Super-lucros e a tributação de exportação de petróleo cru

31 de março de 2023


Por Gabriel Horacio de Jesus Soprijo, Leonardo Poletto Di Giovanni, Lívia Romano F. da Cruz, Lucas Santiago Portari e Nícolas de Paula Silva Ferreira (Imagem: Agência Petrobras)


Com a Guerra na Ucrânia os preços do petróleo e dos combustíveis subiram exponencialmente. Paradoxalmente, as empresas de petróleo tiveram lucratividade recorde em 2022 e a Petrobras foi um exemplo disso, com lucros extraordinários. Diversos países que sofreram com os efeitos dos aumentos de preços de energia adotaram medidas para capturar parte desses superlucros. Só recentemente o Brasil adotou uma medida acertada que vai nessa direção: o imposto sobre a exportação de petróleo cru. Foi duramente criticado pela oposição e as empresas petrolíferas e pouco defendido. 


Contexto internacional


A guerra da Ucrânia foi um dos acontecimentos mais importantes do mundo em 2022. Além direto da ação militar, trouxe uma série de consequências econômicas em escala global. Todavia, uma situação em especial chamou bastante a atenção, com o decorrer da guerra, um setor específico da economia estava lucrando muito: as empresas petrolíferas. 


No meio de uma catástrofe humanitária, as companhias de petróleo e gás adotaram uma estratégia para que o lucro chegasse até o bolso dos investidores: primeiro, as companhias recompraram as suas próprias ações e as retiraram do mercado, diminuindo a circulação e aumentando o valor das ações dos investidores e a segunda maneira foi por meio de um aumento do pagamento dos dividendos. Segundo relatório produzido pela organização ambiental “Friends of the Earth“, nos primeiros meses de 2022, seis empresas pagaram taxas adicionais de dividendos em relação à rotina trimestral de pagamentos. A Shell conseguiu atingir o maior lucro em 115 anos, o valor ajustado foi de US $39,9 bilhões. Segundo contas feitas pela S&P Global Commodity Insights para o Financial Times, os produtores de petróleo dos EUA arrecadaram US $200 bilhões em alta de preços devido à guerra entre o segundo e terceiro trimestre de 2022. De acordo com balanço econômico do ano passado, a Petrobras obteve lucro recorde de R$ 188,73 bilhões, sendo 76,6% maior que em 2021.


Devido a esse lucro excessivo, a União Europeia, chegou a propor cobrar US $140 milhões em impostos para as empresas de petróleo e gás. A ideia era que fosse cobrado imposto sobre qualquer lucro extra que excedesse 20% em comparação com os últimos três anos. Também o presidente dos EUA, Joe Biden, se posicionou contrário a postura das companhias de lucrar em cima da morte de pessoas inocentes: “Os lucros recordes das empresas de petróleo não são porque estão fazendo algo inovador. Os lucros são um ganho inesperado de um conflito brutal que está devastando a Ucrânia e machucando milhões de pessoas pelo mundo” (Tradução livre do pronunciamento oficial)


O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas – ONU, António Guterres, pediu que o lucro das empresas de energia fossem tributados: “É imoral que as empresas de petróleo e gás obtenham lucros recordes com esta crise energética às custas das pessoas e das comunidades mais pobres”. Em meio a essa situação fica algumas perguntas: Para onde vão esses lucros? Como o Brasil se posicionou perante esse cenário? 


O que tem sido feito em relação aos lucros extraordinários nos outros países?


Os windfall profits são os lucros extraordinários e inesperados, obtidos em cima do lucro médio do setor não sendo as companhias as responsáveis pelos acontecimentos que permitam esse aumento. O cenário geopolítico atual é um exemplo de condição fora do controle das companhias, mas que influencia positivamente seus lucros. A retomada econômica internacional após a pandemia seguida do início do conflito na Ucrânia fez com que os preços do petróleo subissem rapidamente. E os lucros das petrolíferas também: a Shell lucrou US$ 39,9 bi em 2022, o maior da história da empresa; a BP lucrou US$ 27,7 bi em 2022, acima dos US$ 12,8 bi de 2021 e a Centrica lucrou US$ 3,3 bi no mesmo ano, mais que o triplo do ano anterior. A taxação sobre esses lucros passou a ser defendida por diferentes setores e espectros políticos em vários países: o windfall tax.


Frente ao aumento da inflação e recessão econômica enfrentados no Reino Unido, , o ministro das finanças Jeremy Hunt cedeu à pressão popular, resistindo ao lobby da BP e Shell, e anunciou no pacote fiscal no final de 2022 o aumento nos impostos sobre lucros extraordinários em empresas de energia, de 25% para 35%, sob um período que passa de 4 a 6 anos. O intuito é “restaurar a credibilidade financeira e política do governo”, criando condições para ajudar a população na crise energética. Outro exemplo é o caso italiano: um windfall tax de 50% foi aprovado para empresas que se beneficiaram do aumento do preço de óleo e gás, tendo seus lucros aumentados mais de 10% além do declarado entre 2018 e 2021. Além desses dois, a Grécia e a União Europeia adotaram posturas semelhantes, enquanto a Espanha e a Bélgica também demonstraram interesse em adotar essa política de justiça tributária.


Os extraordinários dividendos da Petrobras


Neste cenário de valorização do petróleo com a retomada econômica e as disputas geopolíticas envolvendo a Guerra na Ucrânia, também a Petrobras tem obtido recordes na sua lucratividade. Com a manutenção da política de Paridade de Preços de Importação (PPI) a Petrobras registrou em 2022 um lucro líquido de R$ 188,3 bilhões, sendo o maior já registrado em uma companhia de capital aberto em toda a história no Brasil. Além disso, observa-se também, o aumento do pagamento de dividendos a acionistas, cujo valor foi de R$ 215 bilhões só em 2022, maior do que o próprio lucro da empresa no período. Para se ter dimensão do quão exorbitante foi a distribuição de dividendos realizada: o valor de mercado da Petrobras hoje é de R$ 329,83 bi. Ou seja, a empresa distribuiu em dividendos apenas em um ano o equivalente a mais de 60% do seu próprio valor de mercado. Segundo o levantamento da consultoria Janus Henderson, a Petrobras foi a segunda maior pagadora de dividendos do mundo em 2022, em valores absolutos.


Apesar do valor recorde registrado no lucro e no pagamento de dividendos em 2022, a tendência de aumento vêm sendo observada em anos anteriores também. Já sob os impactos da retomada econômica nos preços do barril de petróleo, o valor distribuído aos acionistas em 2021 foi cerca de 15 vezes maior que o distribuído em 2020, sendo de R$ 101,3 bilhões e R$ 6,6 bilhões, respectivamente. Essa tendência de aumento foi observada durante todo o governo de Jair Bolsonaro, onde houve a distribuição de dividendos muito maiores que os observados em governos anteriores, junto à diminuição de investimento produtivo.


O caso brasileiro ainda conta com algumas peculiaridades que tornam o imposto sobre exportação de petróleo cru ainda mais acertada. Em primeiro lugar, enquanto a BP e Shell têm, respectivamente, 5% e 10% dos seus lucros na Inglaterra, a Petrobras tem a maior parte do seu lucro no Brasil e é a principal empresa tanto na produção quanto na venda de petróleo no Brasil. Outra característica do setor de petróleo brasileiro é a política de Preços de Paridade de Importação-  instituída em 2016 – desconsiderando os custos de extração das operações no Pré-Sal. A Petrobras tem um custo de extração abaixo dos US$ 6/barril no Pré-Sal (sem a participação governamental) e tem vendido petróleo no mercado nacional ao preço internacional, que teve média de US$ 101,19/barril em 2022. Assim, além do windfall profit, ou lucro extraordinário, que todas as petroleiras têm tido nos últimos meses, a Petrobras tem uma parcela adicional de lucros extraordinários dados os baixos custos de extração dos poços do Pré-Sal.


Estes dois fatores fazem com que os lucros da Petrobras tenham sido tão exorbitantes nos últimos dois anos. E o para quem esse lucro tem sido distribuído que completa o peculiar quadro petrolífero brasileiro: dos R$ 215,8 bilhões de dividendos distribuídos em relação ao exercício de 2022, 46,37% foram para os bolsos de acionistas estrangeiros e outros 17,02% para acionistas privados brasileiros. Então, não apenas esse lucro tem sido obtido às custas dos brasileiros que estão pagando caro pela gasolina, diesel e gás de cozinha, como também a sua distribuição é feita majoritariamente para acionistas privados, estrangeiros e nacionais. A parte que cabe à União é de apenas 36,61% dos lucros distribuídos, incluído aqui também a remuneração na mão de bancos estatais como BNDES. 


Apesar disso, a Petrobras é uma empresa estatal de economia mista. Isto é, a União possui a maioria das ações com direito de voto e tem o controle dos rumos da empresa. Neste contexto, figuras do novo governo criticaram o direcionamento que a Petrobras vinha tendo durante o governo Bolsonaro. O pagamento exacerbado de dividendos foi duramente criticado por Gleisi Hoffmann, presidente do Partido dos Trabalhadores, que se posicionou contra a super-remuneração e a favor de políticas destinadas ao povo brasileiro, de forma a revisar a PPI. Recentemente, Lula também teceu críticas à remuneração realizada, questionando o uso do valor e a falta de investimento produtivo e desenvolvimento de novas tecnologias para extração de petróleo e outras fontes energéticas. 


O novo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, também defende a revisão dessa política. Afirma que realizará a busca pelo equilíbrio entre o valor pago e o valor retido, revisando também, a venda de refinarias. O Conselho de Administração da Petrobras será renovado no dia 27 de abril. 


Imposto sobre exportação de petróleo cru no Brasil


É neste contexto que a MP 1.163  de 01/03/2023 precisa ser avaliada. Ao estabelecer uma alíquota, embora temporária, de 9,2% sobre a exportação de petróleo cru, o governo acerta – e avança – em duas grandes frentes. Primeiro, na medida em que acaba significando uma taxação em parcelas de superlucros.


Em segundo lugar, o aumento da oferta de petróleo não-processado para o mercado interno brasileiro estimula o seu processamento e refino aqui. 


Imediatamente após o anúncio das medidas, surgiram críticas afirmando que seria o fim do setor petrolífero brasileiro e que as petrolíferas iriam parar de investir no Brasil. Isso é totalmente falso. Estas mesmas empresas, BP e Shell, por exemplo, aceitaram as taxações realizadas na Inglaterra. Não cessaram suas atividades lá e nem nos outros países nos quais atuam e onde foram adotados windfall taxes. Por que seria diferente aqui no Brasil? Além do mais, na situação hipotética de que de fato essas empresas parassem de investir na exploração de petróleo no Pré-Sal, esse seria um problema apenas para elas. Os custos de extração do Pré-Sal estão dentre os mais baixos do mundo e hoje o Brasil não possui nenhuma restrição de capital para novos empreendimentos no Pré-Sal. A Petrobras é totalmente capaz de ser a operadora dos blocos e compor a maior parte dos consórcios.


Inserida internacionalmente na geopolítica da energia, o que se observa na questão da Petrobras é uma disputa entre, de um lado, a irrestrita adoção dos preços internacionais para atender interesses privados, nacionais e estrangeiros, e, de outro, a soberania nacional brasileira, com uma empresa estatal ativa e voltada para o desenvolvimento nacional.


No caminho do interesse e benefício público


Diversos países têm sofrido com a inflação e aumento dos preços de energia e combustível nos últimos meses. Países europeus têm tentado lidar com essa situação através da taxação dos lucros extraordinários do setor petrolífero. Nos EUA, Biden vem tentando seguir o mesmo caminho. Por que o Brasil, que possui ainda mais motivos para taxar os lucros exorbitantes do setor, não pode seguir o mesmo – acertado – caminho?

Em meio à farra dos últimos anos que tomou conta do setor petrolífero brasileiro, uma medida básica de soberania e desenvolvimento nacional é considerado perigosa para o clima de investimento. Durante o governo Bolsonaro, a forma – temporária – de diminuir os preços de combustíveis foi tirar os impostos, mas mantendo os super lucros e ainda aumentando as distribuições de dividendos da Petrobras. Um verdadeiro paraíso na Terra para os acionistas privados da Petrobras. Agora, com esta medida de tributação de exportação de petróleo cru, o Brasil mostra que voltou a atuar como país, indo no mesmo caminho das principais economias do mundo que têm sofrido com o mesmo problema de alta de preços de energia e combustíveis,  tomando as medidas necessárias para proteger o seu mercado interno e estimular o desenvolvimento.


Ao final, o imposto sobre exportação de petróleo cru ajuda a cumprir com duas promessas de campanha citadas pelo Presidente da República e o atual Presidente da Petrobras: expandir o parque de refino nacional e pôr fim à política de Preços de Paridade de Importação. Um passo ousado na direção certa que quebrei um tabu e poderia servir de exemplo para exportação de outras matérias primas não processados como soja e minério de ferro. Uma pena que o governo ficou tímido em explicar a relevância e importância dessa medida.


 ¹Agradecimentos ao professor Giorgio Romano Schutte pela colaboração.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *