Briga de gente grande: varejistas asiáticas exportam modelo de e-commerce para dominar mercado no Brasil

11 de julho de 2023


Por Fabíola Lara de Oliveira, Flávia Mitake Neiva, Olívia Bulla e Vitor Hugo dos Santos (Imagem: Unsplash)

 

Discutimos a entrada de grandes varejistas asiáticas no mercado de e-commerce brasileiro, como Shopee, Shein e AliExpress. Essas empresas estão trazendo seu modelo de e-commerce para o Brasil, que é um grande mercado de compras online. A pandemia aumentou a digitalização e o e-commerce foi beneficiado. Plataformas asiáticas como Shein e Shopee chegaram ao país trazendo o modelo cross-border. Juntas, essas plataformas faturaram mais de R$ 10 bilhões só no Brasil em 2021. O diferencial dessas empresas está na experiência do usuário, com sites de compras que se transformaram em redes sociais, vendas ao vivo durante live commerce, incentivo à postagem de conteúdo próprio pelos consumidores e gamificação. Enquanto isso, as plataformas brasileiras tradicionais ainda seguem um modelo de vendas online menos interativo e mais limitado.

 

Shopee, Shein e AliExpress. Os grandes players do comércio eletrônico vindos da Ásia deixam a sensação de que o e-commerce brasileiro não será dominado por empresas tradicionais como Casas Bahia, Magazine Luiza ou Americanas e muito menos pela gigante argentina Mercado Livre. Mas trata-se de uma briga de gente grande, já que o Brasil é o 10º maior mercado de compras online do mundo e ainda tem muito espaço para crescer. 

 

Vale lembrar que a crise sanitária da covid-19 provocou aumento da digitalização, com o e-commerce sendo uma das atividades mais beneficiadas pela pandemia. Afinal, as pessoas foram “forçadas” a “ficar em casa” em meio às medidas de combate à doença. Como resultado, as compras online no Brasil (intra e interestadual) cresceram 87% em 2020 em relação a 2019, com o faturamento bruto passando de R$ 57,44 bilhões para R$ 107,24 bilhões, conforme o Observatório do Comércio Eletrônico.

 

No mesmo período, plataformas asiáticas, como Shein e Shopee (de origem em Singapura, mas com fundadores e capital chineses), chegaram ao país, trazendo o modelo cross-border. Nele, o processo de compra e venda dos produtos ocorre em países distintos, o que ganhou aceitação e expandiu o e-commerce brasileiro para além das fronteiras locais. Desde então, essas empresas têm chamado a atenção de consumidores, varejistas nacionais e também do governo federal.

 

Juntas, ambas as plataformas internacionais faturaram mais de R$ 10 bilhões só no Brasil em 2021, superando empresas tradicionais. No ano seguinte, em 2022, a Shein quadruplicou de tamanho e detinha 5% de todo o varejo de vestuário no país, vendendo, sozinha, quase R$ 8 bilhões. A expectativa é dobrar as vendas em 2023, o que, se confirmado, tornará a chinesa líder no segmento nacional, ultrapassando a Renner. 

 

Muito além do e-commerce

 

Afinal, o que as empresas asiáticas têm que as brasileiras – latinas ou mesmo a norte-americana Amazon – não têm? Em um mercado extremamente sensível ao preço como o do Brasil, o mais importante para o e-commerce é ter um controle sobre a fonte dos produtos. Porém, outro motivo pelo qual as plataformas chinesas conseguiram despontar no mercado consumidor nacional é o modelo de marketplace.

 

Na China, desenvolveu-se um mercado de vendas online peculiar e extremamente tecnológico, no qual as interações com os consumidores se desenrolam de maneira mais dinâmica. Além da variedade de produtos encontrados a preços baixos e das entregas rápidas, o diferencial dos marketplaces chineses está na experiência do usuário. 

 

Isso porque os sites de compras chineses acabaram se transformando em redes sociais, nos quais os vendedores fazem vendas ao vivo durante uma live commerce e os consumidores são incentivados a postarem conteúdo próprio através de mini vlogs e vídeos curtos. Ou seja, criou-se uma cultura de streaming para apresentar as novidades. 

 

É o caso da versão chinesa do Tik Tok, o Doyuin, que tem o melhor algoritmo de recomendação de conteúdo do mundo, com uma taxa de precisão capaz de criar um modelo de consumo impulsivo do tipo “produto procurando consumidor”. Já a plataforma Xiaohong Shu originou-se com o mesmo propósito do Instagram, mas possui um comércio eletrônico integrado, o que possibilita ao consumidor adquirir informações do produto e fazer compras online simultaneamente, sem a necessidade de pular para links externos para pagamentos. Em sites como Shein e Shopee, há um processo de gamificação, com os consumidores recebendo pontos que podem virar descontos e/ou frete grátis. 

 

Enquanto isso, no Brasil, as plataformas tradicionalmente utilizadas, como Magazine Luiza, ainda seguem um modelo de vendas online menos interativo e, consequentemente, mais limitado. Portanto, estão firmes no conceito de e-commerce, que permite relações comerciais através da internet em uma loja virtual, geralmente própria da marca, porém sem expandir para o marketplace, nos moldes de um shopping virtual, onde várias lojas vendem produtos no mesmo lugar, em um modelo mais participativo. 

 

Guerra comercial

 

Por esses motivos, os sites asiáticos tornaram-se mais atrativos aos consumidores brasileiros. Mas o principal fator para a escolha dessas plataformas é mesmo o preço, que geralmente é mais baixo que nos concorrentes nacionais que não tem sido afetado por tarifas de importações, dadas as dificuldades do governo brasileiro em promover a taxação. 

O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já criticaram a atuação dessas companhias de e-commerce em território nacional. Tanto que, durante a viagem oficial à China, ventilou-se a possibilidade de novas medidas tributárias para eliminar a concorrência desleal entre o varejo local e o internacional. 

 

Além disso, varejistas nacionais e deputados da Frente Parlamentar do Empreendedorismo cobraram uma postura firme do governo federal em relação ao comércio cross-border, acusando as empresas chinesas de descumprirem algumas obrigações tributárias e realizarem vendas de maneira irregular no Brasil. 

 

Depois de certa polêmica em abril, que levou o governo a recuar e não acabar com a isenção para remessas entre pessoas físicas no valor de até US$ 50, novas regras para a tributação de compras internacionais feitas pela internet foram anunciadas em 30 de junho. A partir de 1º de agosto, compras de até US$ 50 seguem isentas de tributação, porém, empresas de comércio eletrônico, nacionais ou estrangeiras, terão de aderir a algumas obrigações e recolher tributos estaduais, como o ICMS. Para compras acima de US$ 50, segue em vigor a taxação de 60% do Imposto de Importação.

 

Só taxar não resolve

 

No entanto, a perda de competitividade das varejistas online nacionais em relação ao e-commerce chinês vai além de taxas de importação e outros tributos. Tem a ver com o próprio modelo brasileiro de vendas online e também está relacionado aos gargalos de infraestrutura no Brasil e ao déficit tecnológico, o que reduz a eficiência do negócio.

 

Com um tamanho continental, um dos principais obstáculos para a implementação de um marketplace eficaz no país diz respeito à logística. Afinal, o Brasil não possui uma rede de transportes de longa distância adequada para garantir entrega rápida aos consumidores nem para o controle eficiente da cadeia de abastecimento. Assim, muitos rincões se tornam inacessíveis ou possuem o serviço de forma precária.

 

A insuficiência quanto à logística perpassa o âmbito doméstico e afeta, igualmente, a capacidade de lojas presentes no marketplace. Uma vez que a maioria dos produtos vendidos vêm direta ou indiretamente da China, o recebimento de cargas internacionais para a posterior transferência das mercadorias em território nacional remete aos desafios relacionados ao custo de tráfego. 

 

A tecnologia é outro elemento desafiador para a consolidação do e-commerce brasileiro. Em relação a países asiáticos, o Brasil ainda não tem capacidade tecnológica nem legislativa para suportar o aumento do fluxo de dados, apesar do crescente número de horas que os usuários passam navegando em frente às telas. 

 

A falta do serviço de banda larga distribuído por todo território nacional dificulta também a melhoria das estratégias de comércio, deixando como alternativa apenas as formas tradicionais, como o comércio presencial ou lojas virtuais de marcas específicas. Ademais, uma ampla rede móvel de última geração (5G) capaz de ampliar a velocidade e a fluidez da conexão traria benefícios na relação entre o cliente e a plataforma de compras online.

 

Tem-se ainda o ambiente de juros básicos (taxa Selic) elevados para controlar a inflação, o que corrói as margens líquidas do setor de varejo e amplia o custo financeiro, além da contração da oferta de crédito e do nível de renda da população. Daí porque o risco de, no futuro, diminuir os players locais no e-commerce brasileiro. Ainda mais, diante do vácuo no setor deixado pela Americanas após um rombo contábil de R$ 20 bilhões, que seguiu-se do pedido de recuperação judicial

 

Por isso, a consolidação do e-commerce no Brasil requer uma transformação nos três pilares principais do comércio eletrônico: produto, preço e experiência. Para tanto, é necessário criar uma perspectiva nacional sobre compras online, já que o país não possui as mesmas condições que os concorrentes asiáticos e, portanto, não faz sentido simplesmente copiar o modelo existente apostando que vai dar certo. Ao contrário, é preciso se adequar às especificidades tupiniquins e dos consumidores locais.

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