Brasil, China e a Guerra da Ucrânia: posicionamentos e tensões

02 de maio de 2023

 

Por Pedro Gabriel, Flávia Mitake e Vitor Gabriel da Silva (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)

 

Um ano após a invasão russa ao território ucraniano, o Brasil busca liderar o “movimento pela paz”, sob um discurso que busca equilibrar uma posição de diálogo entre Ucrânia e Rússia, em um cenário em que a solução pacífica do conflito parece estar distante. Com a estratégia de conciliar uma posição entre as grandes potências para fortalecer a multipolaridade e contribuir para a construção da paz, a diplomacia brasileira tem atuado em balancear posições entre Estados Unidos e União Europeia, o bloco ocidental, e Rússia e China.

 

Por um lado, o Brasil condenou a invasão russa e a violação territorial de um Estado soberano na Assembleia Geral da ONU e no Conselho de Segurança, acompanhando os países ocidentais, enquanto alguns países do Sul Global, como China, Índia e África do Sul, também membros dos BRICS, se abstiveram. Mas, os recentes acontecimentos como a visita de Sergey Lavrov, chanceler russo, e as declarações realizadas por Lula durante sua viagem à China e aos Emirados Árabes geraram alguns incômodos no bloco Ocidental, trazendo críticas e incertezas sobre a posição brasileira e apresentando um dos maiores desafios na reconstrução do protagonismo político do Brasil na política global.

 

DIPLOMACIA DO EQUILÍBRIO: Críticas e Distensões

 

Em uma de suas declarações antes de embarcar à China, no dia 12 de abril, Lula declarou à imprensa estar confiante do avanço da pauta e que “[…] quando voltar da China e você me fizer essa pergunta (sobre a guerra), eu vou dizer que está criado o grupo da paz“, se referindo à proposta de formar um conjunto de países em busca da mediação do fim da guerra russo-ucraniana. No entanto, em Declaração Conjunta, os governos de Brasília e Pequim citaram apenas que “As partes afirmam que diálogo e negociação são a única saída viável para a crise na Ucrânia e que todos os esforços conducentes à solução pacífica da crise devem ser encorajados e apoiados” e que as partes receberam positivamente os esforços para a construção da paz e solução política da crise.

 

Apesar de declaração semelhante, os posicionamentos brasileiros e chineses foram diferentes durante a votação que condenou a invasão da Rússia. Já que, de um lado a China se recusa a classificar os movimentos russos como “invasão” e é crítica a expansão da OTAN ao Leste Europeu, abstendo seu voto; enquanto por outro lado, o Brasil condenou a invasão russa e apoiou retirada imediata das tropas russas do território, afirmando que, apesar das preocupações de segurança manifestadas por Moscou, deve-se respeitar a integridade territorial e a soberania de um Estado.

 

Durante a viagem à China, a questão da Ucrânia ficou em segundo plano, já que os esforços diplomáticos se concentraram nas temáticas que poderiam trazer mais aspectos positivos nas relações bilaterais, como por exemplo nos acordos e cooperações nos setores educacionais, científicos e tecnológicos. Ademais, as condições para o estabelecimento da paz não são favoráveis neste momento, uma vez que Moscou e Kiev estão fortalecendo suas forças militares na tentativa de que seus interesses sejam atendidos através da vitória militar.

 

Em novas declarações feitas em Abu Dhabi, viagem presidencial que sucedeu a de Pequim, Lula disse que tanto a Rússia, quanto a Ucrânia “não tomam a iniciativa de parar a guerra” e que a União Europeia e os EUA seguem alimentando a continuidade das tensões. O Brasil também foi alvo de críticas destes países por não enviar armas e munição para apoiar o governo ucraniano durante o conflito, aqueles alegam estarem suportando o direito de defesa à violação territorial sofrida pelos ucranianos por parte da invasão russa.

 

Além disso, a visita a Moscou do assessor especial da Presidência, Celso Amorim, para a reunião com o governo russo, e a visita de Lavrov ao Brasil, tensionaram ainda mais a posição brasileira sobre o conflito. Principalmente porque Lavrov encerrou a sua visita com a declaração de que Brasil e Rússia têm “visões alinhadas sobre temas globais”, que foi difundida na imprensa como uma visão única de Brasil e Rússia, fortalecendo a narrativa de que o Brasil estaria alinhado à Moscou. Com isso, as críticas à posição brasileira dentro do bloco ocidental ganharam força, como a declaração de John Kirby, um dos porta-vozes da Casa Branca, que chegou a afirmar que o Brasil estaria apenas ‘papagueando’ propagandas russas e chinesas e com o convite de Zelensky para que Lula visite Kiev para compreender “a realidade de uma guerra”.

 

Recentemente, Lula tem recalibrado sua fala para evitar novas crises. Durante o encontro no dia 18 de abril com o presidente da Roménia, Klaus Werner Iohannis, Estado fronteiriço à Ucrânia, o presidente brasileiro criticou mais uma vez a invasão russa, sem mencionar alguma responsabilidade do governo ucraniano na guerra e voltou a defender uma solução pacífica negociada. Com o crescimento da pressão internacional, durante a passagem de Lula em Portugal, o governo brasileiro anunciou uma visita de Celso Amorim à Ucrânia, ainda com data indeterminada, anúncio realizado após encontro com representantes da Associação de Ucranianos daquele país. Em Portugal, ao responder aos jornalistas da imprensa local, Lula complementou seu discurso e negou que tivesse igualado as responsabilidades da Ucrânia com a Rússia.

 

Duas semanas após a visita de Lula à China, Xi Jinping e Zelensky conversaram por telefone pela primeira vez desde o início do conflito. Após a ligação, o chefe de Estado chinês afirmou que enviará representantes à Ucrânia para uma solução pacífica para a crise política, comprometido em promover negociações de paz e em esforços por um cessar-fogo o mais rápido possível. Pontos que já tinham sido contemplados nos 12 Pontos da Paz, documento apresentado por Pequim em fevereiro, em que sugere negociações de paz e respeito à soberania nacional, defendendo o “abandono da mentalidade de Guerra Fria e as legítimas preocupações de segurança dos países”, além de defender a retirada das sanções unilaterais, o cessar-fogo e o diálogo entre as partes. Por fim, após a ligação, Zelensky nomeou um embaixador da Ucrânia para posto na China, que estava vago desde o início do conflito.

 

EQUIDISTÂNCIA E PROTAGONISMO

 

A diplomacia brasileira enfrenta um grande desafio: buscar o equilíbrio necessário para se colocar como possível mediador para o conflito na Ucrânia. Por um lado, o Brasil apoiou as resoluções que condenam a Rússia no Conselho de Segurança da ONU – ação prática, seguindo os princípios diplomáticos brasileiros e, concomitantemente, não tem se subordinado às ações e interesses ocidentais. Não aderindo, então, às sanções unilaterais à Rússia e nem fornecendo equipamentos bélicos militares à Ucrânia, como tem sido feito pelos Estados Unidos e União Europeia.

 

Apesar das críticas que Lula recebeu dos países do Norte Global e da imprensa internacional pelo não alinhamento direto à posição ocidental, observa-se a importância que vem sendo garantida ao Brasil nas discussões sobre as temáticas. Na medida em que está sendo convidado para participar de fóruns internacionais e discussões que contemplam o tema, como é o caso do convite para a cúpula do G7, grupo formado pelas principais potências ocidentais, encontro que ocorrerá em maio, em Tóquio, e deverá ter a Guerra da Ucrânia em suas pautas principais. Em um recente comunicado emitido pelos ministros das Relações Exteriores dos integrantes, o grupo já alertou “custos severos” para aqueles que ajudarem a Rússia.

 

Do ponto de vista diplomático, o não alinhamento direto com um dos lados tornaria o Brasil um ator credenciado para mediar uma possível negociação, sendo uma posição favorável para que a proposta avance, sobretudo por conta da reputação positiva que a diplomacia brasileira possui em termos de estabelecer soluções diplomáticas pacíficas. Observamos que, ao mesmo tempo que o Kremlin recebeu o plano brasileiro como algo que “merece atenção”, por levar em consideração os interesses russos, as sinalizações brasileiras ao Ocidente, feitas através das condenações brasileiras na ONU, da visita de Amorim à Kiev e da participação brasileira na cúpula do G7 devem a acalmar os ânimos do Ocidente nos próximos dias. 

 

Sendo assim, o governo brasileiro busca sustentar a convergência de agendas com o bloco Ocidental em pautas e interesses complementares, como por exemplo na questão ambiental e cooperações econômicas, após os sequenciais atritos com o governo antecessor, de Bolsonaro. Enquanto, ao mesmo tempo, busca retomar protagonismo no Sul Global entre os países que não estão alinhados com nenhuma das partes envolvidas no conflito e que desejam resolver o momento crítico, além de buscar equilibrar e sustentar as boas relações com Rússia e China pelo importante papel que desempenham na construção da multipolaridade. Reconstruindo, então, o protagonismo da política externa brasileira no cenário mundial, marcado pela participação de grandes agendas internacionais e também pelo diálogo e equilíbrio entre os importantes aliados econômicos e políticos na construção do mundo multilateral e multipolar.

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