29 de novembro de 2022
Por Brenda Gajus, Daniel Rocha, Fabiola Oliveira, Rafael Abrão e Vitor Gabriel da Silva (Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil)
Após tensões no governo Bolsonaro, Brasil ocupa a quarta posição entre os países que mais receberam investimentos chineses de 2005 a 2021 e o comércio entre os dois países cresceu 20%, mantendo o principal foco de investimentos no setor energético
O governo de Jair Bolsonaro foi marcado por atritos inéditos nas relações diplomáticas com a China. Contudo, no âmbito econômico, os laços entre os dois países continuaram se solidificando. Apesar das tensões causadas durante a pandemia de Covid-19, o Brasil se consolidou como importante receptor de investimentos chineses. Desde 2005, a China já realizou cerca de 88 aportes ao Brasil, todos com transações superiores a US$100 milhões, segundo o China Global Investment Tracker. Os investimentos totalizam mais de US$73,8 bilhões, distribuídos entre investimentos externos diretos (IED), 83,3%, e o restante em infraestrutura. Este valor coloca o Brasil na quarta posição entre os países que mais receberam investimentos chineses durante o período de 2005 a 2021.
Tabela 1 – Investimentos estrangeiros realizados pela China no Brasil (2016-2021)
Ano | Total Investido (em US$ bilhões) | Nº de Projetos Realizados |
2016 | 8,4 | 12 |
2017 | 8,8 | 28 |
2018 | 3,3 | 31 |
2019 | 5,6 | 24 |
2020 | 1,9 | 8 |
2021 | 5,9 | 28 |
Fonte: CEBC (2022). Elaboração própria.
O primeiro ano do governo Bolsonaro já contrariou as promessas da campanha, quando defendeu a diminuição dos laços com o país asiático, acusando-o de “comprar o Brasil”. De acordo com relatórios do Conselho Empresarial Brasil-China, o valor dos investimentos chineses no país chegou aos US$7,5 bilhões em 2019, com crescimento de 117% quando comparado ao ano anterior. Este valor foi distribuído para 24 projetos, concentrados em sete setores e com predominância do setor energético. Em 2019, a região Nordeste recebeu a maior parte dos investimentos chineses, substituindo momentaneamente a posição exercida durante anos pelo Sudeste.
Já em 2020, quando o andamento da política e da economia mundiais foram moldados pelas questões sanitárias da pandemia de Covid-19, observou-se uma retração dos investimentos chineses no Brasil. Aliada à questão de saúde pública, o posicionamento de Bolsonaro e suas declarações sobre a “responsabilidade chinesa na propagação do vírus” levaram a atritos políticos. No entanto, diferentemente do que se poderia esperar, os episódios tiveram impacto baixo na tendência de investimentos chineses no país. Isto é, a baixa dos investimentos nesse intervalo esteve provavelmente relacionada à pandemia de Covid-19 e à retração do mercado mundial, não ao discurso bolsonarista, uma percepção que é reforçada pela queda generalizada do IED chinês no mundo. Segundo dados do Conselho Empresarial Brasil-China, houve uma queda de 74% dos investimentos do país asiatico, reduzindo-se ao montante de US$1,9 bilhão, menor valor desde o ano de 2014. O setor de energia, novamente, foi o principal receptor dos investimentos, recebendo 97% do valor anterior.
Em 2021, o cenário foi marcado por um clima de otimismo para uma possível recuperação da economia mundial. Diversos países voltaram a investir no Brasil, incluindo a China. Estudos do CEBC apontam que houve um crescimento de 208% do fluxo de investimentos chineses no Brasil, comparados ao ano anterior. Os investimentos alcançaram US$5,9 bilhões direcionados a 28 projetos, tornando o Brasil o país que mais recebeu investimentos chineses no mundo em 2021. Novamente, o setor elétrico ocupou o primeiro lugar no foco dos investimentos com um total de 13 projetos. Um fato importante foi o aumento dos investimentos no setor de Tecnologia da Informação, que recebeu uma fatia de 36% do total, com a concretização de dez aportes.
O maior conglomerado chinês de tecnologia, a Tencent, fez uma rodada de investimentos em empresas brasileiras da área. No ano de sua chegada ao Brasil, 2018, investiu US$ 180 milhões no Nubank, com aportes milionários em todas as séries de investimentos posteriores. Em 2021, a chinesa co-liderou um investimento de US$120 milhões na imobiliária digital QuintoAndar. No mesmo ano, participou em investimentos na Cora, uma fintech de conta digital para empreendedores, na Omie, que oferece sistemas de gestão para pequenas e médias empresas, e no Frete.com, uma empresa de otimização logística no transporte rodoviário. Outro destaque é a parceria entre a Transsion Holdings e a Positivo para a venda de celulares da marca chinesa no Brasil. Seus modelos são de grande popularidade em regiões como a África e o subcontinente indiano.
Empresas chinesas também estiveram presentes em leilões nos setores de energia ao redor do país. A Shanghai Shemar Power Holdings arrematou da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) um lote de 100 km de linhas de transmissão de energia no estado do Rio de Janeiro. O valor ofertado foi de R$30 milhões. Em julho de 2021, a CPFL, subsidiária da State Grid Corporation – estatal chinesa que é a maior empresa de transmissão de energia elétrica no mundo, se tornou a acionista majoritária da Companhia Estadual de Transmissão de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul durante o processo de privatização da companhia gaúcha. O valor pago foi de R$2,6 bilhões, o que possibilitou a compra de 66% das ações. Em 2021, as chinesas China National Oil and Gas Exploration and Development Company (CNODC) e a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) concretizaram mais uma participação em campos petrolíferos do pré-sal, após leilão realizado em 2020, cujo montante totalizou US$ 2,9 bilhões. Os outros 85% pertencem à Petrobras. As duas empresas chinesas citadas tinham sido as únicas companhias a participarem do leilão do campo de Búzios.
Financiamentos do Novo Banco de Desenvolvimento
Além dos investimentos diretos da China, nos últimos anos, o Brasil tem se beneficiado ainda de aportes do Novo Banco de Desenvolvimento (ou New Development Bank), que é uma organização de financiamento voltada ao desenvolvimento multilateral que visa a mobilização de recursos para infraestrutura e sustentabilidade. Fundado pelos países do BRICS, a China se tornou o principal motor da agenda econômica do banco ao longo dos anos. Ao todo, 17 projetos voltados ao Brasil já foram aprovados desde a fundação, em 2015.
Entre os projetos de maior valor monetário, estão o “BNDES-NDB Sustainable Infrastructure Project”, com uma quantia avaliada em US$1,5 bilhão em repasses aos setores público e privado para subprojetos de infraestrutura sustentável. Em 2020, foi aprovado o “Brazil Emergency Assistance Program for Economic Recovery”, avaliado em US$1 bilhão, para auxiliar na recuperação econômica do país em meio a pandemia. Destaca-se também o “BNDES Clima – Sustainable Financing to Support Global Climate Change Mitigation and Adaptation in Brazil”, de US$500 milhões, com a pretensão de reduzir em 4 milhões de toneladas de emissões de CO2 até 2030. Em 2022, foi aprovado o Mapa Estratégico do banco para os próximos quatro anos, com seis focos principais: energia eficiente e limpa, Infraestrutura em transporte, água e questões sanitárias, proteção ambiental, infraestrutura social e infraestrutura digital.
Paciência estratégica
Ao analisar os anos de governo Bolsonaro, percebemos a manutenção dos investimentos chineses no Brasil, somente interrompida pela pandemia. Além disso, a corrente comercial entre os dois países cresceu 20% no período Bolsonaro. Os dados revelam a continuidade dos investimentos no setor energético como o destino principal dos investimentos do país asiático, ainda que outros setores tenham registrado aumentos nos aportes em determinados anos. Há também, a consolidação da região Sudeste, maior centro econômico do Brasil, como receptora de investimentos frente a outras regiões do país. A variação na quantidade de projetos também apresenta certa estabilidade, uma vez que mesmo com altos e baixos, permanece na média de 25 a 28 projetos ao ano.
Mesmo com o discurso anti-China do governo de Jair Bolsonaro, os chineses avaliaram que o momento ruim nas relações diplomáticas entre os dois países era algo passageiro e característico de uma democracia, em que nem sempre haverá um governo simpático aos interesses chineses. Além disso, a China tinha que lidar ao mesmo tempo com a guerra comercial de Donald Trump, o que teve um peso muito maior para os chineses do que a desordem de membros do governo de Bolsonaro, que acabou por se restringir às falas que resultaram em atritos políticos, mas sem obstáculos para a ampliação das relações econômicas. Portanto, prevaleceu a ideia de que as relações Brasil-China deveriam continuar sendo pensadas para longo prazo, além do governo Bolsonaro.
De fato, as concessões e privatizações praticadas pelo governo, inclusive nos Estados da Federação, foram oportunidades que a China não deixou passar em vão. A avaliação se mostrou acertada, uma vez que após um período de quatro anos lidando e sendo alvo da extrema-direita brasileira, um novo ciclo político se inicia para as relações Brasil-China, com um governo que assume uma postura de buscar reconstruir a capacidade industrial-tecnológica brasileira, ampliando as relações com a China sob essa perspectiva.