O Brasil, a mediação da Guerra na Ucrânia e a reação dos EUA

16 de maio de 2023

 

Por Ana Carolina Carvalho de Oliveira, Camila Micheletti Flores, Fernanda Messias Moretti, Gabriela Fernandes Nabuco de Araujo, Marina Tedesco Alvarenga, Patricia Lima Rego e Tatiana Berringer (Imagem: Fabio Rodrigues/Agência Brasil)

 

A visita de Lula à China e a formação de um grupo de negociação da paz pelo governo brasileiro, a reunião com o Ministro das Relações Exteriores da Rússia e a tensão nas relações entre Brasil, Estados Unidos e Europa são o foco da política externa, girando em torno da controvérsia em torno das declarações do presidente Lula sobre o conflito russo-ucraniano e as críticas e repercussões internacionais geradas por essas declarações. 

 

Em abril de 2023, as declarações de Lula acerca da invasão russa na Ucrânia foram objeto de críticas e controvérsias na comunidade internacional, especialmente nos EUA e Europa. Isso porque o governo brasileiro tem investido esforços em formar um grupo de negociação da paz. 

 

Durante a visita do presidente brasileiro à China, ele fez uma fala que dizia que os EUA e a Europa deveriam trabalhar para a paz e que a Ucrânia também tinha responsabilidade sobre o conflito (ver também nota conjunta). Antes disso, o assessor especial de assuntos internacionais e ex-ministro, Celso Amorim, tinha viajado a Moscou para tentar conversar com Putin. E logo que Lula retornou ao Brasil, o Ministro de Relações Exterior da Rússia, fez uma visita oficial que incluiu um giro pela região incluindo no roteiro a Venezuela e Nicarágua.

 

A história começou em 12 de abril,  quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou na China, com a intenção de reatar relações diplomáticas e políticas com o governo de Xi Jinping para debater os seguintes temas: novas lideranças globais, a guerra na Ucrânia e a assinatura de novos acordos comerciais e de cooperação entre Brasil-China. E houve também a posse da nova presidente do BRICS, Dilma Rousseff. 

 

A mídia brasileira encarou a visita de diferentes maneiras. O comentarista da CNN, Marco Antonio Villa , acredita que a viagem e o encontro com o presidente Xi Jinping  foram mais produtivas do que a visita feita aos Estados Unidos, em fevereiro, justamente pelo volume de acordos firmados entre os países. Outros veículos da mídia brasileira, como o jornal “O Globo”, enxergaram o encontro Brasil-China como benéfico, mas, o tópico da guerra na Ucrânia e a visita do presidente à gigante de telecomunicações Huawei, podem criar rusgas na relação Brasil-EUA.

 

Mas o principal ponto de desconforto foram os comentários do Presidente Lula de que Ucrânia e Rússia seriam ambas responsáveis pela guerra. O  porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, afirmou que o Brasil “está reproduzindo propaganda russa e chinesa sem observar os fatos em absoluto”

 

Sob a mesma perspectiva, a mídia norte-americana também não aprovou os resultados do encontro. O jornal The Economist, em seu artigo intitulado “Brazil’s foreign policy is hyperactive, ambitious and naive”¹ destacou que o legado de Lula poderia ser mais bem servido concentrando sua energia em áreas onde o Brasil tem influência, como a questão ambiental, em vez de se envolver em grandes questões políticas nas quais tem pouca ou nenhuma influência. 

 

O mesmo tom de descontentamento foi replicado em diversas matérias de importantes veículos norte-americanos, incluindo manchetes como: “China’s Xi Jinping, Brazil’s Lula Take United Stance Against U.S”², bem como em “Lula Cozies Up to America’s Enemies Biden’s presidential pal in Brazil moves closer to a global cast of dictators.”³, ambos publicados pelo Wall Street Journal.

 

Outros veículos de imprensa estadunidenses adotaram um tom menos agressivo, mas ainda assim, críticos. O jornal The Washington Post, por exemplo, publicou um artigo intitulado “The West hoped Lula would be a partner. He ‘s got his own plans”, no qual enfatizou que a visita acontece “em um momento em que as relações entre Washington e Pequim se tornam cada vez mais tensas”. E, em tom inquietante, afirma: “Lula está lembrando ao mundo sua abordagem da política externa – que, de acordo com seu primeiro mandato, prioriza o pragmatismo e o diálogo, e mostra pouca preocupação se antagoniza Washington ou o Ocidente”. O The New York Times, por sua vez, disse que o Brasil está cada vez mais alinhado com a narrativa chinesa.

 

Em seguida, no dia 16 de abril, em viagem aos Emirados Árabes Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, durante uma coletiva de imprensa, que tanto os Estados Unidos como a Europa estão incentivando a guerra na Ucrânia. Segundo ele, “A paz está muito difícil. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, não toma iniciativa de paz, o [presidente da Ucrânia], Volodymyr Zelensky, não toma iniciativa de paz. A Europa e os EUA terminam dando a contribuição para a continuidade desta guerra”. Lula acredita que é hora de colocar um ponto final nas vendas de armas à Ucrânia para que negociações diplomáticas possam acontecer, além de sugerir a criação de um bloco “G20 pela paz”, um grupo de países neutros para mediar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia.

 

Depois disso,  ao retornar ao Brasil , Lula recebeu o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov. O encontro foi dividido em duas etapas, a primeira sendo mais reservada, ao qual Lavrov e o Ministro Mauro Vieira discutiram sobre a guerra da Ucrânia, enquanto a segunda, foi composta pela participação de assessores das áreas de política e economia para discutir a relação bilateral do Brasil. Essa reunião, de acordo com a imprensa estatal russa, foi marcada com o intuito de “fortalecer a cooperação entre os países” .

 

Em seguida, Lavrov foi recebido pelo presidente brasileiro para uma reunião mais privativa, a qual teve duração de uma hora e meia. Nessa reunião, Lula, mediado por Lavrov, recebeu um convite do presidente Vladimir Putin, para ir até a Rússia participar do Fórum Econômico. Para a imprensa, após a reunião, Lavrov reitera que Rússia e Brasil “têm visões similares” .

 

As repercussões da visita de Lavrov ao Brasil, não foram bem recebidas  pelos Estados Unidos. O que pode ter agravado o quadro da turbulência nas relações bilaterais Brasil-EUA. Assim, no dia 18 de abril, a pedido da Casa Branca, o Conselheiro de Segurança Nacional de Segurança dos Estados Unidos, Jake Sullivan, e o assessor internacional da Presidência da República, Celso Amorim, discutiram sobre o assunto e sobre questões bilaterais e globais. 

 

Depois disso, em 21 de abril, na embaixada do Brasil em Lisboa, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo, se reuniu com representantes da comunidade ucraniana e,  quando questionado sobre as declarações anteriores de Lula e enfatizou que a vocação do Brasil e do presidente é pela paz. Ele declarou que “o Brasil tem resolução da ONU que condena a invasão de um país a outro e que nós defendemos a soberania dos países e a autodeterminação de seus povos. Então, este sentimento é que traz a posição do Brasil e do governo do presidente Lula”.

 

Também em Portugal, depois da repercussão de suas declarações, Lula afirmou “escolher uma terceira via” ao invés de tomar lados, uma vez que “o Brasil não quer guerra”, mas reconheceu que a Rússia não deveria ter invadido a Ucrânia. Reiterou, também, que nunca igualou os dois países, pois sabe o que é invasão e o que é integridade territorial, mas que “agora a guerra já começou e alguém precisa falar em paz”. Vale ressaltar que a busca pela paz e a neutralidade vêm de uma longa tradição brasileira que preza pelo multilateralismo.

 

¹“A política externa do Brasil é hiperativa, ambiciosa e  ingênua”.

² “Xi Jinping, da China, e Lula, do Brasil, assumem posição unida contra os EUA”

³ “Lula se aproxima dos inimigos da América. Amigo presidencial de Biden no Brasil se aproxima de um elenco global de ‘ditadores”

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