O debate acerca das taxas de juros ao redor do mundo

25 de julho de 2023


Por Dante Apolinario, Gabriel Horacio de Jesus Soprijo, Lívia Romano, Lucas Santiago Portari e Luciana Henrique (Imagem: Unsplash)


A regulação das taxas de juros é tema de intensos debates na economia brasileira e internacional. No Brasil, a alta taxa de juros atrai capital financeiro, mas também gera desigualdades e inibe investimentos produtivos, com pressões do governo por reduções e resistência do Banco Central. Nos Estados Unidos, a “Bidenomics” busca estímulos para aquecer o mercado interno, mas enfrenta desafios com a inflação e divergências no Federal Reserve Bank. Na União Europeia, o BCE implementou medidas de estímulo devido à pandemia, mas a Guerra na Ucrânia e a crise energética geram pressões inflacionárias e elevação das taxas de juros. Já a China, com seu sistema econômico singular, busca estímulo para a economia, porém, enfrenta cautela da população em gastar e investir.

Introdução 


Impondo-se como um debate árduo no Brasil há décadas, a regulação e o controle das taxas de juros vêm construindo dinâmicas conflituosas dentro da economia local e internacional. Mais elevada do que a média durante o último ano, a taxa contribuiu para que o Brasil se tornasse um país atrativo para a entrada de capital financeiro desde o começo de 2022, como discutido em um artigo produzido no ano passado pela equipe do OPEB – que explora como o Brasil atraiu investimentos devido à alta causada pela Guerra na Ucrânia. Todavia, como também apontado pelo artigo, a taxa de juros alta contribui para desincentivar investimentos produtivos e acentuar as desigualdades, uma vez que o financiamento para consumo e/ou investimento ficam mais caros, enquanto os lucros financeiros se elevam.


Essa dicotomia tensa implica uma dinâmica única entre o governo e o Banco Central: respectivamente, enquanto um realiza pressões pela redução da taxa, o outro se mantém favorável à sua manutenção nas alturas. No entanto, não é só o Brasil que vivencia esse cenário: em outros contextos, como nos Estados Unidos, na União Europeia e na China, a implementação de uma política monetária também é um impasse entre diversas frentes, sobretudo, pela atuação autônoma que a maioria dos Bancos Centrais possui. Dessa maneira, torna-se imperativa a análise de tais dinâmicas para melhor compreender como agem tais pressões e quais suas influências na economia local e internacional.


EUA, FED e a “Bidenomics” 


A política monetária no cenário estadunidense é conduzida pelo Federal Reserve Bank (FED), e é importante destacar a chamada “Bidenomics”. Num cenário de retomada da economia estadunidense em plena pandemia da COVID-19, o presidente Joe Biden iniciou um amplo processo de estímulo econômico almejando um reaquecimento do mercado interno estadunidense. Essas políticas deveriam inclusive resolver a exorbitante taxa de 14,7% de desemprego,  em abril de 2020 e isso envolvia uma discussão sobre a taxa de juros.


O principal entrave pode ser observado nos voláteis índices financeiros das bolsas norte-americanas. Isso porque o plano de Biden, ao protagonizar políticas de expansão de postos de trabalho, deu enfoque ao lado produtivo da economia. Uma política de juros baixos deveriam estimular aumentos dos níveis de consumo e produção, gerando com isso oportunidades de emprego.


De 2020 para cá, foi possível observar as menores taxas de desemprego da história dos EUA, atingindo 3,4% em janeiro de 2023. Entretanto, isso sinaliza um cenário doméstico saturado, com taxas de crescimento econômico estabilizadas e pressões inflacionárias se intensificando, acionando o FED para aumentar a taxa de juros. É este o dilema da “Bidenomics”: por um lado, a adoção de políticas expansionistas visam aquecer a economia, gerando emprego e provocar investimentos produtivos no país. Isso teria transformado uma inflação que parecia passageiro (ligado aos impactos da retomada pós-Covid e os impactos da Guerra na Ucrânia) em uma inércia inflacionária. O FED começou a se distanciar da política de juros baixos e os mercados financeiros apostavam em juros altos no longo prazo.


O paradoxo dessa lógica é que dados positivos no mercado de trabalho (geração de empregos e ganhos salariais) representam sinais de pressões inflacionárias, que são enfrentados com aumento de juros para conter as políticas expansionistas do próprio governo. A ata do FED de junho mostrou as divergências na própria diretoria, quando diante das incertezas relacionadas às perspectivas econômicas vários defenderam “moderação” no ritmo de elevação dos juros.


Assim apareceu um desalinhamento entre os  discursos de Biden sobre o “progresso” de seu plano econômico e a postura do FED de manter uma alta taxa de juros. Com sua retórica do “Build Back Better”, de um lado, e a reprecificação do setor doméstico em alta no curto prazo – proveniente da inflação – do outro, o governo Biden encontra-se pressionado. A expectativa mais contundente está num possível futuro recessivo para a economia global, com uma retração dos mercados e queda do consumo interno, com os níveis de juros altos e mercados buscando jogar seus custos para a frente. Não se pode dizer que Biden fracassou até agora, mas a condução de seu plano econômico demonstrou-se, no contexto da lógica dos mercados financeiros contraditório e volátil.


União Europeia e Banco Central Europeu (BCE) 


A atuação do BCE pode ser observada de maneira mais intensa durante períodos de instabilidade política e econômica, como observado durante a pandemia de COVID-19. Durante esse período, o Banco Central Europeu (BCE) teve uma atuação de suporte monetário recorde para os países da zona euro. Como medida para amenizar as consequências econômicas, o BCE manteve os juros em baixas taxas e anunciou um pacote de estímulos, que incluía iniciativas como oferta de financiamentos com taxas reduzidas, visando manter a liquidez no sistema financeiro e as compras de ativos. Além disso, foi implementada uma política de montante de financiamento, que assegurou um valor que os bancos poderiam acessar para aliviar riscos. Todavia, apesar das medidas, o impacto econômico no período foi notável, colocando a União Europeia abaixo da sua meta para inflação


Ademais, a Guerra na Ucrânia exigiu esforços para controle de uma situação crítica, onde as pressões inflacionárias exigiram uma normalização urgente da política monetária do BCE. O economista-chefe da instituição, Philip Lane, afirmou que a guerra teria a possibilidade de reduzir o PIB da zona euro em 0,4%, constatando um obstáculo ao pleno alcance das metas econômicas. Além disso, a inflação na União Europeia (UE) atingiu 7,5% em março de 2023, após um ano do conflito no leste europeu, que arca com uma crise energética desde o início do conflito, visto que a Rússia é um dos principais exportadores de petróleo e gás natural. Para conter a crescente inflação na região, onde os preços das mercadorias tiveram uma elevação de 8,6% em junho em comparação ao mesmo período no ano anterior, o BCE elevou as taxas de juros pela primeira vez desde 2011. Embora necessária, a medida surpreendeu o mercado, que não projetava um aumento de 0,5%, levando as taxas a atingirem seu maior índice em 22 anos. Ou seja, parecido com a situação descrita no caso dos EUA, convivem políticas de estímulo com políticas restritivas (elevação de taxa de juros).


China 


Nos casos citados acima, o Banco Central possui atividade autônoma apesar das pressões governamentais. Já no cenário chinês, a elaboração de uma política monetária é feita em conjunto: o Banco Popular da China (BPC) não parece estar operando dentro da mesma lógica que o executivo. O país desenvolveu seus próprios processos para manter um controle firme sobre sua economia e garantir crescimento do mercado interno, mantendo capacidade de exportação.


Nesse sistema econômico singular, dependente de exportação, as políticas de fornecimento da moeda chinesa se diferem de outras nações.  Diferente de bancos centrais ocidentais, o BPC continua adotando uma postura monetária mais branda em 2022, cortando juros e aumentando a liquidez do sistema de financiamento. Essa medida visava estimular a economia.


Um fator importante na atuação do BPC foram as restrições chinesas contra o pico de COVID-19 ocorrido em janeiro de 2023. No final desse período, as ações chinesas tiveram uma alta de 46%, se destacando no contexto global, segundo análise de estrategistas do banco Goldman Sachs. A partir de fevereiro, o Índice MSCI China (Morgan Stanley Capital International), usado para monitoramento de ações em mercados financeiros globais, teve uma alta de aproximadamente 10%. No entanto, as ações no mercado chinês já se aproximavam de um teto, e após o período de alta, as ações apresentaram queda de mais de 20%, entrando em tendência de baixa. Enquanto as outras bolsas da região e do mundo têm superado as visões pessimistas, tal cenário se mostra contrário às expectativas que se sobressaiam sobre o país, onde havia expectativa de que com o fim das restrições da política de covid zero, os gastos do consumidor chinês aumentariam. Porém, o que se verificou é a permanência de uma atitude cautelosa e conservadora e os consumidores não estão realizando compras que poderiam impulsionar a economia, e isso explica as taxas de juros baixos e permanência da política de juros baixos por parte do banco central chinês. Um dos enfoques das autoridades chinesas tem sido o desenvolvimento do setor imobiliário, porém, nesse caso, o endividamento excessivo de corporações imobiliárias chinesas preocupa: os estímulos em grande escala podem acentuar as dívidas do setor. O caso chinês mostra que somente juros baixos não estimula a demanda e os investimentos.


Brasil 


O cenário brasileiro, há tempos, vivencia conflitos no que tange à regulação das taxas e a manutenção da inflação. Por vezes, sendo considerado o país com as maiores taxas de juros reais, as autoridades políticas enfrentam pressões populacionais e corporativas, divergentes em suas demandas, criando um cenário tenso. Para compreender a posição no pódio, podemos analisar o histórico da Taxa Selic ao ano. Observamos que, nos últimos 10 anos, o ponto máximo foi entre 2015 e 2016, atingindo 14,15% a.a, e o ponto mínimo foi no último quadrimestre de 2020 e início de 2021, de 1,90% a.a. Já a inflação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) (no acumulado de um ano), nos últimos 10 anos, teve sua taxa máxima em abril de 2022, de 12,13%, e o seu mínima em maio de 2020, de 1,88%. Até abril de 2022, o IPCA estava acima do acumulado da Taxa Selic, mas a partir de junho do mesmo ano, a inflação começa a diminuir e a Selic se estabiliza em um patamar extremamente alto (primeiro em 13,15% e depois em 13,75%). Isso fez com que, na segunda metade de 2022, e atualmente em 2023, o Brasil alcançasse taxas reais exorbitantes mundialmente.


Como supracitado no texto, o cenário atual tem tornado o Brasil um país atraente para investimentos financeiros estrangeiros desde o início de 2022, aumentando as oportunidades de lucro, mas a alta taxa de juros intensifica desigualdades sociais, além de dificultar o acesso ao crédito, especialmente em um contexto pós-pandêmico. Todavia, as altas taxas não parecem preocupar o atual presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Netos, que desde a posse do atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, está em uma batalha para resistir à pressão do governo de reduzir a taxa de juros.


Não apenas as demandas populacionais refletem a pressão ao BC, mas também, o empresariado e representantes políticos. Centrais sindicais se organizaram e realizaram protestos na frente das sedes do BC em capitais, empresários influentes se manifestaram e houveram pressões em debates realizados no Senado. Além disso, Lula posiciona-se fortemente favorável à diminuição e cobra de Campos Neto uma revisão da política monetária. Todavia, o presidente não possui o poder para trocar a presidência do BC, que funciona de forma autônoma. Apenas o Senado possui esse poder, mas isso não está incluído nas pautas principais da casa legislativa. Dessa maneira, a instituição continuará a ser conduzida por Campos Neto até 2024, quando o atual presidente da república poderá indicar algum nome para o cargo.


O aumento da taxa para o nível atual ocorreu em agosto de 2022, como medida para conter a inflação crescente. No entanto, mesmo após um processo deflacionário, colocando a inflação atual dentro da meta do Conselho Monetário Nacional (CMN), as taxas não têm previsão para redução. Neste ano, durante a 4° reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (COPOM), foi acordada a manutenção da taxa Selic em 13,75% a.a, sem sinalizar claramente uma possibilidade de redução futura. Essa conjuntura já era prevista por diversos analistas após prévios comunicados da instituição pelo Boletim Focus, reforçando as dificuldades impostas pela conjuntura externa e pelos esforços relacionados à redução da inflação. O próximo encontro do Comitê está marcado para o início de agosto, onde periodicamente é debatido se as taxas serão mantidas ou reduzidas. Dessa forma, a expectativa acerca de uma redução se intensifica, e urge cada vez mais um posicionamento diferente da instituição reguladora. 


Ademais, a produção de petróleo como fator importante na economia brasileira influencia, também, a política monetária e os índices de inflação. Condicionados pelo conflito na Ucrânia, diversas commodities tiveram um aumento no preço, como o petróleo, que levou a Petrobras a registrar, em 2022, o maior lucro de toda a sua história. No entanto, o atual governo se mostra favorável à reorientação dos lucros em investimentos públicos. Nesse sentido, o fim do Preço de Paridade Internacional (PPI) constitui um ótimo meio para atingir essa meta, podendo também, contribuir com a diminuição da inflação à longo prazo.


Considerações Finais


Ficou evidente a constante tensão, em economias capitalistas, entre políticas de

estímulo à geração de emprego e renda e a política monetária que utiliza a taxa de juros para combater a inflação. Essa inflação, às vezes, é gerada por essas mesmas políticas, outras vem de pressões externas ou situações passageiras. Nestes últimos casos, o aumento dos juros não parece ser a política mais adequada. Ao mesmo tempo, os juros altos alimentam um conjunto de interesses financeiros e especulativos, tanto nacionais como internacionais. Estes últimos buscam juros altos, movimentando dinheiro de praças com juros baixos.


A China possui um sistema diferenciado, com controles mais rígidos sobre a entrada e saída de capitais, além de ter seu sistema financeiro 95% estatal e 98% nacional. Entretanto, nesse caso, há outro problema que impede uma retomada mais forte após o fim das restrições relacionadas à pandemia: um excesso de cautela por parte da população em gastar e investir suas reservas.


Por outro lado, no caso do Brasil é o contrário: prevalece uma lógica perversa de taxas de juros reais muito mais altas que a média mundial. Isso não apenas impede investimentos e consumo, mas também drena recursos públicos, pois o governo destina uma parte significativa de seu orçamento para os juros sobre o endividamento público federal.

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