O futuro de Itaipu

30 de maio de 2023

 

Por Dante Apolinario, Leonardo Poletto Di Giovanni, Maria Clara Reis C. Pires, Natália Martinho e Nícolas de Paula¹ (Imagem: Pixabay)

 

No marco de comemoração de 50 anos do acordo para a criação da Usina Binacional de Itaipu, chegou o momento de renegociar o funcionamento da segunda maior hidrelétrica do mundo. Brasil e Paraguai iniciam as conversas de negociação com objetivos opostos, mas é possível um acordo satisfatório para ambos.

 

Após 50 anos do início das atividades da hidrelétrica de Itaipu, finalmente a dívida que o Paraguai tinha com o Brasil pela sua construção foi quitada e, com isso, novas possibilidades de ação surgem com a renegociação do tratado firmado.  

 

Assinado em 26 de abril de 1973 pelos então presidentes do Brasil e do Paraguai, General Emílio Médici e General Alfredo Stroessner, respectivamente, o Tratado de Itaipu criou a entidade responsável pela usina, ITAIPU BINACIONAL. No Tratado, foram estabelecidas as bases financeiras e de prestação dos serviços de eletricidade. Esta é a parte que venceu recentemente, após os 50 anos do acordo, e que deve ser renegociada nos próximos meses. A construção da usina teve como objetivo o “aproveitamento hidrelétrico dos recursos hídricos do Rio Paraná”, mantendo-se como a maior usina hidrelétrica do mundo até 2012, quando a Usina das Três Gargantas, na China, foi inaugurada.  A parceria é caracterizada como um exemplo muito bem-sucedido de integração energética e como uma importante fonte de energia para ambos os países. Em 2021, a produção das 20 unidades geradoras da usina forneceu 8,4% do consumo do Brasil (5730 MW) e 85,5% do consumo do Paraguai (1804 MW).  

 

O último pagamento da dívida foi feito no dia 28 de fevereiro de 2023, ampliando as expectativas  para a renegociação prevista, junto com o fim das eleições no Paraguai no dia 30 de abril, com a vitória de Santiago Peña (Partido Colorado). A data das novas tratativas ainda não foi definida, já que era aguardado o resultado das eleições paraguaias, mas o debate já está sendo feito por especialistas da área e autoridades, como o Ministro de Minas e Energia brasileiro, Alexandre Silveira, o ex diretor-geral brasileiro em Itaipu Anatalício Risden Júnior e o diretor-geral paraguaio Manuel María Cáceres Cardozo, todos presentes na cerimônia de liquidação.  

 

Com o fim da dívida, espera-se que seja estabelecido que o Paraguai continuará vendendo sua parte excedente da energia de Itaipu para o Brasil ao invés de buscar outros compradores, como a Argentina ou o Uruguai. Muitos aspectos do acordo devem ser discutidos devido à grande e complexa influência que ele exerce em ambos os países. Por exemplo, um acordo cancelado em 2019, no qual o Paraguai se comprometia a comprar energia mais cara, quase levou ao Impeachment de Mario Abdo; o aumento de mais de R$ 2,3 bi na conta de luz dos brasileiros em abril de 2023 devido ao aumento das Despesas de Exploração da usina; a influência que a fixação da tarifa de Itaipu feita pelo Brasil influenciou as eleições no Paraguai e a contínua insatisfação dos consumidores com o preço da tarifa que não abaixou como o esperado, mesmo após a dívida, um dos fatores dos Custos de Serviço de Eletricidade (CUSE) não fazer mais parte do cálculo.

 

O olhar do Brasil

 

Ano passado, o governo de Jair Bolsonaro havia fixado unilateralmente a tarifa de serviços de eletricidade de US$ 12,67 por KW em caráter provisório, o que não agradou os paraguaios. Por outro lado, no mês passado, o governo de Lula, após negociações, chegou a um acordo sobre o preço da tarifa de serviço de eletricidade de US$ 16,71. De fato, houve um aumento para os brasileiros de 31,9%, mas, vale a pena lembrar que a redução de Bolsonaro era meramente provisória e que anteriormente os países tinham acertado o preço em US$ de 20,75 para 2022, então houve a redução em 19,5%. 

 

Além da negociação política, com o fim da dívida de Itaipu, o esperado era que os custos da energia elétrica fossem reduzidos para os consumidores brasileiros. Contudo, devido ao aumento das despesas, como custos de operação, manutenção e gestão da empresa e os projetos socioambientais, definido no acordo deste ano, espera-se que a redução da tarifa não seja assim tão expressiva. Logo, a Itaipu espera que o seu crescimento se dê da forma mais sustentável possível. Ao preservar e financiar obras sustentáveis ao seu entorno, o bem estar da represa em longo prazo (assim como o da população que mora nas proximidades) é garantido de forma bem mais eficiente do que meramente baixar as tarifas de consumo de energia no curto prazo. 

 

A Itaipu é responsável por promover o desenvolvimento sustentável e gerar energia limpa e renovável para os dois países, por isso é necessário garantir que a qualidade da prestação de serviços não seja reduzida no longo prazo. Este é um ponto importante para o governo Lula e estará presente no novo acordo.

 

Ademais, o governo brasileiro manifestou uma preocupação com a qualidade de vida dos povos indígenas que habitam a região, mas também acredita que o investimento na usina em si é essencial para a futura geração de energia para o país. No atual contexto, em que outras fontes de energia se tornam cada vez mais escassas e requisitadas, como o Gás Natural,  a preocupação com a produção de novas formas de energia, como o Hidrogênio Verde, é essencial.

 

De qualquer forma, a economia paraguaia é bastante pequena em comparação ao Brasil. Assim, apesar dos discursos, existe uma assimetria concreta de poder nas negociações que deve ficar evidente nos próximos meses, ainda que o posicionamento atual do Brasil seja de fortalecimento das relações e de um acordo em que ambos os lados fiquem satisfeitos.

De acordo com estudo do IPEA, o Paraguai é também um importante parceiro comercial e parque de investimentos para empresas brasileiras, pois apresenta características como mão de obra jovem, legislação trabalhista flexível, custos de produção menores, energia elétrica barata e abundante, estabilidade macroeconômica e posição favorável entre os dois grandes mercados da Argentina e do Brasil. Sendo assim, o desenvolvimento paraguaio tem impacto para o desenvolvimento brasileiro, e o novo acordo firmado neste ano pode propiciar avanços nesse sentido.

 

O olhar do Paraguai

 

A perspectiva do Paraguai em relação à renegociação da Usina de Itaipu tem sido pautada pela busca de um tratamento mais justo e equilibrado na gestão compartilhada do empreendimento binacional. O novo acordo prevê que o Paraguai receba uma compensação financeira maior pelo uso da energia produzida por Itaipu, o que deve trazer benefícios econômicos significativos para o país. As receitas recebidas pelo país na venda do excedente de energia para o Brasil não são desprezíveis.  Além disso, o Paraguai também terá mais controle sobre a energia produzida pela usina, o que deve permitir que o país desenvolva sua própria indústria e infraestrutura.

 

Após o ato comemorativo dos 50 anos da assinatura do Tratado de Itaipu, os diretores gerais, Manuel María Cáceres, do Paraguai; e Enio Verri, do Brasil, em conferência de imprensa referiram-se, entre outras coisas, sobre os desafios que se colocam no que diz respeito à próxima revisão do Anexo C do Tratado, cujo prazo termina no próximo dia 13 de agosto deste ano, e ambos os diretores concordaram que deveria ser negociado um acordo que estabeleça as metas para os próximos 50 anos, como foi feito na assinatura do Tratado original.

 

Na perspectiva paraguaia em relação ao acordo, Manuel María Cáceres, esclareceu que devido às eleições gerais no Paraguai haverá uma nova administração que se encarregará de acompanhar as negociações. Independentemente disso, a Itaipu, como tal, não faz parte da equipe de negociação. Itaipu dá suporte técnico para o Ministério de Relações Exteriores paraguaia e para isso envolve lideranças de vários setores políticos e da sociedade civil. Esses documentos foram compartilhados e estão no site da Chancelaria.

 

Em resumo, as expectativas do Paraguai em relação à renegociação do Tratado de Itaipu são principalmente relacionadas à obtenção de uma maior participação na geração de energia da usina, uma remuneração maior pela energia excedente e uma revisão das cláusulas de compensação econômica.

 

Panorama Geral

 

Apesar dos impactos ambientais associados à sua construção – que são inerentes a todo grande projeto de infraestrutura energética – a Itaipu tem uma gigantesca capacidade de produção de energia limpa. É a hidrelétrica que mais produziu energia no mundo (em valores acumulados), fornecendo energia elétrica para o Brasil e para o Paraguai. Contudo, além da energia elétrica, a existência da Usina forneceu (e ainda fornece) a oportunidade de uma maior integração regional. A colaboração entre Brasil e Paraguai já dura 50 anos, deu início ao processo de integração regional na América Latina e é um exemplo bem sucedido de desenvolvimento e crescimento mútuo entre as duas nações. 

 

Para o Paraguai, o período da construção da Usina permitiu ter as maiores taxas de crescimento do PIB na América Latina.  Por outro lado, ao invés de utilizar o grande incentivo que a sua participação em 50% de energia vinda da hidrelétrica propiciava para para um possível processo de industrialização, preferiu manter o status quo e vender o excedente para o Brasil. Atualmente, a oferta de eletricidade do Paraguai é quase totalmente fornecida por Itaipu.

 

Já no Brasil a Itaipu possibilitou aprofundar o desenvolvimento econômico. Desse modo, o aumento da industrialização paulista e a nova expertise de construção de grandes hidrelétricas. Além disso, aumentou a oferta de energia disponível no Brasil. Para um país tão grande ter uma única hidrelétrica responsável por abastecer quase 10% da demanda de energia elétrica é muita coisa. Para o futuro, como já comentado anteriormente, a Usina (e a política paraguaia) deve propiciar condições para um maior desenvolvimento econômico de empresas brasileiras naquela região. É fundamental que as relações entres os dois países não sejam deterioradas.

 

Conclusão

 

No futuro acordo, as estruturas econômicas de ambos os países devem ser levadas em consideração. Para uma verdadeira integração regional, ambos os lados devem ser contemplados de fato, em mútuo benefício. Trata-se de um acordo de longo prazo, e ambos os países devem ter em conta onde querem estar daqui a 50 anos.

 

Com o fim do pagamento da dívida do lado paraguaio em relação à construção da Usina, existe agora uma margem para ambos os lados saírem satisfeitos da renegociação. Isto é, o Paraguai aumentar as suas receitas pelo excedente vendido ao Brasil; e o Brasil conseguir diminuir o custo de energia interno com a diminuição da Tarifa de Repasse. E, além disso, manter o compromisso da Itaipu com projetos socioambientais. O novo acordo pode ser mais um marco para o fortalecimento das relações Brasil-Paraguai.

 

¹Os autores agradecem o apoio do professor Giorgio Romano Schutte.

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