11 de julho de 2023
Por Acauã Alexandre José dos Santos; Gabriel N. Silva; Ivan Cersosimo Valverde; Luiza Rodrigues; Mônica Almeida Peña; Tatiane Anju Watanabe (Imagem: Unsplash)
O processo eleitoral da Guatemala mostra-se conturbado. Ele se iniciou com a suspensão de quatro candidatos presidenciáveis, inclusive o líder nas pesquisas, e agora o resultado do primeiro turno pode ser anulado pela sua Corte Constitucional até que haja um esclarecimento de possíveis irregularidades que denunciam dez partidos políticos, entre eles o Unidad Nacional de la Esperanza (UNE), da candidata Sandra Torres que seguiu para o segundo turno, junto com Bernardo Arévalo.
Os resultados finais nas urnas do primeiro turno das eleições guatemaltecas, realizado em 25 de junho, estão suspensos. As apurações colocam no segundo turno, marcado para 20 de agosto, Sandra Torres, com 15,86% dos votos, e Bernardo Arévalo, com 11,77%. A totalização contraria pesquisas pré-eleitorais, e eliminou o atual presidente Alejandro Giammattei. Seu governo é acusado de práticas autoritárias e anti populares, tendo se cercado de militares e pessoas acusadas de corrupção. Desde 1996, com a redemocratização, nenhum candidato conquistou a presidência com maioria de votos no primeiro turno.
O resultado foi alvo de contestações desde sua divulgação, com denúncias de fraude sem que fossem apresentadas provas por parte de partidos políticos derrotados. O descontentamento se dá, principalmente, pelo fato de Arévalo, candidato de esquerda, ter chegado ao segundo turno. Assim, no dia 1o. de julho a Corte Constitucional do país ordenou que o Tribunal Eleitoral suspendesse os trabalhos para que os votos pudessem ser revisados e as denúncias apuradas, num prazo de 15 dias.
Bernardo Arévalo declarou que “a democracia na Guatemala corre um risco terrível”. Essa suspensão se deu apesar dos organismos internacionais que participaram como observadores da eleição terem atestado a legitimidade do processo. A Organização dos Estados Americanos (OEA), a missão de observação eleitoral da União Europeia e o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, expressaram sua preocupação pela paralisação do processo.
Na Guatemala o voto é obrigatório, mas não há qualquer tipo de sanção para quem não comparecer às urnas. Foram registrados recordes de votos nulos (17%), que quadruplicaram desde a eleição anterior, e 7% de brancos, que somados representam mais votos do que os dois postulantes no 2º turno. Esse fato expressa o rechaço popular às eleições presidenciais e ao sistema político.
Também, das 160 cadeiras do Congresso (unicameral) que foram renovadas, o partido Vamos, do presidente Giammantei, obteve 22 novas, totalizando 39 assentos e se tornou a principal força da câmara. O posto pertencia ao UNE, de Sandra Torres, que será a segunda maior força com 28 cadeiras, enquanto o Semilla de Arévalo será a terceira com 23. Dessa forma, os dois candidatos serão forçados a dialogar com seus concorrentes atuais para movimentar suas agendas.
Quem são os candidatos no segundo turno? Os derrotados no primeiro turno
Sandra Julieta Torres Casanova, 67 anos, disputa a presidência da República pela terceira vez, chegando em todas ao segundo turno. Nascida em Melchor de Mencos, pequena localidade do departamento de Petén, no norte da Guatemala, é herdeira política de seu marido, o ex-presidente Álvaro Colom, falecido em janeiro último. É formada em ciências da comunicação pela Universidad de San Carlos de Guatemala (Usac), e tem mestrado em Políticas Públicas pela Universidad Rafael Landívar.
Candidata pela Unidad Nacional de la Esperanza (UNE), organização que fundou junto com Colom em 2002 e da qual é secretária geral, passou para o segundo turno em 2019 em primeiro lugar, mas acabou perdendo para Giammattei. Trata-se da agremiação com maior número de filiados do país, que se define como socialdemocrata e socialcristão.Caso ganhe a eleição será a primeira mulher a assumir a presidência na Guatemala.
Bernardo Arévalo de León, 64 anos, candidato pelo Movimiento Semilla, surpreendeu ao passar para o segundo turno. . É filho do ex-presidente Juan José Arévalo Bermejo, que governou o país entre 1945 e 1951, na chamada “Revolução de Outubro”, num processo democratizante, após quinze anos de governos militares.
Sociólogo e doutor em Filosofia e Antropologia Social, Arévalo de León se identifica como social-democrata e é especialista em resoluções de conflitos. Nasceu em Montevidéu, no Uruguai, onde seu pai estava exilado, e somente voltou à Guatemala aos 15 anos de idade. Estudou em universidades de Israel, Espanha e Holanda.
É um dos fundadores do Semilla, movimento progressista que surgiu em 2015 como uma opção política em repúdio à corrupção que a Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG) revelou no país. Foi eleito deputado em 2019, na primeira vez que o movimento apresentou candidatos.
Antes de ingressar na vida política, era acadêmico e escrevia sobre relações civis e militares e segurança. Entre 1995 e 1996, foi embaixador na Espanha e um ano antes havia sido vice-ministro de Relações Exteriores do governo de Ramiro De León Carpio. Também foi secretário consular da Guatemala em Israel.
Arévalo não se incomoda de ser chamado de “Tio Bernie” da política guatemalteca. Ao contrário, até gosta do apelido que, além de se referir ao seu nome, também o associa ao político norte-americano Bernie Sanders. Muitas são as diferenças entre os dois, mas a principal semelhança com Sanders é que ambos se autodenominam políticos que lutam por justiça e consciência social.
Os derrotados no primeiro turno
Zury Ríos: Filha do ex-ditador Efraín Ríos Montt (1982-83), fator que a envolveu em controvérsias desde que adentrou no cenário político. Mas seu histórico familiar não é o único obstáculo, pois esta é a quarta vez em que concorre à presidência. Seus apoios se tornaram cada vez mais escassos e sua retórica mais distante do eleitorado frente aos ataques que sofre. Suas bases se deslocaram ao longo dos anos em direção a políticos que estariam em busca de uma figura capaz de consolidar bases eleitorais dispersas.
Edmond Auguste Mulet Lesieur: Advogado e ex-diplomata de 72 anos, foi embaixador nos Estados Unidos e na União Europeia e tem uma trajetória de meio século no cenário político. Criou em 2018 o partido CABAL, de centrodireita, do qual é presidente. Mulet afirma buscar uma renovação profunda para o país. Sua carreira é carregada de controvérsias, atingindo seu auge em episódios nebulosos que protagonizou sobre adoções nos anos 1980 e que nunca foram completamente esclarecidas.
Carlos René Pineda Sosa: O empresário de 51 anos se apresenta como outsider do sistema político e é filiado ao partido Prosperidad Ciudadana, de centrodireita. Tem presença ativa em redes sociais, o que possivelmente explica um súbito crescimento de seu desempenho em pesquisas eleitorais. Vem de família proeminente no setor agropecuário.
Os dilemas econômicos
A economia guatemalteca tem experimentado um crescimento consistente nos últimos anos, impulsionado principalmente pelos setores de serviços, agricultura e indústria, e é o país centro-americano com maior desenvolvimento industrial. Conta com três portos internacionais, tendo uma posição geográfica que conecta a América do Norte com a Central.
O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022 foi de 4,1%. Em comparação, a China, que é o país que mais cresce no mundo, registrou um crescimento de 8,4% em 2021 e 3% em 2022. Isso indica um forte interesse empresarial no país.
Apesar do crescimento econômico do país na última década, ainda é um país altamente desigual e com grande parte da população vivendo na pobreza, enfrentando dificuldades de acesso a serviços públicos essenciais, como educação e saúde. De acordo com dados do Banco Mundial, em 2014 (ano mais recente) a porcentagem de pessoas que estavam vivendo abaixo da linha da pobreza era de 59,3%, superando o Haiti (58,5%/2012), que historicamente liderou a região nesse quesito.
Guatemala e EUA
O Estados Unidos apresentam diversas estratégias de segurança e migração para o “Triângulo Norte da América Central” (Guatemala, Honduras e El Salvador), que supostamente visam impulsionar políticas de contenção contra organizações criminosas, lutar contra a corrupção e a violação dos direitos humanos, estabilizar economicamente o país e enfrentar as causas da imigração da população dessa região para o país norte-americano.
Em 2019 o governo de Giammantei assinou um “pacto migratório” com o governo Trump se comprometendo a receber imigrantes, enquanto esperam por autorização para entrar nos EUA, que por sua vez, ofereceria a estrutura para isso. Durante o governo Giammantei, em janeiro de 2021, houve uma violenta repressão contra uma caravana de milhares de centro-americanos que partiam de Honduras passando pelo país em direção aos EUA, sendo esse não um fato isolado.
Em julho de 2021 a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, fez um discurso conhecido na Guatemala avisando aos guatemaltecos não migrarem para o país, no que ficou conhecido como discurso “não venha”.
A Guatemala tem se mostrado um dos principais aliados dos EUA na América Central. No período de 2011 a 2021, o país foi um dos países latino-americanos mais alinhados com os EUA na Assembleia Geral da ONU. Também votou com o país em resoluções importantes na ONU e OEA quanto a um posicionamento contra a Rússia na Guerra, sendo Giammantei o único presidente latino-americano que visitou o presidente Zelenski. E na disputa EUA x China, a Guatemala reconhece Taiwan.
Uma história de golpes e lutas populares
Em outubro de 1944 um movimento de massas tomou as ruas, pondo fim a uma sucessão de governos despóticos, no que foi chamado de Revolução de Outubro.
A última ditadura guatemalteca do início do século XX foi a do general Jorge Ubico (1931-1944), de cunho liberal e que reduziu o gasto público como forma de estabilizar as finanças do Estado e entendia, de acordo com Rampinelli (2007), que “governar era impor a vontade do presidente sem levar em conta a opinião pública e a constituição do país”. E assim como os governos militares que o antecederam, fez grandes concessões ao United Fruit Company (UFCO), empresa estadunidense que detinha o monopólio da produção de banana no país.
A revolução de outubro inaugurou a democracia no país, tendo Juan José Arévalo como primeiro presidente eleito – que governou o país entre 15 de março de 1945 a 15 de março de 1951 – iniciando um processo de modernização, institucionalização e democratização do Estado (GRANDIN, 2002).
Após o fim do mandato de Arévalo, o candidato nacionalista Jacobo Árbenz Guzmán foi eleito. Em seu discurso de posse em 1951 afirmou que seu objetivo era “converter a Guatemala em uma economia independente, moderna e capitalista”. Assim, Árbenz deu início a uma série de medidas para promover mudanças sociais, sendo uma das primeiras uma reforma agrária que distribuía milhões de hectares de terra a camponeses pobres.
Desde o fim do século XIX e início do XX, a banana era o principal produto de exportação da Guatemala, e a UFCo controlava 50% das terras cultiváveis, além de ferrovias e portos. E além de não pagar impostos ao Estado, tinha sua própria polícia interna e seu próprio regime de trabalho, sendo, como afirmou Tomáz, “praticamente um país dentro do país.”
A Guatemala se encaixava então no que ficou conhecido como “República de bananas”, termo cunhado pelo escritor estadunidense O. Henry no conto “O almirante” (1904). A banana, vale destacar, segundo o historiador Luis Ortega, “até o fim do século 19 e começo do século 20, as empresas americanas, sendo que a mais simbólica era a United Foods (hoje Chiquita), começaram a fazer plantações de bananas em série e criariam enclaves modernos em repúblicas da América Central”. Eram então, países produtores de bananas que dependiam da renda de empresas americanas.
Assim, a Guatemala sendo uma república de bananas e sob o novo governo de Árbenz, atingiu em especial a UFCo com sua reforma agrária que, em conjunto com grandes proprietários de terra, começaram uma campanha de difamação do governo, acusando o presidente de estar a serviço da União Soviética, acusação típica da Guerra Fria.
No clima de um conflito Leste-Oeste, funcional a Washington, o presidente Jacobo Árbenz sofreu um golpe de Estado patrocinado pelos EUA em junho de 1954, sendo a primeira intervenção do país na América Latina durante a guerra fria, e considerada um caso de sucesso pelo país imperialista, tornando-se exemplo para outras ingerências (GRANDIN, 2002).
Foi encerrada então a Revolução de Outubro que durou dez quase anos, mas a ruptura com a esperança suscitada por essa experiência popular inspirou diversas lutas contra a ditadura militar apoiada pelos EUA que se instaurou.
Em 1960, jovens militares contrários ao governo do general Fuentes, organizaram um levante – sem sucesso – e desertaram do exército passando a atuar a partir de guerrilhas. Deu início então a uma guerra civil que durou quase quatro décadas entre guerrilheiros de esquerda e o governo guatemalteco, que teve como saldo, de acordo com a ONU, mais de 200 mil pessoas mortas e 45 mil desaparecidos.
A Guatemala então possui uma democracia extremamente frágil, tendo vivido um período democrático na década da revolução, e retomado somente em 1996, quando foi assinado um cessar-fogo entre o governo e a guerrilha.
Referências:
GRANDIN, Greg. A revolução guatemalteca. Editora Unesp: São Paulo, 2002.
RAMPINELLI, Waldir Jose. O primeiro grande êxito da C.I.A. na América Latina. Revista ponto-e-vírgula, 1: 105-121, 2007.