Entre avanços e retrocessos

31 de março de 2023

 

Por Ana Claudia Paes, Bruno Fabricio Alcebino da Silva, Caio Vitor Spaulonci, Felipe Firmino Rocha, Gabriel de Mello Rodrigues, Giovanna Furquim Moreschi e Juliana Valente Marques (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)


 

A Europa e a América Latina apresentam nos últimos anos tendências políticas opostas. Enquanto a direita e a extrema direita avançam na Itália, Suécia, França, Alemanha e outros, do outro lado do Atlântico partidos progressistas vencem eleições em países importantes. No entanto, as diferenças nos resultados eleitorais tem sido estreitas e as sociedades mostram-se divididas diante de um cenário de crise agravado pela guerra na Ucrânia

 

 

Os teóricos da Escola de Frankfurt, Theodor Adorno e Max Horkheimer, já diziam que: “A transformação da inteligência em estupidez é um aspecto tendencial da evolução histórica”¹. Diante disso, podemos observar uma volta tendencial do extremismo de direita no continente europeu, apesar da experiência histórica dos regimes nazista e fascista, na Alemanha e Itália respectivamente. O impacto desses regimes para a região foi brutal na primeira metade do século XX. O avanço autoritário vem impactando o mundo nos últimos anos: a extrema direita global conseguiu se impor como força política de massas nos EUA, Europa, Ásia e América Latina, chegando inclusive a compor governos e gabinetes de presidentes e primeiros-ministros. Podemos observar esse fenômeno com a eleição de Viktor Orbán (2010) na Hungria, Donald Trump (2016) nos EUA, Jair Bolsonaro (2018) no Brasil e Giorgia Meloni (2022) na Itália, dentre vários outros espalhados pelo globo. 

 

Adorno e Horkheimer, ao análisar o avanço autóritario no século passado já pontuavam que: “Uma das lições que a era hitlerista nos ensinou é a de como é estúpido ser inteligente. Quantos não foram os argumentos bem fundamentados com que os judeus negaram as chances de Hitler chegar ao poder, quando sua ascensão já estava clara como o dia?”¹. É justamente esse movimento de avanço da extrema direita, motivado em grande parte pela incapacidade das democracias realmente existentes de reverterem as consequências de recorrentes crises econômicas na vida das populações. O fenômeno se manifesta agora, diante da Guerra na Ucrânia, que impacta o continente com elevações da inflação a partir da alta do preço do petróleo e da energia. 

 

Por exemplo, na Polônia, o partido Lei e Justiça (PiS) tem sido criticado por minar a independência judicial, limitar a liberdade de imprensa e perseguir minorias. Na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orbán tem sido criticado por minar a independência da mídia e do judiciário, além de restringir a liberdade acadêmica e os direitos das minorias. O avanço autoritário, representou o retorno a práticas patrimonialistas, corruptas, preconceituosas e até golpistas. Segundo Schwarcz (2019, p. 19), “Naturalizar a desigualdade, evadir-se do passado, é característico de governos autoritários que, não raro, lançam mão de narrativas edulcoradas como forma de promoção do Estado e manutenção do poder”. À vista disso, há preocupações sobre o surgimento de movimentos nacionalistas e de extrema direita em toda a Europa, que muitas vezes promovem uma retórica anti-imigração e anti-islâmica, além de questionar a integração europeia e a cooperação internacional.

 

O embate francês

 

A França, apesar de ser governada por um político liberal e de centro, é palco da ascensão da extrema direita. Marine Le Pen, ex-candidata à presidência nas últimas eleições, teve impressionantes 41,8% dos votos, contra 58,2% de Emmanuel Macron, atual presidente. Le Pen, apesar de reconhecer a derrota, proferiu que o resultado foi uma vitória para seu partido — já que, nas eleições de 2017, ela obteve oito pontos percentuais a menos do que em 2022. Com esse crescimento entre uma eleição e outra, percebe-se um claro aumento da popularidade da extrema direita com perspectivas preocupantes para a democracia.

 

Tal crescimento pode-se dar pela mudança de postura de Le Pen entre os anos eleitorais, que tentou ao máximo se desvincular de uma imagem radical, apesar de ter sido apenas uma mudança de palavras — e o perigo reside em tal comportamento. Ao maquiar suas ideias radicais, Le Pen tenta mudar sua imagem eleitoral e se somar à crescente e ainda difusa oposição a Macron. Assim como a extrema direita estadunidense, a francesa também descobriu as redes sociais como meio instantâneo para a disputa de opinião pública. O argumento da vez é a reforma da previdência, que define o aumento da idade mínima para a aposentadoria. 

 

Ao contrário da extrema direita brasileira, a francesa é a favor de uma diminuição da idade mínima em uma possível reforma da previdência, ao contrário do modelo imposto pelo governo. Os amplos protestos contra a reforma, pacíficos e que se sucedem desde janeiro, podem ser uma oportunidade para a demagogia da extrema direita, que tenta crescer em meio ao descontentamento popular. 

 

O avanço progressista na América Latina

 

Vamos ao outro lado do Atlântico. No início do século XXI, a América Latina – em especial a América do Sul – assistiu ao ascenso de governos progressistas em vários países. A maré rosa – como ficou conhecida a situação –  foi substituída por governos de direita a partir dos efeitos da crise de 2008. No entanto, após uma década de governos marcados pelo conservadorismo, uma nova onda progressista apresenta seus primeiros sinais claros com a eleição de López Obrador no México em 2018, seguida pelas vitórias de Alberto Fernández, na Argentina (2019), de Luís Arce, na Bolívia (2020), de Pedro Castillo, no Peru, de Xiomara Castro, em Honduras (2021), e de Gabriel Boric, no Chile, e de Gustavo Petro, na Colômbia (2022).

 

Em contrapartida à expansão autoritária na Europa, observa-se na América Latina a retomada de conjuntos políticos de esquerda e centro-esquerda que buscam realinhar suas agendas. O breve conservadorismo latinoamericano dos últimos anos não mediu esforços em, através de seu projeto neoliberal, agravar desigualdades sociais como o desemprego e o aumento da pobreza. Com a retomada do progressismo latino, é dada também uma nova chance de fortalecer, recuperar, e se integrar, de fato, à América Latina. Há também o desafio dos governos de esquerda de ganhar a confiança e apoio populacional. Tais governos expressam a necessidade de mudança sentida pela população continental. O grande problema para a concretização das agendas sociais encontra obstáculos não de todo presentes há duas décadas, como as independências dos bancos centrais, privatizações de setores de infraestrutura e a defesa, por parte de setores progressistas, das políticas de ajuste fiscal que reduzem os orçamentos públicos.

O alinhamento dos governos progressistas na América Latina pode nortear os esforços para o desenvolvimento e fortalecer as pautas da esquerda de forma geral na região. O Brasil, diante sua dimensão continental e sua influência geopolítica, possui a capacidade de protagonizar essa agenda, assim como observamos no atual mandato Lula, o comprometimento com a sustentabilidade, superação da inflação e alta taxa de juros, atribuída a 13,75%. A recuperação da soberania nacional e multilateral com a América Latina depende do êxito desses desafios. 

 

O avanço com retrocessos

 

Mesmo na atual conjuntura brasileira com Lula presidente, é necessário ressaltar que o maior número de cadeiras da câmara dos deputados pertence à oposição, tendo 30% de todos os deputados aliados a partidos diretamente bolsonaristas, sendo 59 deputados eleitos pela União Brasil (UNIÃO) e 99 pelo Partido Liberal (PL)

 

Em todo o Brasil, seja nas câmaras estaduais ou municipais, os partidos de extrema direita têm ganhado força. Nesse quadro, há preocupante aumento da perseguição e da punição de parlamentares que buscam a defesa de pautas sociais e dos direitos das minorias (políticas), a exemplo do atual deputado estadual pelo Paraná, Renato Freitas (PT). Trata-se de um homem negro que traz em seu ativismo o combate ao racismo e à violência policial. Renato chegou a ter seu mandato de vereador em Curitiba cassado duas vezes pela câmara municipal, tendo recuperado seu mandato através de decisão proferida pelo STF. Mais recentemente, em seu terceiro mês no mandato de deputado estadual pelo Paraná, Renato já foi alvo de uma representação por quebra de decoro parlamentar advinda do secretário de Segurança Pública, coronel Hudson Teixeira.

No Chile, por sua vez, a tentativa de aprovação de uma nova Constituinte em 2022, que trazia a ampliação do reconhecimento e dos direitos dos povos indígenas, definindo o Chile como um Estado Plurinacional, foi rejeitada em plebiscito nacional por 62,55% a 37,45%, o que reduziu parte das expectativas de avanço progressista.

Já no Peru, forças da direita e extrema direita moveram processo de impeachment contra Pedro Castilho, após o então presidente anunciar a dissolução do Congresso, o que culminou  com sua prisão e sua vice assumindo o cargo de presidente do país. Integrante do mesmo partido de seu antecessor, o Peru Livre, Dina Boluarte foi apoiada por diversos líderes internacionais, recebendo um telefonema de congratulações de Antony Blinken, o Secretário de Estado dos Estados Unidos

 

Mesmo após os sangrentos protestos ocorridos nos meses subsequentes à destituição de Pedro Castilho,  Dina Boluarte tem se mantido no poder, mas é acusada pela esquerda de ceder às pressões da direita e se alinhar às forças armadas do país, a fim de se manter no cargo até 2026.

 

Além disso, no final de março de 2023 a Justiça do Peru ampliou as investigações de corrupção em financiamento de campanha do Partido Livre em 2021, o que implica Dina Boluarte, Pedro Castilho e Henry Shimabukuro, aumentando a pressão sobre o arranjo político institucional peruano.

 

Conclusão

 

Diante do exposto, não há dúvida de que as tendências políticas na Europa e na América Latina têm se desenvolvido em direções diferentes nos últimos anos. Na Europa, há uma tendência crescente em direção à extrema direita e movimentos nacionalistas, muitos dos quais são caracterizados por uma retórica autoritária e xenófoba.  Por outro lado, na América Latina, há um movimento em direção aos partidos políticos mais progressistas, muitos dos quais promovem uma agenda de justiça social, igualdade econômica e reforma democrática. 

 

As tendências políticas globais não são uniformes, seja na Europa ou na América Latina e muitos países estão enfrentando desafios políticos complexos e em constante evolução, como podemos observar no caso do Peru e no desenrolar do terceiro governo Lula, assim como na atual situação francesa.  Por fim, segundo a visão de Michael Lowy: “o sistema capitalista, sobretudo nos períodos de crise, produz e reproduz fenômenos como o fascismo, o racismo, os golpes de Estado e as ditaduras militares. A raiz desses fenômenos é sistêmica e a alternativa tem de ser radical, isto é, antissistêmica”. Ou seja, as tendências de avanço mundial, às vezes consideradas revolucionárias, como as propostas da extrema direita, no fim se apresentam como um eterno movimento dialético em retorno ao autoritarismo.    

 

¹ADORNO, Theodor. HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos; tradução: Guido Antonio de Almeida. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.

²SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

³LOWY, Michael. Conservadorismo e extrema-direita na Europa e no Brasil. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 124, p. 652-664, out./dez. 2015.

 

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