11 de julho de 2023
Por Dante Apolinario, Lívia Romano F. da Cruz, Maria Clara Reis C. Pires, Natália Martinho, Nícolas de Paula¹ (Imagem: Pixabay)
A IA é uma das principais tecnologias presentes na Revolução Tecnológica 4.0, com potencial para aumentar a produtividade e melhorar a qualidade de vida. No entanto, também surgem desafios e preocupações, como a substituição de empregos, questões de privacidade e segurança geopolítica. A regulamentação da IA é um desafio devido à sua natureza única e ao poder de processamento de dados. Países como Europa, China e Estados Unidos estão debatendo e buscando diretrizes éticas para o uso da tecnologia. No Brasil, o mercado de IA está em crescimento, mas ainda enfrenta desafios como falta de regulação e segurança de dados.
Introdução
A Revolução Tecnológica 4.0 já é uma realidade latente e em curso ao redor de grande parte dos países do globo. Essa Revolução é caracterizada pela incorporação de sistemas virtuais na produção industrial, que se integram a sistemas físicos, e que são capazes de organizar a produção a nível global. Contudo, as tecnologias inseridas nesse contexto não são somente sistemas virtuais, mas também tecnologias mais complexas, como a nanotecnologia e a engenharia genética. Dessas novas técnicas em ascensão, a que talvez mais esteja em alta e inserida em nosso cotidiano é a Inteligência Artificial (IA).
O termo “Inteligência Artificial” foi criado em 1956 e define a capacidade de máquinas e softwares de aprenderem por meio da interpretação de dados e executarem tarefas reacionais a partir disto. Em suma, a inteligência artificial busca criar máquinas que sejam capazes de pensar e aprender como seres humanos e a ideia é criar sistemas capazes de organizar a si mesmos.
A Indústria 4.0 promete aumentar os níveis de produtividade, produzindo de maneira veloz, eficiente e com maior segurança já que há a substituição de mão de obra humana em trabalhos de alta periculosidade. Espera-se que essa revolução permite um aumento de renda, receitas e da qualidade de vida das populações. Além disso, existem grandes oportunidades para os países periféricos nesse setor. As nações asiáticas têm apresentado grandes resultados e potencial no desenvolvimento dessas tecnologias, com destaque para a China, que supera até mesmo os Estados Unidos na aplicação de tecnologias de inteligência artificial. Em 2017, o governo chines apresentou um plano de desenvolvimento em IA para tornar-se líder global no setor até 2030, visando integrar diversos setores da economia chinesa, como saúde, manufaturas e transportes, além de prever grandes investimentos em pesquisa no setor.
Contudo, nem tudo é um mar de rosas. Como desafios e dificuldades que podem ser enfrentados no processo de Revolução, podemos citar a extinção de diversos postos de trabalho, a exclusão tecnológica, conflitos relacionados à privacidade, democracia e segurança geopolítica. O banco de investimentos Goldman Sachs, estima que cerca 300 milhões empregos serão substituídos ou apagados pela Inteligência Artificial nos próximos anos. Situações envolvendo a manipulação de dados para influenciar em eleições ao redor do globo e esquemas de invasão da privacidade de países soberanos representam um risco à segurança dessas populações. O crescimento esperado da renda provocado pela Indústria 4.0 pode também gerar maior concentração, perpetuando e expandindo desigualdades, como alerta o cientista da computação Geoffrey Hinton.
A seguir, discutiremos mais sobre quem possui maior domínio sobre as tecnologias de IA na atualidade, quais as suas aplicações, como o Brasil se posiciona neste mercado e sobre quais são as perspectivas e desafios na regulamentação deste setor.
Desafios e necessidades para a regulamentação
A regulamentação das IAs é um desafio particular e inaugural, devido a sua natureza única. Ao contrário de outros setores, como o automobilístico ou de serviços, o setor de dados tende a uma concentração; quanto mais dados se acumularem e puderem ser analisados de forma conjunta, melhor a qualidade de suas previsões. Segundo Yuval Noah Harari, uma das referências no debate sobre inteligência artificial os dados estão se tornando o capital mais importante do mundo, superando as máquinas e as terras, como ponto principal de controle da luta política. O esforço para uma regulamentação dos dados e das IAs é necessário para evitar as ditaduras que ocorrem quando poucos assumem o controle de algo tão substancial.
Esse é o risco mais iminente das IAs como tecnologias disruptivas e influenciadoras da realidade globalizada. A complexidade do sistema internacional dificulta a compreensão de algo tão recente, levando a uma preocupação das autoridades políticas, do mercado e da sociedade civil, com ambos temendo em parte os riscos das novas tecnologias, mas desejando seus benefícios. A ponderação entre esses dois lados da moeda é o que está em voga; como utilizar as IAs à serviço da solução dos problemas e não criar novos.
Apesar do temor popular de uma revolta das IAs contra a humanidade, existe uma diferença grande entre inteligência e consciência. A perspectiva dessas tecnologias desenvolverem uma consciência de si mesmas e desejarem autonomia é ínfima, mas a capacidade da inteligência ser aplicada como método de processamento de dados para grandes objetivos é real. E, dependendo de quem domine melhor essa possibilidade, podem haver consequências grandes para toda a população mundial. É uma ferramenta que possibilita uma enorme concentração de poder, e logo de riqueza em um mundo já marcada por fortes desigualdades.
Considerando essa nuvem de incertezas, diversos Estados e organismos internacionais estão se articulando a fim de regulamentar o uso das Ais e chegarem a um mínimo de organização, sem comprometer o avanço tecnológico.
Regulamentação ao redor do mundo: Europa, China e EUA
Tratando-se de um aparato tecnológico influente, capaz de ser utilizado em diversas áreas, a regulamentação da IA vem sendo discutida em diversos países ao redor do mundo. Tal discussão, inclusive, se dá no contexto da rivalidade entre Estados Unidos e China e acaba reforçando-a. Há uma corrida pelo controle das novas tecnologias e suas aplicações por parte de empresas e estados, visando um monopólio dos artefatos. A regulação busca estabelecer diretrizes para uma utilização mais ética e transparente, garantindo a segurança acerca do funcionamento dos sistemas e a maneira como consomem dados dos usuários.
Em 2021, a União Europeia iniciou discussões a respeito da regulamentação da IA. Algumas práticas tornam-se proibidas, sobretudo visando a proteção de dados e evitando discriminações. Na legislação europeia, ainda em discussão pelo Parlamento, as Inteligências são classificadas em níveis de risco: inaceitável, elevado e limitado. De acordo com sua atuação e a taxonomia, as orientações passam a nortear as atividades. As inteligências generativas, como o ChatGPT, precisam ser transparentes quanto ao conteúdo gerado, para evitar usos indevidos.
As tecnologias de alto risco são aquelas capazes de influenciar os usuários em eleições, sobretudo, as que realizam recomendações específicas em redes sociais. Com a regulamentação, as tecnologias têm algumas atividades proibidas: torna-se proibido produzir conteúdo com base em dados protegidos por direitos autorais e utilizar ferramentas de reconhecimento facial e biométrico em locais públicos. Exemplo são as atividades de policiamento preditivo – não só pela violação da privacidade dos cidadãos, mas também, porque foram observados que alguns algoritmos possuem um viés racial. Já aqueles de risco limitado, como os deepfakes, necessitam alertar os usuários que estão em contato com um produto de imagem e/ou voz.
As discussões preocupam o mercado, sobretudo, a empresa OpenAI, criadora do ChatGPT, que se vê ameaçada a alterar algumas de suas atividades a depender do resultado. A regulamentação ainda necessita uma discussão com o Conselho Europeu, composto por representantes dos países da União Europeia.
A China caminha para o desenvolvimento de ferramentas similares às disponíveis. O Chat GPT, por exemplo, não está disponível no país, mas empresas chineses estão elaborando ferramentas equivalentes que passem por uma inspeção de segurança antes de serem utilizadas. Os debates também são realizados nos Estados Unidos, conjuntamente à União Europeia. O Secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, compareceu recentemente em reuniões realizadas na Suécia para discussão desse tópico, buscando elaborar um código de conduta às tecnologias. No Twitter , a vice-presidente da Comissão Europeia para Assuntos Digitais, Margrethe Vestager, afirmou que “este é um grande passo em uma corrida que não podemos perder”.
A experiência internacional nos fazem refletir em como o Brasil deve se portar frente ao avanço dessa nova tecnologia.
Brasil e a regulamentação da IA
O mercado de IA no Brasil tem experimentado um crescimento significativo nos últimos anos, impulsionado por avanços tecnológicos, investimentos e um aumento na demanda por soluções inovadoras. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Google Startups, no relatório Inteligência Artificial Report, analisaram que há empresas atuando em diversos setores no país, em áreas multissetoriais como as AIAAS (Inteligência Artificial como Serviço) e BI&Analytics (Inteligência Empresarial), e também em áreas específicas, como saúde, biotecnologia, recursos humanos, indústria, entre outros.
Além disso, o governo brasileiro tem demonstrado interesse em impulsionar a IA no país. Iniciativas como a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação têm como objetivo fomentar o desenvolvimento e a aplicação da IA no Brasil. Essas ações buscam criar um ambiente propício para o surgimento de startups e incentivar a colaboração entre universidades, empresas e instituições de pesquisa.
Embora o mercado de inteligência artificial no Brasil esteja em constante crescimento, ainda existem desafios a serem enfrentados. Questões como privacidade, falta de regulação estatal, segurança de dados e falta de profissionais especializados continuam sendo áreas de atenção.
No mês de junho de 2023, ocorreu a primeira reunião de trabalho dos novos integrantes do Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional, que debateu em audiência pública o marco legal da Inteligência Artificial (IA). Nessa reunião, foi debatida a PL 2.338/2023 que foi proposta pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na qual proposta tem vários objetivos, entre eles, o escopo da IA; princípios éticos na utilização da tecnologia; definição da necessidade de que os algoritmos tenham transparência e que sejam explicáveis; asseguramento de direitos e garantias dos afetados pela IA e implementação de medidas para o combate à discriminação. Também define critérios para o uso desses sistemas pelo poder público, prevendo punições para as eventuais violações à lei e atribuindo ao Poder Executivo a prerrogativa de decidir que órgão irá zelar pela fiscalização e regulamentação do setor. A violação das regras previstas para as IAs poderá acarretar a uma multa de até R$ 50 milhões por infração ou até 2% do faturamento, no caso de empresas. O potencial da IA no Brasil é promissor. Com o crescimento da digitalização, espera-se que esse mercado continue a expandir, impulsionando a inovação e transformando diversos setores da economia brasileira nos próximos anos.
Contudo, é importante não esquecer o contexto da realidade social: um país onde 40, 8% das crianças entre 6 e 7 anos não sabem ler ou escrever, e para muitos a Revolução 4.0 parece uma sentença para o desemprego. Logo, em particular na realidade brasileira é importante elaborar políticas públicas específicas para que a IA seja utilizado para um projeto de desenvolvimento com geração de emprego de qualidade e renda.
Conclusão
Segundo Marx, na Lei Geral de Acumulação de Capitalista citado no capítulo XXIII de O Capital, ao longo do tempo, aquilo que ele denomina como capital fixo (bens de capital) aumenta e aquilo denominado no livro de capital variável (os trabalhadores) diminui. Consequentemente, há o aumento do número de desempregados (ou, na linguagem dele, o ‘’Exército Industrial de Reserva’’). Ou seja, quanto maior a produtividade de uma determinada produção, menor será a necessidade de trabalhadores nessa mesma atividade.
Contudo, no caso das IA, pode ser que a tecnologia não seja tão revolucionária quanto o motor a vapor. Até o presente momento, é apenas uma ferramenta de computador que poupa algumas horas de trabalho, sem substituir, de forma estrutural, o trabalho humano. Ainda não houve uma onda de demissões em massa em vários setores da economia gerada por essa tecnologia.
Ainda assim, como qualquer ferramenta, é necessário saber como utilizá-la para que haja um aumento de produtividade efetivo. De advogados até engenheiros da computação precisam ter conhecimento o suficiente em interpretar os dados fornecidos da IA. Por sua própria experiência, eles sabem os limites da IA e quando devem intervir, não precisando de instruções prévias. Evidentemente que pode ser que futuras gerações possam, aí sim, de um treinamento adequado para isso. Ter uma educação adequada faz toda a diferença. Mas, novamente, não há como saber qual é o limite dessa tecnologia. Pode ser que ela já esteja em seu ápice ou pode ser que não.
Comentamos o papel dessa tecnologia no contexto do mercado de trabalho no geral. Já na mídia, o papel parece ser bem mais dramático. Nas mãos erradas, as IA podem criar e espalhar Fake News tão verossímeis que podem influenciar o resultado de eleições nos países do mundo. Por isso que a questão da regulamentação se faz tão relevante. O futuro de muitos regimes podem depender disso.
Outro ponto que se faz necessário abordar é o uso estratégico na economia para um país. Segundo um relatório do McKinsey Global Institute, as IA podem agregar US$ 4,4 trilhões de valor à economia global todos os anos. Assim, sob a ótica de um Estado, se faz necessário ter posse dessa tecnologia para se manter relevante no comércio internacional. Assim, não é à toa que os Estados Unidos avaliam a possibilidade de restringir a venda de chips avançados para a China.
Subestimadas ou superestimadas, a expectativa do futuro contribui para moldar o comportamento do presente. As IA são tecnologias impressionantes que já estão presentes no nosso dia a dia. Cabe refletir sobre a regulação social para evitar novos problemas, garantir que os avanços tecnológicos sejam usadas para resolver os problemas das maiores da população global e não para reforçar a concentração de poder e riqueza.
¹ Com agradecimentos ao professor Giorgio Romano Schutte pela colaboração.