidente Putin pela guerra. O petista, assim como foi nos seus oito anos de governo, tem defendido a paz e a negociação, e não se coloca como aliado incondicional de nenhuma grande potência, mantendo a tradição pragmática do Itamaraty. 

 

Em uma reunião recente com o chefe da Embaixada dos EUA, Douglas Koneff, Lula afirmou que, se eleito presidente, não tomará partido na guerra, e o único envolvimento que o Brasil poderia ter seria numa tentativa de solução pacífica do conflito. Em encontro  com embaixadores estrangeiros, o ex-presidente indicou a possibilidade do BRICS atuar no mesmo sentido. 

 

A entrevista de  Lula à revista Time repercutiu no Brasil e em outros países. Jornais como The Guardian na Inglaterra, Público em Portugal, Le Monde na França, entre outros, criticaram o desacordo do ex-presidente com as potências ocidentais. 

 

Ainda sobre a entrevista concedida, Mykhailo Podolyak, principal conselheiro de Zelensky, externou descontentamento através de uma publicação em seu Twitter no dia 5 de maio: “O ex-presidente Lula da Silva fala sobre a culpa da Ucrânia ou do Ocidente na guerra. Essas são tentativas russas de distorcer a verdade. É simples: a Rússia atacou traiçoeiramente a Ucrânia, a guerra está apenas no território da Ucrânia, a Rússia mata massivamente civis. Guerra clássica de destruição e ocupação”. 

 

No dia 25 de julho foi divulgado um relatório elaborado pelo Centro de Contenção de Desinformação do governo ucraniano, em que diversos políticos e intelectuais pelo mundo foram citados pelo relatório como propagadores de narrativas da propaganda russa. Em um primeiro momento, Lula era o único brasileiro presente no relatório, mas após dois dias de repercussão o nome do ex-presidente foi retirado, junto a outros dois dos 78 nomes citados. Apesar da remoção, fica evidente que as falas de Lula acerca da atuação do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky não agradaram o governo daquele país. A exclusão não foi justificada. 

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