As expectativas da viagem de Lula à China

31 de março de 2023

 

Por Filipe Porto, Vitor Gabriel da Silva e Vitor Hugo dos Santos (Imagem: Isac Nóbrega/PR) 

 

 

O terceiro mandato de Lula busca resgatar os laços com os antigos parceiros, embora de maneira diferente de 2003, a reaproximação com a China é essencial para o fortalecimento da política externa brasileira

 

 

Após tomar posse como presidente, Lula desenhou uma agenda internacional com praticamente uma viagem internacional por mês, reinaugurando a diplomacia presidencial. Em apenas um mês de governo, Lula se reuniu com metade do total de países de todo o governo de Bolsonaro, segundo o Globo. Em janeiro visitou a Argentina e o Uruguai, seguido dos Estados Unidos em fevereiro, e as expectativas são de que o presidente visite a China entre 11 e 15 de abril. 

 

O que a visita de Lula à China significa de fato para o Brasil e para o mundo? É ilusório imaginar que estamos pensando em uma aproximação do Brasil com a China semelhante a de 2003, repleta de promessas e expectativas em relação ao futuro. Ao passo que em 2003 Brasil e China eram tratados como potências emergentes, atualmente o Brasil é um país que busca se recuperar de crises políticas, econômicas e sociais, e voltar a ter algum protagonismo na política internacional, enquanto a China se consolidou como segunda potência econômica do mundo.

 

Em um contexto internacional incerto, marcado pela Guerra da Ucrânia e as tensões cada vez mais acirradas de Washington contra a China, o encontro de Lula com Xi Jinping ocorrerá em um momento em que a China desfruta de boas relações com a Rússia, sobretudo pelo aceno positivo do Kremlin em relação a posição da China sobre o conflito após visita recente de Xi a Moscou; ambos compartilham da visão de que os Estados Unidos e seus aliados estão tentando transformar um conflito local, entre Rússia e Ucrânia, em um conflito global, pressionando diversos países a aderir às sanções e contribuir com o fornecimento de armamentos e sistemas de defesa para Kiev.

 

O Brasil negou ajuda à Ucrânia e teve como retaliação o embargo para a venda de 28 veículos blindados Guarani para as Filipinas. Durante a visita a Pequim, Lula deve discutir com Xi suas posições sobre o conflito. O Brasil será cada vez mais pressionado por Washington e seus aliados devido a aproximação com a China, mas sua posição equidistante, ou de “neutralidade ativa” perante o conflito, não impede a abertura de espaços de cooperação com os EUA e aliados, aumentando o poder de barganha do Brasil na busca do que lhe interessa no cenário internacional. 

 

No âmbito bilateral, a aproximação com a China pode ser positiva, mas enfrenta desafios ao mesmo tempo. Ao passo que possibilita, por exemplo, a entrada de investimentos multisetoriais, sobretudo em infraestrutura, a intensificação de relações sem um plano estratégico pode contribuir, como já vem ocorrendo, para um processo de reprimarização da pauta exportadora, diminuição da complexidade produtiva e desindustrialização do Brasil. Nesse preâmbulo torna-se primordial que o Brasil tenha uma agenda estratégica e de futuro para sua política externa de forma a possibilitar que as relações com a China contribuam para o desenvolvimento de políticas públicas domésticas no Brasil, ao passo que também auxilia na inserção internacional positiva do país. 

 

Panorama das relações Brasil-China

 

A viagem de Lula para a China representa um marco para o futuro da política externa brasileira, na medida em que o país asiático é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009 e consolida-se uma parceria estratégica entre os dois desde 1993, que em 2023 completa 30 anos. Apesar dessas relações próximas, estas são deveras assimétricas. O comércio bilateral com a China atingiu US$ 135 bilhões em 2022, e o país ocupa atualmente papel importante como investidor estrangeiro nas mais diversas indústrias do país. De acordo com o China-Latin America Finance Database, o Brasil recebeu treze empréstimos de bancos chineses, totalizando US$ 30,5 bilhões desde dezembro de 2007. A importância da China é evidente na agenda brasileira.

 

A pauta de exportações do Brasil para a China e, 2022 é dominada por produtos de commodities agrícolas e minerais, como soja (30,8%), minério de ferro (27,3%), petróleo cru e derivados (16,7%) e carnes (9,62%), de acordo com o Comex Vis. A China conta com apenas 7% de terras cultiváveis, o que dificulta a execução de planos de autossuficiência agrícola e desponta o Brasil como ator central para sua segurança alimentar; o Brasil é atualmente o maior exportador de soja para a China, seguido dos Estados Unidos. Ressalta-se que Lula e Xi Jinping compartilham da visão de que o progresso humano depende de um mundo onde a fome e a pobreza não podem existir e já anunciaram a criação de uma aliança internacional contra a fome e a pobreza antes mesmo da visita de Lula a Pequim. 

 

O que está em jogo durante a visita 

 

Ainda assim, há grandes expectativas em torno da viagem de Lula para o aprofundamento das relações com a China. No setor econômico, empresários brasileiros buscam principalmente diversificar a pauta comercial e abrir portas com novos parceiros comerciais na China. A comitiva conta com membros dos ramos de carnes, arroz, insumos, entre outros. Já em Pequim, Carlos Fávaro, Ministro da Agricultura e Pecuária (MAPA), anunciou a suspensão do embargo à carne bovina brasileira após um mês de suspensão por conta de um caso de “vaca louca”. Além disso, Favaro pontuou que a viagem marca a aproximação do governo com o agronegócio que está sendo bem sucedida já nos primeiros meses da gestão Lula.

 

Mas além da expansão e diversificação da pauta comercial, o que é difícil de ocorrer para além de outros produtos agrícolas e outros poucos industrializados, outra estratégia do governo é buscar novas parcerias e investimentos chineses em setores além do agro. Durante seminário em Xangai, promovido pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil e a Apex-Brasil em março deste ano, houve a assinatura de mais de 20 acordos que abrangem as áreas de transição energética e enfrentamento à mudança climática; mineração; indústria; agronegócio; finanças; tecnologia da informação e comunicação; saúde; infraestrutura e construção; e comércio e serviços. 

 

Ainda, foi anunciado um acordo entre os bancos centrais do Brasil e da China, respectivamente, para o estabelecimento do Banco Industrial e Comercial da China (ICBC) como clearing de renminbi (RMB) no Brasil, além do uso do CIPS, o Sistema de Pagamento Interbancário Transfronteiriço da China, no comércio bilateral sino-brasileiro. Em dezembro de 2022 o OPEB analisou que o uso do RMB nas relações comerciais é um movimento muito mais estratégico do que de substituição entre dólar vs renminbi ou vice-versa, contribuindo para a diversificação das divisas brasileiras e reduzindo o risco de transações por intermédio de uma moeda terceira. 

 

Espera-se que durante a visita de Lula ocorra a ativação do Fundo Brasil-China de Cooperação para Expansão da Capacidade Produtiva, estimado em R$ 20 bilhões. Tal acordo foi firmado entre o Banco de Desenvolvimento da China e o BNDES ainda em 2015, mas nenhum projeto foi financiado até o momento. Há ainda expectativas em torno da construção do CBERS-6, a sexta linha de satélites construídos em parceria entre Brasil e China, que deve funcionar para monitoramento da floresta amazônica e ser utilizado como mecanismo de combate ao desmatamento.

 

Por fim, o início da gestão de Dilma Rousseff como presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) merece atenção, já que Dilma é ex-presidenta do Brasil e aliada do governo federal. A rápida aprovação de seu mandato pelo Conselho de Governadores do NBD indica que a presidência de Dilma inaugura um novo momento para o banco. Dilma participou da fundação do NBD e tem como objetivo promover o avanço da agenda da instituição, considerada “tímida” durante a gestão de seu antecessor, Marcos Troyjo, que a título de exemplo não comparecia à sede do NBD em Xangai desde março de 2022. 

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